01. Garota da chuva

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Os pingos suaves de chuva caem sobre mim conforme giro a chave na fechadura e abro a porta amadeirada, entrando em casa em passos rápidos e úmidos. O cheiro de fumo e droga entremeado me recebe como o mais nojento perfume, perfurando meus pulmões assim que sacudo os cabelos para esvaecer a água nos fios e tiro o tênis preto surrado, trocando-o por um par de sandálias esfarrapadas, mas limpas.

Fecho os olhos, sabendo o que me espera.

— Cheguei, mãe — anuncio, a voz arrastada. Tiro meus pertences do bolso da jaqueta escura e os coloco sobre a cômoda pequena na coluna que divide a sala do pequeno hall revestido por tinta verde-oliva gasta. — Onde você está?

Ouço um grunhido baixo ressoar em resposta, então suspiro e viro a coluna; lá está ela. Mamãe está deitada sobre o tapete amarelo-mostarda da nossa pequena sala que, na verdade, é o nosso quarto e está praticamente no mesmo cômodo da cozinha — que só há um fogão, uma geladeira e um microondas. Eu a observo, notando o cigarro entre seus dedos finos enquanto ela está de olhos fechados com um sorriso bambo nos lábios, o vaso com as drogas ao seu lado sobre o chão.

Há furos novos em seu braço também. Penso que ela pode ter desmaiado, porém vejo seu peito subindo e descendo. Viva.

— Mais um dia — murmuro, fechando os olhos em pesar. Ando até a geladeira para verificar se há algo, mas, como sempre, não há nada além de bebidas alcoólicas quase vazias.

Solto um suspiro profundo, desviando o olhar para a cômoda branca no canto a fim de verificar se meu uniforme está ali limpo. Ele está lá, dobrado — ela deve ter lavado quando ainda estava sóbria e, no fundo do meu coração, algo se aquece diante o ínfimo gesto. Dou meia volta, calço meu par de tênis lamacento novamente e pego meu gorro no cabide do hall, então seguro a chave e saio de casa.

O petricor da tempestade me envolve no mesmo instante. A loja de conveniência é a uma quadra daqui, então não preciso de um guarda-chuva porque talvez eu não fique tão molhada e, em breve, volto. Olho para a rua vazia, as casas trancadas e as lojas também, então tranco a porta de casa só por precaução.

Argh — solto um grunhido, guardando a chave no bolso e correndo pela rua deserta. Já são onze horas da noite e ninguém está passeando em um bairro tão pobre como este, exceto por mim, já que preciso comer e comprar um lanche para minha aula amanhã.

Volta às aulas, na verdade.

Durante todo o verão enquanto trabalhei na biblioteca da cidade e ganhava uma grana, tentei não pensar nas aulas. Naquela escola. Por mais que eu recebesse visita de Lina quando trabalhava e gostasse de conversar com minha única amiga que fiz naquela escola, eu odiava pensar em voltar para lá. Para conviver novamente com aquelas pessoas, tentando me encaixar em um mundo onde jamais poderei fazer parte.

Não é como se eu não fosse grata pela bolsa de estudos que ganhei para entrar nessa escola de elite, mas eram as pessoas. Alunos. Professores. A escola era da elite. Dos ricos da cidade. Era composta por alunos que eram filhos de políticos, médicos, advogados e até mesmo filhos de milionários envolvidos na máfia coreana. A Syeo High School era dos poderosos, e eu não era um deles.

Eu não sou nada ali, além da filha de uma viciada e que não tem pai. Tiro notas boas, sou proativa durante os trabalhos e com a limpeza da sala após o término da aula, mas isso não me encaixa entre eles porque, não importa o quanto eu me esforce, ainda sou a garota que precisa trabalhar para pagar as dívidas da família com o nome sujo.

Hwang. Hwang, Hwang, Hwang.

Meu sobrenome é uma maldição.

Decido deixar de lado o pensamento assim que chego à loja de conveniência vazia ou quase vazia. No estacionamento, há uma única moto que chama a minha atenção e me aproximo, analisando o veículo elegante muito incomum por essas áreas e o capacete cinzento sobre ela.

A Moeda de Troca || Jeon JungkookOnde histórias criam vida. Descubra agora