Prólogo

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Cidade 1 = Os restos do que já foi considerado uma cidade

O som dos pássaros era tudo que Billie queria ouvir, mas ao invés disso estava escutando o magistrado falando mais uma vez do quanto estava se esforçando para tirar o povo da miséria. Sim, ela achava bonita a tentativa de ele querer uma civilização pacífica já que nos últimos meses tudo que se via pelas ruas eram crianças morrendo de fome e ninguém fazendo nada.

A garota maltrapilha à sua frente era mais uma prova do descuido do Estado. Mas Billie não acreditava em palavras bonitas quando as atitudes não condiziam com elas. E sabia bem que alguém com o poder do magistrado nas mãos não faria nada, eles nunca faziam.

O barulho dentro da barriga da garota denunciava que ela fazia parte da grande massa faminta. Não havia muito em que se apegar.

-Não os encare por muito tempo, Billie! - A voz de seu tio a tirou dos pensamentos.

O homem de cabelos grisalhos e feição irritada encarava a sobrinha que havia criado sem esmero e nem cuidados, ele a tolerava pelo sangue. Afinal, não se pode ir contra o sangue.

-Não deveria ter saído de casa hoje, temos planos. Não os estrague com sua estúpida mania de se meter.

-Só queria ouvir o que ele tinha a dizer – a garota sussurrou.

Seu tio a empurrou para trás deixando claro que queria distância.

E na maioria das vezes Billie não se metia em nada, mas viveu sob o teto do tio bêbado que só falava mal do governo e nunca saía para trabalhar, ela sabia o que os vizinhos falavam dele. Quando tomou a primeira surra percebeu que estavam provavelmente certos. Ele era costumeiramente violento, mas Billie aprendeu a sair do caminho do tio e tentar sobreviver no meio do caos.

-Billie! - o garoto de cabelos castanhos escuros como os dela se aproximou com dois pedaços de pão.

-Como conseguiu isso? - perguntou animada levando um pedaço até a boca semi cortada pelo frio.

-O senhor da vendinha me deu, falei que lavaria as louças por duas semanas.

-Você sabe que não foi inteligente da sua parte, não sabe? Duas semanas é muito tempo e isso aqui não paga quase nada – respondeu Billie ainda tentando soar convincente.

-Não importa, daremos um jeito. - Diferente do pai o garoto havia aprendido a se virar, mesmo que sem muito pra dar em troca. - Temos que sair daqui. Parece que vai ter uma rebelião.

-Do que está falando?

-De algo que ouvi mais cedo pelos becos. Algo sobre uma rebelião. Vou ficar mais perto do palanque pra ver se encontro algum sinal estranho.

Billie assentiu sem animação nenhuma.

-Vou voltar pra casa, antes que ele vá...

O garoto magricelo a encarou triste.

-Qualquer coisa eu seguro e você se esconde – piscou para a prima entrando no meio da multidão que assim como ela ouvia atentos.

Baboseira, Billie queria dizer. Era tudo uma grande baboseira. Saindo de perto da multidão, a garota de cabelos escuros adentrou o beco mais próximo em busca de algo nos lixos, talvez encontrasse. Tinha tanto que Billie gostaria de dizer e ficar ali vendo o magistrado usar do microfone pra mais uma vez dizer mentiras para o povo a enojava, simples assim. Quem ouviria o que uma garota órfã teria pra dizer? Ela sabia que ninguém ali se esforçava pra gostar dela, não o quanto ela fazia pra conviver com aquela realidade.
Seria melhor ter feito como a vizinha da frente, a jovem Tammy que se jogou da ponte no ano passado ceifando sua vida e livrando sua família de mais uma boca pra alimentar. No entanto, ninguém sabia dos becos sujos da famosa cidade 1. Desde a última rebelião cinquenta anos atrás mais ou menos seu país havia sido dividido.
Billie ouviu a história mil vezes pelas mesas do bar em que trabalhava. Ela já compreendera que no fim, os ricos sempre venceram. E por isso, mais uma vez tinha raiva. Da sociedade injusta, da fome, da falta de saneamento básico da cidade, do resto de família que tinha e claro: do Magistrado.

De repente uma explosão tirou a garota dos pensamentos, mas antes que ela pudesse entender seu corpo pendeu pra frente fazendo com que colidisse com o chão. Demorou o que pareceu uma eternidade pra ela levantar, Billie sentia a cabeça girar e ao tocar o rosto sentiu um calor.

-Sangue... - viu as mãos molhadas de sangue.

-Não dá tempo, vem? - um garoto loiro a puxou pelo braço.

Antes de pensar Billie já estava correndo com ele para o que parecia ser a saída da Cidade 1. Ela já o havia visto antes, quase conseguia se lembrar. Ele se parecia muito com o...Filho do magistrado. Billie levou um susto se afastando dele.

-Não dá tempo pra se afastar garota! Foi um atentado, precisamos correr! - o garoto vociferou voltando a puxar Billie.

A adrenalina, o ar saindo dos pulmões e a força dos dedos agora entrelaçados com os dele, ela não sabia o que era ao certo, tudo que sabia era que não parecia estar correndo com um estranho. Pela primeira vez Billie não quis fugir e sim continuar seguindo para o nada, para qualquer lugar longe dali. Longe de tudo. Era quase como uma resposta pra seus pensamentos, e foi assim que ela imaginou que teria acontecido se não tivesse apagado logo em seguida.

FRAGMENTADOSWhere stories live. Discover now