• Frágil

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    Era um sonho, mas também era uma memória. E mesmo que agora fosse apenas um rastro de ilusão, parecia tão real quanto no momento em que havia acontecido de verdade, muitos meses antes. O cheiro das madressilvas, a sensação das asas  encostando na grama suave como seda nova. O vestido que Floreen usava naquela noite era cor de pêssego, as alças caiam sobre seus ombros junto a pele verde e cintilante, seus cabelos de cachos perfeitos estavam amarrados com uma fita vermelha. Ela tinha um ar saudável nos olhos e parecia tão feliz quanto qualquer Fada das Flores gostava de ser. Estava deitada na beirada de um penhasco, em uma das montanhas das florestas Lazil,os pés sacudiam extasiados arrancando um pouco do capim.

        Ela levantou uma das mãos e apontou para o céu, onde o mar de estrelas carimbava a eternidade. Seus olhos estavam presos em uma estrela que nunca havia notado antes, pequena e aparentemente medíocre perto das outras, mas ao mesmo tempo muito única. A estrela se destacava pela cor vermelha, e depois de tê-la visto, Floreen não conseguia desviar os olhos, quanto mais olhava, mais ardente e fascinante  a estrela se tornava.

— Ayan, que estrela é aquela? — Perguntou, sorrindo e apontando para a descoberta que acabara de realizar.
   Floreen ouviu o som de um papel grosso sendo rabiscado não muito longe de onde estava.

— Eu já lhe disse para parar de apontar para as estrelas, se fizer isso, vai nascer uma verruga enorme no seu dedo. Além disso, se eu fosse uma estrela, odiaria que ficassem apontando para mim. — Uma voz masculina respondeu um tanto quanto desinteressada, o tom era aveludado, de uma forma sobrenatural que não pertencia às Fadas. Na verdade, não pertencia a nenhuma criatura que habitava aquele lugar.

   A testa de Floreen se enrugou, enquanto ela abaixava a mão, um tanto  chateada pela falta de atenção, estava muito parecida com as crianças pequenas quando são repreendidas.

— Mas, se eu não apontar, como vai saber de qual estrela eu estou falando? Você mal está  olhando.

   Mais uma vez, Floreen ouviu o som dedicado  do lápis contornando a folha, sua companhia não parecia ter pressa de parar o que estava fazendo. Longas mechas loiras balançavam com o vento, a noite fria não parecia incomodar nenhum dos dois.

— É Ryu. — Ele respondeu, sem se preocupar em tirar os olhos do papel. — Esse é o nome da estrela que você está vendo. Aqui, ela não é nada mais do que uma gota ínfima de sangue na imensidão azul, mas de onde eu venho, seu tamanho se compara a própria lua.

  Floreen olhou para ele, e depois para a estrela novamente, totalmente descrente do que acabara de ouvir.

— É mentira. Você nem sabe qual estrela é. Está me fazendo de boba. — Ela entrelaçou os braços, deixando que o aborrecimento tomasse conta de si.

   Dessa vez, Floreen se viu encarada por um par de olhos, tão frios quanto a própria morte. Era como se houvessem saído de um pesadelo muito antigo, mesmo no escuro da noite, Floreen sentiu sua pele queimar e a garganta ficar seca, seus ombros se encolheram momentaneamente. Teve a sensação de que toda a sua alma seria sugada se não se afastasse daqueles olhos, se não fugisse para bem longe, todavia, continuou exatamente onde estava. Era como se aquela emoção houvesse se tornado tão comum, que não valia a pena o desespero.

— Não estou mentindo para você. — Ele disse, tão sério quanto se estivesse fazendo um juramento em um tribunal. Em seguida, os olhos audazes seguiram a linha do horizonte até pararem na mesma estrela ao qual Floreen havia apontado. — Ryu é uma estrela sagrada. Meu povo acredita que ela impede que a luz do sol nos queime.

     Floreen puxou uma longa lufada de ar, tentando se recompor. Qualquer emoção que estava sentindo foi substituída pela surpresa e pelo deslumbramento. De repente, a estrela glamourosa como uma pedra de rubi recém lapidada, pareceu ainda mais incrível do que todos os ramos de flores que ela já havia feito e visto na vida.

Nem sempre uma fada.Where stories live. Discover now