O Caçador de Nefilins

01- Post Mortem.

Dimensão dos Céus, intersecção entre o Paraíso e o Purgatório Celeste.

O homem de fios ruivos despertou num pulo assustado. O ambiente em que estava era desconhecido para si, tão iluminado que lhe feria os olhos. Ele estreitou a vista para observar melhor o lugar e se viu em uma sala grande, sem portas ou janelas, e completamente vazia, salvo a cama em que o próprio seguia sentado.

Acreditou primeiramente estar em um quarto de hospital psiquiátrico ou coisa parecida, mas como poderia ter vindo parar ali? Não fazia sentido algum e ele não se recordava de ter visto nada semelhante a aquele lugar. Coçou a nuca confuso e suspirou fundo, apoiando o rosto nas mãos após sentar-se. Imagens frescas de uma guerra bruta e violenta inundaram seus pensamentos, como lembranças de um pesadelo recente. Havia sangue e gritos por todos os lados, havia sangue em si nas lembranças. Espremeu os lábios para afastar o medo e enxugou o suor frio nas têmporas.

Logan ergueu-se da cama com uma dificuldade absurda, seu corpo estava mole e os membros estranhamente pesados. Uma tontura insistente o impedia de caminhar para qualquer lugar em linha reta. Apertou os olhos confuso e cambaleou pelo piso de mármore branco maciço, apoiando-se nas paredes para evitar que seu corpo fosse de encontro ao chão aparentemente gelado. Fitou sem querer os próprios dedos, imundos de sangue seco e lama. Engoliu o pânico que lhe petrificou da pele aos ossos. Por que estava sujo de sangue?

Olhou para si mesmo e notou com pavor que ainda estava com o uniforme do exército francês. Não tinha enlouquecido ou sonhado as lembranças frescas do terror de momentos atrás. Havia sangue por todo lado, pedaços de vegetação e lama, ambos secos e grudados a suas vestes e corpo. Roux tocou seu pescoço em desespero ao lembrar do tiro que o apagou, mas não havia buraco algum em sua pele ou qualquer vestígio de ferida. As memórias lhe trouxeram Dmitry, chorando em pânico enquanto o sacudia. Desesperado, sentiu as lágrimas lhe escorrerem o rosto, inundando seu peito de dúvida e tristeza.

— Acalme-se.

Dedos pequenos o tocaram no ombro com cautela. Logan virou-se num pulo e encarou a mulher, segurando um grito com as mãos nos lábios. Seus incomuns e brilhantes olhos azuis eram inconfundíveis para o homem. Ali estava o mesmo ser que se aproximou após ele ter sido baleado. A mulher ainda o fitava com aquele olhar de pena e ele sentiu-se ainda mais desconfortável. Empurrou a mão de seu ombro e cambaleou um passo para trás, negando entre murmúrios que ela não podia tocá-lo. Não era alguém digno de pena e não queria ter alguém tão estranho e desconhecido o tocando.

O espírito pôs uma mecha de seus fios claros atrás da orelha pequena, se afastando pouco para não o assustar. Logan baixou a cabeça entre as mãos novamente, esfregando a face em desespero, espalhando as lágrimas pesadas pelo rosto sujo. Desconfiava de sua atual condição e teve de se obrigar a engolir o medo de seus pensamentos. Indagou sobre o que sabia do pós vida, mas nada o remetia aquele lugar. Se mediu para tentar controlar o desespero e bufou. Não queria pensar que poderia estar morto naquele momento, mas como explicaria para si mesmo o sumiço de suas feridas mortais? Ele ergueu o rosto e encarou com tristeza a entidade a sua frente. Por fim, Logan suspirou, logo aceitando o toque que a mulher insistia em lhe dar. Não havia ninguém além do ser de olhar piedoso para o ajudar naquele momento, ninguém para o dar respostas.

— Meu nome é Gwendolyn, sou a ceifeira que veio para guiá-lo até o Céu. — A loira começou cautelosa, o afagando no ombro como forma de consolo. — Perdoe-me se o assustei, Logan, eu não tive muito tempo para lhe explicar sobre o que aconteceu com você.

— Gwendolyn... Então, eu realmente estou morto? — Logan suspirou atordoado e a ceifeira confirmou com a cabeça.

Roux apertou o bolo na garganta ao engolir em seco e baixou o olhar para suas mãos sujas. Sentia enjoo e cansaço, a confusão não o deixava assimilar as ideias, mas não havia o que fazer. Teria de aceitar a morte.