Capítulo 03

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"Quando perdi o medo"

        "Por que eu fiz isso?"

        Hyunjin tinha nas mãos uma garrafa fechada de suco de maracujá concentrado. Não fazia ideia do motivo de ter roubado aquele suco do congelador de sua casa sendo que sequer gostava de bebidas cítricas, mas a cor era tão bonita... Ou ele só queria sentir a vingança nas veias, a de saber que agora sua mãe não tinha levado seu suco preferido ao trabalho. Era horrível, mas tão realizante ao mesmo tempo. Colocou um suspiro fundo para fora dos pulmões e encarou as paredes frias, passando em frente à porta do banheiro e tendo a visão familiar de cabelos cacheados, óculos pretos, uma blusa social verde fina e o mais marcante, a bolsa de seu violino nas costas. Aquele que estava procurando estava ali. O tempo passou, e agora lá estava Yang Jeongin depois de um dia difícil. Na sua bochecha ainda tinha a ferida, fechada com um curativo bem simples. Lavava seu rosto na pia do banheiro com a água gelada depois de deixar os óculos de lado na pia, tentando lavar sua alma junto ainda com certa delicadeza, seus resmungos podiam ser ouvidos da porta do banheiro.

        Ele parecia de fato exausto, as bolsas arroxeadas abaixo dos olhos entregavam isso... Foi surpreendido por um choque gelado em seu braço, e ao olhar pro lado, viu Hyunjin. Havia chegado ao lado do garoto com passos silenciosos, não sendo notado pois Yang não encarou o espelho enquanto enxaguava o rosto. Na destra segurava a garrafa lacrada de suco de maracujá concentrado e tinha um sorriso igualmente cansado no rosto, de vez em quando encarava a bolsa do violino que o cacheado carregava em suas costas, mas tentava disfarçar que era um fascinado pelo instrumento de corda de maneira idiota.

        — Gosta? — Perguntou sobre a bebida ao mais novo, que em silêncio apenas balançou a cabeça positivamente. — Fica pra você, maracujá é muito cítrico pra mim.

        — Que fresco. — Tomando a garrafa das mãos do garoto mais alto, Jeongin a abriu e deu um gole generoso. Seu cérebro virou gelo e os dentes, por estarem sensíveis pelo aparelho ortodôntico, sentiram uma dor aguda uma vez que não tinha percebido que o suco estava parcialmente congelado, fora que o gosto cítrico não ajudou em nada. Yang bateu na própria testa, dando um resmungo mais alto do que devia. — Ai! Meu dente... Deus!

        — Você é... — Foi ridículo, tanto que Hwang não conseguiu segurar o riso de jeito nenhum. — Realmente... Muito imbecil.

        Estava ofendido e com vergonha, mas de certa forma não via aquela interação negativamente. Não conseguiu conter o sorrisinho no rosto, mesmo constrangido, tampou a garrafinha e tentou não rir da própria estupidez. — Podia ao menos me avisar que estava congelado.

        — Como você não percebeu?! Eu encostei a garrafa em você, você segurou a garrafa na mão! — Colocando ênfase nas palavras, ao mesmo tempo que a linguagem corporal do garoto alto mostrava indignação também era  claro o quão ele estava se divertindo, Jeongin era muito divertido.

        — Não faz perguntas difíceis.

        — Mas por quê?

        — Porque sim.

        Logo riram. Jeongin segurou a garrafa de suco e saiu conversando junto de seu mais novo amigo, sorrindo tanto que nem parecia o menino que fugia na semana dos ensaios ou até mesmo das missas, que chorava sozinho nas cabines dos banheiros e que ocasionalmente se escondia de situações em que era muito destacado, principalmente os corais... Como os odiava.

        Odiava ser a base daquilo tudo, odiava ter que disfarçar com o som angelical de seu violino a voz desafinada dos outros adolescentes sem técnica, odiava ainda mais o jeito que não tinha como simplesmente fugir de vez sempre, se lembrou disso ao ver no final do corredor dois rostos familiares, não pôde evitar se esconder atrás de Hyunjin quando viu que dessa vez vinham até si. Eram dois garotos mais altos, mais velhos e principalmente mais encrenqueiros.

        Queria ser invisível naquele momento, mesmo que fosse um sonho muito distante.

        — Tem algo te incomodando? — Hwang foi o primeiro a abrir a boca num sussurro bem baixo já que o mais novo parecia uma estátua, suava frio e gaguejava de monte. — Você 'tá suando.

        — 'Tá tudo bem, só continue andando...

        Não estava tudo bem. Porém, se Jeongin não queria falar, quem era Hyunjin para o confrontar? Andaram corredor a frente e foi impossível não notar que ao ultrapassar os dois jovens a voz de ambos ficou mais baixa, sussurros e risadas foi o que pôde distinguir e um Yang Jeongin cabisbaixo também, nem parecia o mesmo garoto que estava rindo tão feliz há minutos atrás... Teve efeito negativo em Hyunjin também, que permaneceu o caminho em silêncio até se lembrar que tinha algo a entregar para o recém amigo. Fuçou na própria bolsa, logo tirando dali uma bisnaga branca de pomada e uma embalagem do mesmo produto totalmente lacrada, a pomada que havia prometido ao Yang que não mancharia seu rosto bonito com uma cicatriz. Jeongin era tão perfeito que não tinha uma cicatriz de acne sequer, sua pele, mesmo que um pouco ressecada e irritada provavelmente pela lâmina que usava para raspar os poucos pelos que a puberdade fazia crescer, era brilhante e não falhava em deixá-lo atraente aos olhos de Hwang. Encarou seu semblante pálido e sem brilho, entregando o medicamento na mão que não segurava a garrafinha de suco, seus olhos brilhavam por causa da curiosidade.

        — A pomada que eu te falei, na verdade são duas. Essa é anti-inflamatória, passa ela enquanto o machucado não fecha. — Entregou a outra embalagem, dessa vez era totalmente lacrada. — Essa aqui você passa em cima da cicatriz.

        Encarando os dois itens, o mais novo soltou um risinho. — Comprou isso? — Apontou para a pomada lacrada, deixando Hyunjin sem graça de uma maneira incrivelmente cômica.

        — N-não! É que essa estava lacrada lá em casa e eu não quis...

        — Muito obrigado por se importar com algo tão besta como uma cicatriz. Você é tão gentil, de verdade, isso me deixa de coração quentinho. — Cortou o mais alto de falar, sorrindo ao ver sua cara corada de constrangimento. Era fofo. — Eu amarei essa cicatriz mesmo se ela sumir, vai me lembrar desse momento bom.

        Hyunjin corou tanto que não reconheceria seu próprio rosto avermelhado no espelho. Ele sorriu e encarou o chão.

        — Não há de quê.

☪︎ 𝐒𝐈𝐍𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora