Décimo Sexto Capítulo

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Anos atrás
    “Dói admitir, mas foi uma mentira que eu acreditei que destruiu nosso amor”

      Tudo começou bem, e terminou tragicamente como autor nenhum conseguiria resumir em detalhes.

— Sai! — A voz de Jade soou grogue, ofegante de alguém que usa suas últimas forças em uma ação de desespero para salvação.

      Mas não foi seu empurrão que tirou o desconhecido de cima de si, contudo Nikolas que puxou o outro para fora do quarto deixando Jade só, chorando, desesperada em meio ao um surto. A parede aparou suas costas e lentamente deixou seu corpo cair até o chão, abraçando seus joelhos.
       Sem perceber Giogian e Charlie saíram com o amigo tentando inutilmente acalma-lo e deixando Jade sozinha, sem aparo. Charlie viu uma amiga no corredor da sua casa e gritou para ela ficar com Jade enquanto algum deles volta-se para lhe fazer companhia.

        A cada instante o barulho da festa que a absorveu na chegada a animou e a trouxe para uma atmosfera nova, foi sendo deixando para trás como a força em seu corpo. Aquela alegria que há minutos tinha, foi subtraída por um medo conhecido, um pavor sem limites e uma dor insuportável, física e mentalmente.
      Jade se esforçava para saber como chegou aquele quarto, as memórias tornaram-se um borrão, flashbacks confusos; festa de boas-vindas a faculdade, todos a olhando curiosos, danças e olhares apaixonados com Nikolas, zoação de seus amigos e um beijo roubado no jardim da casa, tudo estava perfeito, no entanto, alguém chamou Nikolas e ele sumiu e minutos depois veio um garoto que via sempre com ele a dizendo que ele a esperava em um dos quartos do segundo andar. Confiante e empolgada com a expectativa da então surpresa que Nikolas falava há dias se realizar, Jade o seguiu sem medo, mas em alguma parte do trajeto sua consciência sofreu apagões e suas forças a ruir, começou a ficar tonta, tropeçar nos pés, sendo levada agora a força quando decidiu que não queria mais ir com ele. Onde estavam não tinha tantas pessoas e as que tinha estavam alteradas e confusas pelo álcool, não dando atenção ou ligando para o que acontecia, e assim Jade chegou ao quarto ao qual estava, sendo imprensada na parede e beijada a força, ao mesmo tempo que Nikolas chegou e ficou horrorizado para depois furioso com o que via.
     Ninguém tocava em sua garota contra sua vontade, e sairia sem danos.

      Jade mais uma vez tentou se levantar, todavia tonteou e foi ao chão e decidiu que não tentaria pelos próximos minutos, aguardando Nikolas voltar para ajuda-la.
     
    Tudo se desenhava para um fim mais trágico, que foi moldando a ressurgimento dos traumas enterrados de Jade, que afundou-se aos poucos em suas memórias tristes. Lágrimas banhavam seu rosto, sua voz sumiu, tornou-se muda e paralisada com o clique de abertura da porta e o trancamento da mesma ao passar por ela.

     Vidas mudaram em minutos, um passado esquecido retornou, uma vingança fragmentada se colou novamente e um amor juvenil se perdeu para o ódio. Uma noite de amor, transformou-se em uma tragédia, e um rancor se criou para o desespero da Terceira Aliança, que viu como fênix seu carrasco renascer das cinzas, com mais cicatrizes do que nunca.

•◇•◇•◇•

       Era mais dolorido, devastador, insuportável. Dói como uma ferida profunda, sem cura.
     Dessa vez não teria um salvador, um ombro, uma luz no fim do túnel, só trevas, sangue e lágrimas. A última Mazarratti admitia sem vergonha que não tinha forças para se reerguer novamente e no futuro sofrer tudo de novo e cair, acabou aquele seria o fim para seu ciclo de dor.
       Sentia culpa pela sua covardia, por ter falhado com seu pai o prometendo que seguiria em frente com seu plano, quando antes mesmo tinha abdicado de metade dele por amor a Nikolas, não poderia destruir toda a Terceira Aliança quando o garoto que ama faz parte dela. Todavia agora, falha bem mais quando abdica de viver, de buscar ser feliz, de amar. Bons sentimentos não valeram de nada, antes tivesse continuando com o rancor em seu peito.

       O amor salva tudo e tudo cura foi uma tolice que ouviu por anos e não servia de nada na vida que tinha, onde a ganância sobressaia qualquer coisa. Se continua-se como vivia teria períodos de paz e outros de dor, que aumentariam mais a cada vez que começassem.
        A faca em mãos tremia, não havia precisão em como segurava a, mas ela não caiu nem tremulou mais quando outro alguém entrou no cômodo e fechou a porta, sentou do seu lado com as costas apoiadas na parede.

— Jade Mazarratti não e mesmo? — Perguntou com neutralidade, olhos fechados enquanto tragava o cigarro nos lábios. — Estou surpreso por ficar tão próximo da alta elite mundial.

    Receberia o silêncio de Jade se não fosse o barulho do seu choro baixo.

— Meu pai e advogado, ele quer que eu siga seus passos... — Faz uma careta que Jade não ver antes de prosseguir. — Mas não acho que tenho jeito com a coisa, mas assim... Se você antes de morrer passar toda sua fortuna pra mim, minha vida estaria resolvida. 

— Você preferiria morrer que fazer parte desse inferno que e a Terceira Aliança. — Sua voz voltou, rouca, dolorida. — Eles tem destroem por poder, levam tudo que você ama, acabam com sua família, com sua vida...

— E se matar e a melhor solução?

      Ele então a olhou e preferiu não ter feito. Foi um baque encontrar um olhar vazio sem vida, sofrimento exposto sem barreira, um pedido claro de socorro.
       Suas hipóteses de um blefe de uma menina rica em crise caiu por terra. Não era uma forma de chamar atenção, de atrair a mídia como achou quando abriu o quarto aleatoriamente atrás do seu amigo e a viu com uma faca rente a garganta, com um risco de sangue manchando sua roupa branca.

— Estou sobrevivendo, deixei de me senti viva há tempos. — Seu lábio inferior treme, o corte pequeno manchado de sangue preencher sua língua com o gosto metálico e salgado de suas lágrimas que não param de cair. — O que farei e uma salvação que ninguém entenderia, não por hora.

— Mesmo assim quero sua herança. — Parecia que o álcool evaporou do seu organismo quando adentrou no espaço, nunca se sentiu tão sóbrio. — Sou Kirsten, afinal.

— Por que esta me dizendo seu nome? — Jade o olhar sem realmente o ver.

— Acho que você gostaria de saber o nome da pessoa que vai esta do seu lado nos seus últimos minutos de vida.

— Obrigado por isso.

— Não me agradeça, se fosse me matar ia querer um amigo do lado. — Apaga o cigarro e joga no chão em qualquer lugar. — Mas... se me deixar te ajudar prometo te ajudar como um amigo de verdade faria.

— Não tenho salvação, alguém tentou e foi falho.

— Se eu falhar prometo a você que deixarei você terminar o que começou aqui, em um lugar onde ninguém a atrapalharia. — Se levanta e estende sua mão para a herdeira Mazarratti. — Mas se quiser continuar isso aqui, terá que me matar antes.

      Em uma ação rápida tirou a faca de Jade, e a pós na outra mão que não estendia para ela, deixando que decidisse qual aceitaria e escolha tomaria; sua ajuda ou o fim. 

•◇•◇•◇•◇•

     A roda se formou com uma rapidez assustadora, presentes dentro e fora da casa se reuniram no jardim dos fundos ao redor de Nikolas, Giogian, Charlie e Cris curiosos para saber o motivo da confusão e o desenrolar dela. Era fascinantemente estranho assistir a compostura e calma de um herdeiros cair por terra.
     Seus gestos imprudentes, impensados e selvagens o comparou com um jovem na flor da idade, com uma vida comum não ditada por regras.

      Tomado pela raiva Nikolas jogou Cris no chão pronto para chutar sua barriga, mas seus amigos o puxaram pelo o ombro o imobilizando para não prosseguir.

— Me soltem! — Se balançava tentando se soltar, mas Charlie e Giogian fazem o contrário intensificando o aperto. — Eu vou matar ele, ele tocou nela.

— Ele esta bêbado caralho. — E Giogian quem diz. — Se você começar a bater nele tudo ficará pior.

— Foda-se!

        Nikolas não importava com as consequências, com o que aconteceria depois, tudo que sua mente tomada pela irracionalidade dizia era para acabar com Cris.

— Seu pai te mataria se você for parar na cadeia. — Charlie apela, falando próximo a seu ouvido para só ele ouvir. — E agora a Jade precisa de você calma, não com as mãos sujas de sangue e preso.

      Como mágica Nikolas foi se acalmando aos poucos, parando de tentar se soltar bruscamente, até que percebendo o acontecimento seus amigos o fizeram, receosos, contudo confiante que o truque de usar deu certo.

— Cadê ela?

— No quarto, no segundo piso.

         Franzido o cenho Nikolas encarou com seus amigos com descrença, ficando novamente com raiva por eles a terem deixado só.

— E por que nenhum de vocês ficou ela?

— Viemos evitar que fizesse merda! — Charlie diz. — Mandei Mérida para ficar com ela também, então ela não está só.

      Como se ouvisse seu nome ser pronunciado, Mérida se materializou na frente dos três, meio zonza pelo álcool circulando em sua corrente sanguínea.

— Pelo visto Jade está só. — Nikolas profere estressado, abrindo caminho pelo monte de pessoas, retornando para o interior da casa.  

        Não ficaram meia hora longe, no entanto, quando voltaram para o princípio de tudo encontraram o nada, um cômodo vazio sem vestígio de ninguém. Jade tinha sumido, indo embora em um estado caótico, sem alguém conseguir explicar como.
        E foi o medo que tomou conta de Nikolas diante da realidade, das hipóteses criadas por sua mente.
      Entretanto, sua imaginação foi rasa para imaginar o pior que viria a acontecer. Jade não sumiu, não foi embora, mas se perdeu como na primeira vez que seu pai morreu, e diferente de anos atrás, nada, nem seu amor foi o suficiente para resgata-la.

•◇•◇•◇•◇•

“O  amor e cercado de mistérios, regado por lágrimas de dor, com toques que doem e curam.
O amor é confuso, belo. Com fins tristes e felizes.
O amor é o amor, um sentimento que ninguém vive sem, e quem vive, sinto dizer que sobrevive há tempos quando deixou de amar, deixou de viver”

  Nikolas não dormiu o restante da madrugada desde quando deixou a festa na casa de Charlie procurando por Jade, ligou para sua madrasta, pai, mas ninguém sabia onde ela poderia estar. Seu sumiço iniciou um rebuliço nas famílias, que se reuniram na casa de Victor para planejarem os próximos passos.
      Quando encaminhavam-se para a delegacia para relatar seu sumiço seu padrinho ligou para dizer que ela estava com ele, que depois da confusão da festa mandou busca-la e que Jade estava bem. No entanto, a notícia não acalmou todos.

     Nikolas sabia que nada estava bem, Jade não o ligou, nem atendeu suas ligações pelas próximas horas da manhã, tinha algo de errado. Inquieto, descobriu onde estava e foi atrás dela, contudo nada o preparou para o que aconteceria e seguiria depois desse encontro.
       O filho único de Victor não encontrou os belos olhos azuis e brilhantes que adorava encarar, nem o sorriso caloroso que amava ser o motivo para acontecer, não foi recepcionado com um abraço, muito menos carinho. Jade estava distante como antes, estranha e retraída em uma bolha intransponível, aquela que venceu em sua infância.
       Não entendeu porque seus lindos olhos foram escondidos por lentes castanhas, ou seus fios meio avermelhados cortados acima dos ombros, Jade amava seu cabelo longo e solto, meio encaracolado nas pontas, ela dizia que ele a fazia se sentir livre.
        Todavia, a garota que via não era sua, era uma casca vazia dela, com um olhar vazio e sombrio.

— Jade... — Tentou tocar em sua mão, porém em um impulso ela o tirou do seu alcance e subiu um degrau na escada, deixando claro que não queria contatos. — O que aconteceu? Por que não esperou que eu a leva-se para casa?

        Se referia a seu apartamento, onde estavam nas últimas semanas, curtindo sues momentos sós, longe da expectativa dos outros por um eminente casal.

— Vai embora Nikolas.  — Seu tom foi firme, raivoso. — Não quero ver ninguém.

— Por que? Aconteceu alguma coisa? Eu fiz alguma? — Começa a se desesperar. — Me perdoa por não ter esperado você, por favor.

      Foi inútil, suas palavras carinhosas se diluíram no mar de ódio no coração da Mazarratti. 

— Sabe o que aconteceu Nikolas? — Seus olhos se encheram de lágrimas. — Esse maldito Império destruiu minha vida mais uma vez, marcou minha pele com manchas que não consigo tirar, me levou embora tudo que amava...

       Então aconteceu, Jade fraquejou e seus joelhos dobraram e tocaram o chão, Nikolas correu para ajuda-la, abraçando a confuso por suas palavras, tentando inutilmente acalma-la. Seus braços doíam pelos arranhões que Jade fazia, mas recusava-se a solta-la mesmo com dor.

— Meu amor...

— Me ama Nikolas?

— Claro que te amo Jade.

— Então venha comigo para Itália, por favor. Eu não quero te derrubar junto com eles.

— Não entendo, vai para Itália? Como assim Jade?

         No alto da escada um homem de terno escuro, bem cortado e colado ao corpo assistia a cena do casal dividido entre o ódio e a pena, pelo fim de ambos ser ali, de forma trágica e injusta.

— Vou morar com meu padrinho. — Limpa seus olhos, no entanto, as lágrimas continuam a cair. Suas mãos trêmulas pegam a de Nikolas em um último apelo. — Vem comigo...

      Ela deveria afasta-lo, protege-lo, todavia era egoísta demais para ir sem tentar leva-lo junto. Com seu padrinho poderiam ficar juntos e seguros, em Berna Jade o veria morrer pelas mãos de quem a forçava a fugir.

— Não posso abandonar tudo do nada, temos uma vida aqui, um legado para continuar.

     Um Império para comandar, ele não disse, mas essa era a leitura de sua frase.     

— Não pode deixar a Terceira Aliança. — Se afasta rapidamente de Nikolas. — Vocês são comandados por esse maldito Império, e por ele vão morrer todos.

— Jade! — Seu tom soou repressivo, porém de nada adiantou.

— Acabou Nikolas, tudo. Você tomou sua escolha e eu a minha, você lutando pelo Império e eu pelo seu fim. Agora volte para casa e pergunte a seu pai a promessa que fiz a ele, agora nada me impede de cumpri-la.

       Como naquele dia uma chuva caia sobre Berna, dessa vez mais fraca, melancólica, como prenúncio de um futuro sem sorrisos, com feridas feitas no passado passando os próximos anos abertas, sagrando. Tudo mudaria para uma vida conturbada, sem paz, com um dia sendo esperado o pior dos próximos.

— Nada acabou Jade, você está confusa meu bem. Amanhã você estará mais calma, e rira comigo desse momento hoje.

      Mas Jade não alimentou suas esperanças, deu-lhe as costas e retornou para o quarto que não deveria ter saído, para seguir com seu objetivo mesmo ele destroçando seu coração. Salvou Nikolas, mas não salvou a si mesma.
     
— Anos mais tarde entenderá tudo garoto, quando for um homem de honra, de coragem sem medo de fazer o certo, sem se importar com as consequências. — O desconhecido falou, com uma confiança que abalou Nikolas. — Hoje você vive amarrado nas amarras do Império.

— Quem e você?

— Francesco — Sorrir sem humor. — Vá embora garoto, mas por hora não se esqueça. Ela está com ódio agora, no entanto, te ama. O que faz agora e por ela e por você.

      A esperança de Nikolas que tudo se resolveria nos próximos dias foi diminuindo, até não restar. Jade não voltou atrás em sua decisão, não explicou suas motivações, aumentou sua raiva inexplicável por ele, até finalmente partir na surdina da noite, uma semana depois.
      Sua madrasta tentou impedi-la de ir, mas Giusseppe mostrou um documento que o autorizava a compartilhar a guardar de Jade, além que faltava poucos meses para a maioridade dela, não queriam um escândalo evitável em brigar na justiça por uma interrupção curta de sua independência. Emancipação autorizada por seu pai, ele parecia prever que ela precisaria.

     Durante uma semana Nikolas ligou, e por uma semana foi ignorado até Jade mudar de número e fingi que nunca o conheceu. Então ele desistiu, e deixou-a ir, levando tudo de bom que sentia por ela, deixando só rancor no lugar.
     Não viveria sofrendo por alguém que disse que o odiava quando atendeu uma de suas muitas ligações, que aparentemente vivia feliz enquanto se afundava em mágoa. Se Jade poderia seguir em frente, ele também conseguiria.
Se Jade queria o fim do império, ele conseguiria o manter de pé.
Se Jade conseguia ser feliz sem ele, ele seria feliz sem ela.
Se ela queria que fossem inimigos, eles seriam.

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