Capítulo 1

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O som da roçadeira soou estridente vindo do quintal. Revirei os olhos, sentindo-me cansada. Havia deitado tarde da noite, pois tinha ido a uma festa. Minhas amigas e eu tínhamos uma banda e eu era a vocalista. Foi quando as marteladas começaram que decidi levantar-me. Apoiei-me na cama com as mãos, joguei as pernas para o lado de fora e sentei-me, ainda sem muita coragem de continuar. Dali, eu podia observar minha mãe pela fresta da minha janela que estava aberta. Seu hobby era o orquidário. Ela passava fungicida nas plantas doentes, adubos de manutenção e floração, retirava as lagartas que insistiam em se alimentar delas, replantava as que precisavam de vasos maiores e cheirava as flores, sentindo os aromas. Às vezes, trazia algum vaso florido para inundar a casa com sua alegria e perfume.

Meus olhos se desviavam para algo tenebroso; meu reflexo no vidro. Levantei-me e parei em frente ao espelho, observei mais atentamente e assustei-me com a situação vista; olhos negros extremamente cansados, olheiras profundas de quem havia bebido mais do que devia e dormido muito pouco.

— Eu estou horrível! — exclamei, de ressaca.

Saí do quarto, seguindo o aroma de café, e desci as escadas de madeira que davam acesso à parte inferior da casa.

— Bom dia, bela adormecida! — Minha mãe me assustou ao entrar pela porta dos fundos, falando mais alto do que minha cabeça era capaz de aguentar.

— Não grita — pedi, os olhos fechados por causa da dor.

— Desculpe, mas se você não tivesse chegado tão tarde e enchido a cara, eu não precisaria estar sussurrando agora — cochichou, fazendo careta.

— Desculpe — pedi sinceramente. Beber era divertido na hora, mas no dia seguinte era detestável.

Voltei para meu quarto com uma xícara em mãos. Mas minha mãe não me daria sossego; logo a roçadeira voltou a roncar. Vendo que ela estava empolgada com a arrumação do quintal e que não pararia tão cedo, desisti de tentar dormir novamente e fui tomar um banho para tirar a moleza do corpo.

***

Lá fora, o sol brilhava intensamente. Percebi que era bem mais tarde do que eu havia pensado, pois o cheiro de comida começava a invadir a casa.

— Bom dia, Maria. — Aproximei-me do fogão para olhar as panelas. — O que temos para o almoço?

Maria era uma mulher encorpada, que tinha mãos de fada para a comida da mesma forma que minha mãe tinha para as plantas. Tudo o que minha mãe plantava, nascia e brotava lindamente, tudo o que Maria colocava na panela ficava uma delícia.

— Frango ao molho com batatas — respondeu sorrindo, satisfeita.

— Maravilha! — exclamei. — Vou chamar minha mãe.

Deixei a cozinha e segui em direção ao quintal. Já imaginava que ela fosse passar o dia ali, em meio às orquídeas e ervas.

— Mãe — gritei da porta —, venha almoçar!

— Tayara! — Ouvi sua resposta de algum lugar. — Venha aqui me ajudar um instante.

Nossa casa ficava em um sítio que foi deixado de herança por meu pai. Ele faleceu antes mesmo de minha mãe saber que estava grávida. E, depois dele, ela nunca mais se casou. Surgiram alguns namorados, dois para ser exata, mas ela nunca os trouxe em nosso lar. E dizia que nossa casa era nosso santuário e que homem nenhum devia pisar ali, mas o que ela queria dizer era que não se casaria com outro homem, já que nossos amigos podiam ir em casa normalmente. Para mim, esse pensamento era uma forma de se proteger, já que Maria havia comentado algumas vezes que minha mãe tinha sofrido muito com o falecimento do meu pai.

As Faces da LuzWhere stories live. Discover now