Acciughe

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Quando o trem parou sacolejante na estação do vilarejo, Luca sorriu.

Era apenas mais um verão de férias da escola e ele estava voltando para casa, e, como sempre, Alberto estava esperando por ele na estação no mesmo banquinho de madeira, com o mesmo sorriso preguiçoso e recheado de saudades que ele lhe lançava todas as vezes que se reencontravam.

Luca saltou do trem e deixou a mala cair no concreto enquanto pulava nos braços do amigo, que o segurou apertado, rindo alto e o girando no ar.

Luca também estava com saudades.

Porque apesar de escrever para Alberto quase todos os dias e ler suas cartas contando sobre suas aventuras, era muito diferente de quando o tinha por perto. De quando podia olhar nos olhos verdes convencidos ou nadar com ele até as profundezas do oceano em busca de tesouros perdidos para adicionar à coleção que apenas crescia com o tempo.

Então Luca o abraçou forte, o mais forte que conseguia, sendo abraçado de volta na mesma medida.

— Nossa, Giulia, como eu senti saudades de você! Nossa, Alberto, eu também senti saudades! Quanto tempo!

Ele ouviu a voz alta e irônica da garota ruiva soar atrás dele e se soltou do abraço caloroso e com cheiro de mar de Alberto, deixando que os amigos se cumprimentassem.

Então Alberto apanhou a mala de Luca do chão e eles voltaram para a casa de Giulia, onde todos sempre se reuniam quando eles voltavam. Pelo caminho, conversas sobre tudo o que eles haviam aprendido e vivido durante o ano, coisas grandes e importantes demais que não poderiam ser descritas em meras cartas.

Então ele almoçou com seus pais e o pai de Giulia, a gata dela e seus filhotes, e Luca gostava daquela atmosfera. Ele gostava de se sentir em casa. Pois, por mais que gostasse da escola, aquele ali sempre seria seu lar de verdade.

E quando anoiteceu, ele e Alberto foram para a ilha. A ilha onde eles construíram sua amizade junto com as diversas Vespas feitas de tesouros dos humanos encontrados no mar, em dias de um verão que ficou marcado em seus corações para sempre.

Alberto já não morava mais ali. Ele agora tinha uma casinha própria no vilarejo, perto do mar, onde trabalhava em algumas coisas que o pai de Giulia demandava. 

Mas as ruínas da torre na ilha ainda estava sólida e forte, ainda cheia de objetos e memórias e ainda era o refúgio deles.

E eles voltavam para ela todos os anos quando Luca voltava para casa. E se deitavam lado a lado na plataforma de madeira do topo, olhando para as anchovas brilhantes acima deles enquanto Luca contava tudo o que havia para ser contado, porque Alberto simplesmente adorava ouvi-lo tagarelar sobre suas descobertas e seus sonhos que viviam mudando. 

Naquela noite não foi diferente. Exceto, talvez, que havia mais uma coisa que Luca queria mostrar a Alberto. 

Já faziam seis anos que eles se conheciam. Seis anos que Luca sentia a pior dor de sua vida ao ter que dizer adeus para o moreno para poder voltar à escola. Seis anos que aquela dor ficava cada vez pior, o vazio da saudade cada vez maior junto com os sentimentos desconhecidos que ele não sabia nomear.

Giulia apenas sorriu para ele quando tentou conversar com ela sobre isso. Ela parecia saber do que se tratava, mas não contou a ele por nada no mundo. 

Foi mais ou menos nesse dia que ele a flagrou muito próxima de uma menina loira e bonita, com as mãos no rosto dela e os olhos fechados, suas bocas juntas. Ele não entendeu o que elas estavam fazendo, mas de alguma forma soube que era particular demais e ele não deveria estar olhando.

Quando chegou em casa, porém, e viu o sorriso bobo estampado no rosto da amiga, Luca não se conteve de perguntar. 

“É um gesto de carinho, Luca”, Giulia havia respondido, risonha, balançando os cachos ruivos para ele. “Você faz isso para uma pessoa que quer demonstrar um tipo especial de carinho. Uma pessoa que você ama.”

E foi assim que, no telhado do forte na ilha, sob as anchovas e sentindo o calor convidativo do corpo de Alberto chegando até ele mesmo com o vento que soprava ali em cima, Luca se lembrou de quando entendeu que o que sentia por Alberto era aquele carinho especial de que Giulia havia lhe contado.

Então sentiu seu coração se acelerar enquanto pedia para Bruno ficar quieto, em silêncio, por apenas alguns minutos. 

— Calado, Bruno — sussurrou, e aquilo chamou a atenção dos olhos verdes para si.

— Bruno? — Alberto perguntou confuso, a voz mais grave e profunda do que quando se conheceram fazendo coisas engraçadas com sua pele. — Por que você está mandando o Bruno calar a b...

E os lábios de Luca estavam nos dele, fazendo-o engolir de volta o resto da frase e qualquer outra coisa que ele pudesse pensar em dizer. Mas a verdade era que Alberto nem ao menos estava pensando em alguma coisa naquele momento. 

Todos os seus sentidos apenas registravam a maciez morna dos lábios trêmulos e tímidos de Luca contra os seus, fazendo seu coração pular e seu estômago se retorcer até formar um dos milhares de nós de pescaria que ele havia aprendido, toda a pele do seu corpo arrepiada.

No segundo seguinte, Luca se afastou. E o olhou inseguro, mesmo que já tivesse mandado Bruno ficar quieto.

Com a falta de reação de Alberto, ele se desesperou. 

— D-Desculpa! Eu só... E-Eu... Giulia me disse que os humanos fazem isso para demonstrar um carinho especial que eles sentem por outra pessoa e eu não sabia se você iria gostar ou não mas eu só...

A cada palavra sua voz ficava mais baixa, até que ele estivesse apenas sussurrando. No entanto, ele parou de falar quando Alberto sorriu. 

Não era um daqueles sorrisos preguiçosos e convencidos que eram sua marca característica. Não era nem ao menos o sorriso que se desenhou em seu rosto quando conseguiram sua Vespa depois de vencer a corrida.

Não. O sorriso de Alberto naquele momento era novo e tão absurdamente feliz que Luca ficou confuso e surpreso, admirando o rosto moreno iluminado pelas anchovas e o grande peixe e pelos olhos verdes que cintilavam como jóias.

Então Alberto pousou ambas as mãos em suas bochechas e se aproximou até que seus lábios estivessem juntos outra vez. 

Desajeitados, tímidos, exploradores. Mas confiantes e carregados de sentimentos.

E perfeitos.

Sob as Anchovas - Alberto x LucaWhere stories live. Discover now