II - ÁRIES

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"Você acreditaria se eu dissesse que nunca vou "esquecer" você? Tipo, eu sou uma mulher de áries, não acredito que arianos deixem de amar assim tão facilmente, mesmo que uma de nossas características seja a independência emocional. Pelo menos, não quando acreditamos amar de verdade. Eu não sei como te explicar isso, mas eu (uma ariana), ou nós (arianos), amo os detalhes nas pessoas, e dentre todas elas você e, dentre todos os detalhes, os seus."

P.s.: Nesses últimos dias tenho me sentido sozinha e tenho tentado te esquecer, juro; mas, hoje, comprei um galão com 5 litros de suco de tomate, o mesmo suco ruim que comprávamos quando íamos ao supermercado fazer as compras do mês, e reparei que queria voltar a falar contigo. Eu não estou pronta ainda para te dizer adeus.


A chuva do lado de fora parecia calma, tão calma quanto a água jorrando de uma minúscula nascente. O silêncio era predominante na sala, Minjeong tentava a todo custo tornar sua respiração um elemento a mais e não a merda de um empecilho. Haviam torradas parcialmente queimadas empilhadas num pratinho, na mesinha de centro, ao lado de uma xícara grande - e feia - cheia de café quente. Na televisão passava um filme ruim de investigação criminal com muitas cenas de sexo, em plena cinco horas da tarde de uma sexta-feira.

Minjeong era uma professora recém-efetivada na B.N. High School, lecionava história para as crianças do "ensino fundamental" e após recentes acontecimentos não tão bons assim em sua vida amorosa, voltou a morar com a mãe em Busan. Mas, nesse dia, estava sozinha em casa porque a senhora Kim havia ido visitar a irmã em Gyeongju, e passar o final de semana inteiro as ouvindo fofocar sobre como seu pai parecia cada vez mais barrigudo depois que se casou de novo, e com uma daquelas mulheres que passavam o dia inteiro no salão e tinha unhas tão grandes quanto uma besta-fera, não parecia um bom negócio.

Desligou a televisão e subiu para buscar um de seus exemplares de Murakami, um que tinha prometido para si mesma ler e o deixou esquecido no canto mais escuro de sua pasta, junto com relatórios e aquele maldito bilhete - cujas palavras teimavam em não sumir de sua mente. Assim que encontrou o livro, voltou a descer as escadas e sentou-se no sofá um tanto empoeirado.

As páginas daquele Murakami aparentavam ser bem mais amareladas sob o feixe de luz acinzentado que atravessava a janela sendo filtrado pelas cortinas. Minjeong ajeitou-se no estofado macio que já tinha o formato de seu corpo, tamanha era a quantidade de tempo que passava ali sentada. E após virar a quinta página, a campainha tocou alta e estridente.


- Espere um instante. - Deixou o exemplar sobre a mesinha e caminhou até a porta. Não continha tanto empenho, ou interesse, em suas passadas. Girou a maçaneta com a mesma disposição de um funcionário que cumpre aviso prévio, abrindo aquele pedaço de madeira grossa aos poucos e deixando a brisa fria desesperada passar por aquela fresta.

Do outro lado havia um corpo, inesperado, parado.


- Oi. - Um sussurro quase inaudível.


- O que você tá fazendo aqui? - Devolveu ríspida. Karina era a última pessoa que esperava bater em sua porta nesse dia. As gotas raivosas e gélidas que caíam sobre a morena sob o temporal não parecia tocá-la. Nada parecia tocá-la. - Vá embora.


- Calma. - O cabelo preto e comprido dela estava desarrumado como nunca. Karina não gostava de assanhá-lo, a menos que Minjeong provocasse esse evento e na hora do sexo. Critérios, apenas. Os dedos tremiam devido ao frio. - Eu preciso falar com você.


- Não acho que deveria, não neste momento.


- Vou ser rápida, eu prometo. Apenas me escute. - Disse, os lábios tremendo numa coloração levemente azulada. Minjeong ficou calada por um tempo, esperando, tentando entender o que diabos estava acontecendo ali, sendo que poderia muito bem fechar a porta e nunca mais abrir. Não para Karina.


- Tudo bem. - Deu de ombros. - Mas, fique aí fora.


- Quero pedir desculpas por ter feito tudo o que eu fiz. - Os olhos de Karina fitavam os da loira firmemente. Minjeong não sabia bem se deveria tê-la dado essa oportunidade de falar. - Quero pedir desculpas por um dia ter dito que não gostava do seu cheiro de café com torradas. E pedir desculpas por ter falado mal das suas roupas estranhas de professora de história.


- É isso? - Minjeong quis rir. Karina tinha mesmo passado horas para ir de Seul à Busan somente para dizer isso? Ela também notou que o cadillac ciel, aquele carro absurdamente chamativo e importado, da morena não estava estacionado ali na frente. Karina ofegava bastante. - Desculpas? Isso não faz diferença nenhuma. Não agora. Não quando você tem um casamento pra ir, ou não? Tenha uma boa tarde.

Minjeong começou a fechar a porta, mas foi interrompida de completar o ato.


- Eu também quero pedir desculpas por ser uma idiota. - Karina inclinou-se, tentando ainda encará-la pela minúscula fresta. - Me desculpe. Eu deveria ter sido menos babaca quando te conheci. Deveria ter te beijado mais e te amado mais, queria não ter te julgado tão mal. Eu teria esperado um pouco mais se soubesse que você existia e que estaria sendo efetivada naquela escola.


E isso ficou preso no crânio de Minjeong, fazendo com que ela esquecesse de falar por um minuto. O fato dessas palavras soarem tão sinceras era estranho e até mesmo um pouco doloroso. Karina percebeu que tinha mexido com o lado emocional daquela capricorniana, sentiu-se um tanto aliviada ao ver a expressão no rosto dela desconsertado como a de uma criança que deixou o sorvete cair no chão terroso. A porta voltou a abrir lentamente.


- Não entendo onde você quer chegar com tudo isso, Karina. - Sussurrou. - Eu nem sei o porquê de estar te dando tanta moral sendo que mal te conheço. Só descobri que seu nome de batismo é Katarina através de um convite.


- Não vai mais ter casamento, Minjeong. Não vai porque eu tô aqui com você. - Karina, finalmente, ganhou espaço para entrar dentro da casa. A chuva ficava cada segundo mais forte e ela corria o risco de adquirir um resfriado, ou até mesmo uma pneumonia, se continuasse sob o aguaceiro. - E nesse caso, meu nome coreano é Yu Jimin e o ocidental de batismo é Katarina Yu. Tenho vinte e sete anos. Nasci no dia onze de abril, em Seongnam, na província de Gyeonggi - do. Meus pais são católicos não muito fervorosos e se divorciaram quando eu tinha oito anos e minha irmã doze. O sobrenome Yu vem do meu avô que morreu pelas sequelas da guerra. Eu nunca saí do país. Tenho uma alergia desgraçada à mel e amo uma mulher tão desleixada quanto uma hippie dos anos 70.


- Uau. - Minjeong sorri, e ri ainda mais quando sente os braços molhados daquela morena envolvendo sua cintura e cobrindo os seus lábios quentes, rosados, com os dela frios já muito arroxeados. - Você é mesmo uma mulher incrível, Katarina Yu. - Deixou-se ser beijada uns minutos mais, mas precisou quebrar o momento para sanar sua maior dúvida. - Como você fez pra cancelar o casamento?


- Eu contei pra ele o que estava acontecendo, falei como me sentia incompleta e sem cor naquele relacionamento. E que nós dois sabíamos que não iríamos muito longe, não quando havia traições de ambas as partes.


- E o que ele disse?


- Disse que um dia nos convidaria para um jantar, com sua nova namorada. - Karina sorriu o sorriso mais lindo. - E antes que me pergunte, eu não tenho nem ideia do que acho sobre tudo isso. Eu não sei. E quero que você me ocupe o bastante pra não pensar nisso agora.


- Vamos lá pra cima, vou te dar roupas secas.

Ciúmes e outros casos de amorOnde histórias criam vida. Descubra agora