3. Presa

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— Você é louca.

Mamãe solta uma risada seca, revirando os olhos vermelhos e afastando-se de mim como se não houvesse nada a acrescentar. Não há um rastro de culpa em seu rosto. O kimbap cai de minhas mãos, espalhando sobre o chão e sujando tudo, inclusive meu uniforme que lavei ontem. Mas, de alguma forma, isso não importa porque fui trocada. Como um objeto, como se fosse uma maldita moeda para quitar o pagamento de dívidas.

Posso sentir meu corpo paralisar, tenso diante a notícia que acabei de receber. Meu cérebro também está mais lento, pensamentos embaralhados em conjunto à tontura que me invade e turva a minha visão.

Dei a eles você. Exclusivamente você.

— Diga que você está brincando comigo, mãe — balbucio, escutando como minha própria voz soa estúpida. Meus olhos ardem. — Isso é uma brincadeira. Você não fez isso, não é capaz...

Sua risada áspera não me deixa completar a fala.

— Ah, garotinha ingênua! — exclama ela, dando um sorriso friamente irreconhecível para mim. — Claro que fiz. Você não é nada. Em breve eles estarão aqui para pegar você e então serão sua nova família, ou, devo dizer, seu cativeiro.

Fico pálida.

— O que...

Garotinha ingênua. Você não é nada.

Nada, nada, nada, a voz cicia em minha mente.

Não sei exatamente o porquê, se é por mágoa ou medo ou brutal desespero, mas eu me quebro. Quebro e estilhaço. Lágrimas começam a jorrar de meus olhos uma atrás da outra, deslizando por minhas bochechas como as gotas da tempestade que derrama lá fora, e minhas mãos estão tremendo tanto que meus ossos sacodem em um ruído audível. O ar é pouco, insuficiente para meus pulmões.

Garotinha ingênua. Era como minha mãe chamava-me quando eu era mais nova. Em algumas vezes, ele era carinhoso, em outras... nem tanto. E hoje, definitivamente não é porque esse maldito apelido é tudo o que sou agora.

Não passo da porra de uma garotinha ingênua, a pobre garotinha que sempre esteve sozinha.

Sou estupidamente ingênua. Por um tempo, acreditei que nossa vida mudaria. Acreditei mesmo que mamãe largaria as drogas e voltaria à oficina para sustentar a filha, que eu seria capaz de ser o suficiente para que minha mãe vivesse e esquecesse do luto por papai, mas não sou. Nunca fui; e talvez nada seja o bastante para ela.

Sua filha não é nada além do pagamento de sua dívida. O que mais seria suficiente?

— Suas coisas já estão arrumadas em uma mala — minha mãe continua dizendo, com um sorriso maldito na boca. Sem remorso ou arrependimento. — Eles...

— Você não é nada além de uma viciada, Yuna — esbravejo, cerrando as pálpebras em sua direção ao perceber que, talvez, aquele fosse o momento perfeito para explodir.

O momento de ter a devida coragem e senso de dizer seu nome e não "mãe". Um dia, ela já fora minha mãe e me carregara em seus braços. Mas, não somos uma família. Deixamos de ser há anos, e no entanto, minha ingenuidade me cegava. Se essa é a última vez que vou vê-la, então decido esconder o medo e dizer tudo o que esteve guardado por anos desde a morte de meu pai.

Eu não aceitaria meu destino como a droga de um pagamento. Eu fugiria, me mataria antes, e talvez não fosse mais estar viva amanhã, mas não importava. Cacete, seria melhor morrer do que viver presa nos braços de mafiosos que minha mãe devia.

— A porra de uma louca viciada — cuspo, soando tão ríspida quanto consigo. E acho que funciona porque eu a vejo ficar atônita, chocada com minhas palavras duras e ofensivas. Talvez seja a primeira vez em anos em que posso finalmente ser franca. — Sem as drogas, você não é nada. Nada. É isso o que sustenta quem você é agora, é tudo aquilo que faz sua vida existir, e eu estava ao seu lado apesar disso tudo. Apesar de não ter uma mãe para me amar. Apesar de que, estar ao seu lado significa sofrer junto com você. Estive ao seu lado mesmo quando ninguém estava ao meu lado e ainda assim...permaneci.

A Moeda de Troca || Jeon JungkookWhere stories live. Discover now