Apatia.

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20:23, 13 de setembro de 1996.

Para Ramiro, às sextas-feiras eram regadas por aulas intermináveis e cansativas, alunos incompetentes que sequer conseguiam tocar a sonata mais simples de Chopin no piano e como uma cereja colocada no topo de um vulcão, terminavam-se com o mesmo sendo obrigado a dar entediantes palestras para estudantes desinteressados.

Os dias, no geral, eram cansativos e tediosos. O trabalho estava o atolando e mal sabia mais o que era tempo livre. Há muito tempo não saía de casa para aliviar a exaustão, sua rotina era um eterno ciclo entre o Conservatório Municipal de Música, onde trabalha, e sua própria casa.

E, verdade seja dita, para si, ser um adulto de 37 anos em 96 e não ter com quem sair, muito menos para onde ir, numa sexta à noite, era um tanto quanto deprimente. Mas, pft, não é como se isso realmente importasse.

Naquele dia, o frio era intenso, seu casaco era de couro quente e robusto, e, ainda sim, a brisa gélida o tirava calafrios, enquanto esperava pelo transporte público no ponto em frente ao conservatório.

Em dias comuns, teria ido embora com sua querida brasília vermelha, mas para seu terrível azar, naquele mesmo dia de manhã, ao tentar sair de casa, o automóvel começara a dar alguns problemas no encanamento, o que lhe fez perder bons minutos da primeira aula e obviamente, toda a sua paciência.

De repente, o tirando de mais um de seus longos devaneios, uma certa melodia forte invade seus ouvidos: seu som era abafado e fora aumentando o volume à medida que se aproximava daquela rua, logo, uma luz forte e amarela vem de encontro ao seu rosto e um forte chiado de um freio brecando perfura seus tímpanos.

Um rapaz sai de um Fusca azul esbaforido e fecha a porta do automóvel numa certa força desnecessária para sua altura. Ele parecia furioso, gritando e gesticulando rispidamente para o que parecia ser o motorista do carro.

E, meu Deus, ele era tão baixo. O professor não queria focar nisso, mas era impossível.

Sua mente estava, com toda certeza, tentando lhe fazer delirar ao achar no mínimo adorável aquele pingo de gente com aquela marra que mal cabia em si, mas esquivou-se de quaisquer pensamentos, ao que o garoto interrompe a discussão e leva os olhos à sua direção.

Seu olhar era afiado, emanava raiva e se assemelhava à uma onça que acabara de encontrar a sua presa dando sopa.

Ramiro mal tinha notado que estava encarando o menor há tanto tempo e quis se enfiar dentro de seu casaco ao ser percebido, como um gatinho assustado fugindo de possíveis predadores.

A onça o encarou por breves segundos, que para o pianista, pareceram torturantes horas. Contudo, sua atenção logo voltara à pessoa misteriosa dentro do carro, que num piscar de olhos, acelerou o freio, engatando a marcha para fora dali como um (a) louco (a), deixando o baixinho para trás com toda a nuvem de fumaça que o Fusca soltara na rua.

- Vai se foder, seu merda! - o rapaz grita na direção do automóvel que já se foi, levantando o dedo do meio. Sua voz estava embargada.

Com a saída do carro, Ramiro pode visualizar melhor a imagem do garoto. Ele usava uma mini-saia jeans e uma meia-calça preta transparente, coturnos pretos, uma blusa colada e brilhosa, também transparente e um casaco faux fur branco que o cobria até os joelhos, mas não parecia ser efetivo em lhe acobertar do frio intenso.

Seus fios de cabelo eram claros, puxados para um tom alaranjado, que se encaracolavam nas pontas, formando perfeitas ondulações que se esvoaçavam pela brisa.

Ele é tão descolado e... Chocante! Era maluquice alguém ser tão lindo como ele.

Na verdade, é quase como um crime! Alguém o prenda imediatamente!

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Opia, 1996. | KELMIROWhere stories live. Discover now