IV - WHO'S NEXT

233 18 8
                                    



Coisas muito ruins têm acontecido nas últimas semanas...


Moro neste cubículo, num estúdio, afastado do centro da cidade tendo que pagar um aluguel de $2.800,00. Sim, bastante caro para dois quartos, um banheiro e uma mini cozinha, mas nada fora do comum para quem vive em San Francisco, na Califórnia.

Há dois meses, minha família voltou para Busan, ao norte da Coreia do Sul, e - milagrosamente - me deixaram aqui. E tomar conta de mim mesma, em meus vinte e dois anos de idade, tem sido uma experiência interessante, solitária e estressante. Mas, creio eu, que isso se deve à minha rotina de estudar pela manhã e trabalhar durante a tarde num barzinho universitário. Meu expediente - de 14 às 19 horas - nunca foi um problema antes, no entanto, como disse ali em cima: coisas muito ruins têm acontecido nas últimas semanas.

Existe um suposto assassino em série rondando a vizinhança, entrando nas casas durante a noite e cometendo seus crimes brutais. Todos os moradores do quarteirão estão em estado de alerta, em puro pânico, e confesso que estou ficando nervosa com toda essa situação.


O primeiro assassinato foi o de um senhor aposentado que morava ao final da rua. Era um velho viúvo, abandonado pelos filhos, muito rabugento. Passava o dia inteiro sentado em frente ao portão observando as crianças brincarem de futebol e queimada, esperando quase que diabolicamente uma bola ir para seu rumo para furá-la. E ai do pequeno desavisado que corresse até lá, na maior inocência, para pedir que ele a devolvesse. O mínimo que receberia seria um belo puxão de orelha. Era comum ouvir as mães dizerem por aí "Perdoe aquele velho, ele não tem ninguém na vida e não sabe o que faz".

Disseram as más línguas que o encontraram esticado na sala, todo ensanguentado, com o rosto desfigurado e, pasme, sem as orelhas.


A segunda morte aconteceu quase uma semana depois - a vítima sendo a vizinha fofoqueira - que morava bem ao lado do meu amor platônico, Karina Yu, que havia mudado para esta rua pouco antes de um mês dessa onda de crimes iniciar. A senhora, também aposentada e no auge de seus cinquenta anos, aparentemente, observou uma pessoa estranha perambulando rente à casa daquele senhor. Testemunhou que não avistou com clareza, mas afirmou que o desconhecido usava um moletom branco com capuz, era um sujeito alto.

Estou me perguntando o porquê dela ter aberto o bico nessas circunstâncias. Olha só, agora ela está morta. Ouvi dizer que a encontraram sem metade da língua.


Seja lá quem esteja cometendo esses atos grotescos, preciso dizer que o ser tem nos bisbilhotado. Talvez pense estar fazendo um bem para a comunidade, sei lá, orelhas e língua decepadas... não são coincidências. Nisso, preciso contar que a terceira morte foi a de um homem gordo, alto, alcoólatra, que batia na esposa e na enteada frequentemente.

Foi o primeiro assassinato que não aconteceu dentro de casa, mas sim no beco estreito entre a casa da fofoqueira e a do velho rabugento. O corpo foi encontrado bem cedo da manhã, em meio às sacolas de lixo, quando as crianças desciam o alto para irem à escola. Nem preciso dizer que houve muita gritaria, ou preciso? Essa cena, infelizmente, presenciei por estar indo ao ponto de ônibus para ir à faculdade.

Senti certo dó vendo o desespero da esposa do cara, pois, apesar dos pesares, ela devia o amar muito. Explicaria o porquê dela continuar se submetendo aos surtos violentos dele. Até onde tenho conhecimento, é uma mulher com independência financeira e poderia facilmente ir morar distante daqui. Enfim. E por outro lado, entendi a expressão de alívio estampada no rosto da filha dela. Lembro somente disso, porque além de precisar desviar de umas cinco viaturas estacionadas ao longo da rua, não podia me atrasar, um marco importante aconteceu em minha vida minutos depois.

Ciúmes e outros casos de amorOnde histórias criam vida. Descubra agora