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CAPÍTULO NOVE
Mensagens entre Xiao Zhan  e Yibo:
Chegou uma encomenda para você. Assinei o recibo, o pacote está comigo.
. Obrigado. Pego quando voltar. Como você está?
Bem, trabalhando apenas. Como vão os irlandeses?
Com sorte. E o gato doido?
Sem sorte. Estava tentando escalar a parede outro dia. Ainda está atrás da Purina. Sente saudades.
Não acho que os dois estejam destinados a ficar juntos.
Provavelmente não… Mas ele não vai superar isso tão cedo. Talvez eu tenha que aumentar o estoque de erva-de-gato. Quando você volta?
Cuidado para não exagerar na dose. Ninguém gosta de gatos que não conseguem manter uma conversa.
Saudades, é?
Não. Pretendia pendurar umas fotos na parede atrás da minha cabeceira e queria saber quanto tempo tenho.
Volto em duas semanas. Se puder esperar, eu te ajudo quando voltar. É o mínimo que posso fazer.
O mínimo do mínimo. Vou esperar. Você entra com o martelo, eu com os coquetéis.
Curioso sobre o meu martelo?
A caminho do corredor para chutar a sua porta de novo.


Mensagens entre Mimi e Xiao Zhan :
Menino, adivinha? A casa dos avós da Sophia está livre no mês que vem. Vamos para Tahoe, Zhan?
Que delícia! Vai ser o máximo! Estava louco para dar uma escapada com minhas meninas.
Estávamos pensando em convidar os meninos… Tudo bem pra você?
Claro. Vocês quatro vão se divertir muito.
Idiota, você ainda está convidado.
Muitíssimo obrigado! Adoraria passar um fim de semana romântico com dois casais. FANTÁSTICO!
Não seja escroto. É claro que você vai. Você não vai ficar segurando vela. Vai ser demais! Sabia que Ryan toca guitarra? Ele vai levá-la pra gente cantar junto!
O quê? Acampamento? Não, obrigada!

Mensagens entre Mimi e Neil:
Ei, Grandão, o que vai fazer no meio do mês que vem?
Oi, Baixinha. Não fiz planos ainda. O que está rolando?
Os avós da Sophia vão emprestar sua casa em Tahoe. Topa? Fala com o Ryan…
Claro que sim! Pode contar comigo. Vou perguntar pro nerd se ele vai.
Estou tentando convencer  Xiao Zhan  a ir também.
Ótimo. Quanto mais, melhor. O bar de hoje à noite com Sophia e Ryan ainda está de pé?
Claro. A gente se vê lá.

Combinado, pequena.
Mensagens entre Yibo e Neil:
Que porra de leprechaun é essa?
Ah, esquece! Ei, quando você volta? Vamos pra Tahoe mês que vem.
Chego semana que vem. Quem vai?
Sophia e Mimi, eu e Ryan. Talvez
Xiao Zhan . Aquele carinha é bem legal.
Sim, ele é bem legal quando não está empatando nenhuma foda. Tahoe, hein?
É, os avós da Sophia têm uma casa lá.
Bacana.

Mensagens entre Yibo e Xiao Zhan :
Você vai pra Tahoe?
Como é que você já está sabendo disso?
As novidades voam… Neil está bem empolgado.
Ah, deve estar mesmo. Sophia tomando banho de banheira… não é tão difícil imaginar.
Espera aí, eu pensei que ele estivesse saindo com Mimi.
Ele está, mas definitivamente está pensando em Sophia tomando banho de banheira, pode acreditar.
Como assim?
Coisas estranhas acontecem em San Francisco. Todos eles estão namorando a pessoa errada.
O quê?
É chocante. Mimi não para de falar do Ryan, que não para de olhar pra ela como um cachorrinho triste. E Sophia está tão ocupada fantasiando com as gigantescas mãos de Neil, que não percebe que ele a observa o tempo todo.
Por que eles não trocam?
Falou o cara que tem um harém… Não é tão fácil assim.
Espera eu voltar. Vou resolver isso.
Ok, sr. Pau Pra Toda Obra. Antes ou depois de pendurar minhas fotografias?
Não se preocupe, Baby-Doll. Estou chegando no seu quarto. Suspiro.
Você acabou de escrever a palavra suspiro, é isso mesmo?
Suspiro…
Você vai pra Tahoe?
Não, se puder evitar. Se bem que talvez valha a pena, pra ver o caos quando a ficha dos quatro finalmente cair.
Com certeza.

Mensagens entre Sophia e Xiao Zhan :
Que história é essa de que você não vai pra Tahoe?
Afe! Qual é o problema?
Calma, tigrão. Que bicho te mordeu?
Não entendo por que é tão importante que eu acompanhe vocês num fim de semana romântico. Ficarei feliz de ir numa próxima vez. Sair com vocês quatro aqui é uma coisa. Mas em Tahoe? Acho que não.
Não vai ser assim. Prometo.
Já sou obrigado a ouvir Yibo trepando pelas paredes quando ele está em casa. Não preciso ouvir Ryan metendo em você no quarto ao lado, ou Mimi sendo “manuseada”.
Você acha que ele está manuseando Mimi?
O quê?
Neil. Você acha que ele está manuseando Mimi?
Ele está o quê?
Ah, você entendeu…
Você está me perguntando se nossa querida amiga Mimi está fazendo sexo com seu novo boy magia?
Sim! Estou perguntando!
Não. Não houve manuseio ainda. Espere, por que você está perguntando? Você dormiu com o Ryan, certo? Certo????
Preciso ir.

Mensagens entre Sophia e Ryan:
É estranho a gente sempre sair com Mimi e Neil?
O quê?
É estranho? Não sei. É?
É. Hoje à noite, você vem em casa, sozinho, e nós vamos ver um filme.
Sim, senhora.
A propósito, convide seu amigo Yibo para ir a Tahoe.
Alguma razão especial?
Sim.
Posso saber?
Não. Traga pipoca.

Mensagens entre Ryan e Yibo:
Já enjoou de verde?
Quero voltar pra casa, sim. Meu voo é amanhã, quase de madrugada. Ou hoje. Merda, não sei.
Sophia me pediu para te convidar oficialmente para Tahoe. Topa?
Tahoe, hein?
Sim. Acho que Xiao Zhan  vai.
Pensei que ele não ia.
Você tem falado com o Empata-foda?
Um pouco. Ele é bem legal. A trégua está dando certo.
Hum. Então, Tahoe?
Preciso pensar. Windsurf no fim de semana?
Claro.

Mensagens entre Yibo e Xiao Zhan :
Então, fui convidado para Tahoe. Você vai?
Você foi convidado? Afe…
Presumo que você ainda não comprou a ideia?
Não sei. Adoro ir lá, e a casa é fantástica.
Você vai?
Você vai?
Perguntei primeiro.
E daí?
Que infantil. Sim, suponho que vou acabar indo.
Ótimo! Adoro aquele lugar!
Ah, agora você vai?
É bem possível. Parece divertido. Né? Hum, veremos. Volta pra casa amanhã,
Sim, voo da madrugada. Vou dormir o dia inteiro amanhã.
Me avise quando acordar. Preciso te entregar aquele pacote.
Pode deixar.

E vou fazer pão de abobrinha hoje. Vou guardar um pouco para você. Sua despensa deve estar vazia, né?
Você faz pão de abobrinha?
Faço.
Suspiro…
***
Acordei de repente e ouvi música vinda do apartamento ao lado. Duke Ellington. Olhei o relógio. Já passava das duas da manhã. Clive tirou a cabeça de dentro das cobertas e protestou.
– Ah, fica quieto. Não seja ciumento – protestei de volta.
Ele me encarou, me deu o traseiro e voltou para debaixo das cobertas, a cabeça primeiro.
Também me aninhei e apreciei a música, sorrindo.
Yibo estava em casa.

Na manhã seguinte, acordei feliz por ser sábado. Já tinha cuidado de tudo: nada de roupa para lavar, nenhuma tarefa pendente. Um dia para aproveitar e relaxar. Fantástico.
Decidi começar com um bom e demorado banho; depois, resolveria o que fazer. Talvez uma corridinha no Parque Golden Gate à tarde. O outono em San Francisco é tão lindo quando o tempo ajuda. Podia levar um livro e passar a tarde inteira lá.
Comecei a preparar o banho, e Clive veio para me fazer companhia. Serpenteou entre minhas pernas enquanto eu jogava o pijama no chão e explorou a borda da banheira. Ele adorava se equilibrar nela. Nunca caiu, embora tenha molhado o rabo algumas vezes. Bobo – um dia desses, ia ser mais do que o rabo.
Verifiquei a água. Estava começando a encher a lateral da enorme banheira, quando resolvi que precisava de um pouco de café antes de entrar. Caminhei até a cozinha – despreocupadamente nu – para preparar uma xícara. Bocejei ao medir os grãos.
Coloquei umas colheres no filtro da máquina e fui buscar água. Assim que abri a torneira, os gritos começaram.
Primeiro, ouvi Clive miar como ele nunca tinha feito. Depois, o barulho de algo caindo na água. Comecei a sorrir, achando que ele finalmente tinha caído, e então um jato de água acertou minha cara.
Pisquei furiosamente, confuso, antes de perceber que a água estava jorrando do topo da torneira, molhando toda a cozinha.
– Merda! – gritei, tentando fechá-la. Sem sorte.
Ainda xingando, corri até o banheiro e encontrei Clive escondido atrás da privada, todo encharcado, e a torneira da banheira espirrando água no banheiro inteiro.
– Mas o que…? – berrei, tentando de novo parar a água. Comecei a entrar em pânico. Era como se cada parte do apartamento tivesse enlouquecido de uma só vez. A água jorrava pra todo lado, e Clive ainda miava a plenos pulmões.
Eu estava pelado, ensopado e pirando.
Putaquepariuvaitomarnocucaralho! – gritei e peguei uma toalha. Tentei pensar, tentei me acalmar. Tinha que haver um registro em algum lugar. Eu planejava casas, pelo amor de Deus! Pensa, Xiao Zhan !
Foi nessa hora que ouvi uma batida vinda de outra parte do apartamento. É claro que pensei que viesse do quarto. Mas não: vinha da porta da frente.
Me enrolando na toalha e ainda xingando o bastante para fazer um marinheiro corar, esmaguei o assoalho – por sorte não escorregando na água acumulada – e escancarei furiosamente a porta.
Era Yibo.
– Você perdeu o juízo? Que gritaria é essa?
Praticamente nem reparei na cueca xadrez verde, no cabelo desgrenhado pelo sono, nos abdominais sarados. Praticamente.
Entrei no modo sobrevivência: agarrei-o pelo cotovelo enquanto ele esfregava os olhos e o puxei para dentro do apartamento.
– Onde fica a porra do registro nesses apartamentos? – rugi.
Ele deu uma olhada no caos: água jorrando da cozinha, água escoando do banheiro, e eu com a cintura enrolada na minha toalha do Snoopy, a primeira que encontrei.
Mesmo no epicentro de uma crise, Yibo olhou para o meu corpo quase nu por 2,5 segundos. Ok, pode ser que eu tenha olhado para o dele por uns 3,2.
Então, ambos entramos em ação. Ele disparou para o banheiro como um homem com uma missão, e eu o ouvi batendo na parede. Clive silvou e fugiu direto para a cozinha. Percebendo que estava igualmente encharcado, deu um salto acrobático e pousou no alto da geladeira. Comecei a correr para o banheiro e bati em Yibo, que voava para a cozinha. Resoluto, ele deslizou pelo chão e abriu o armário sob a pia, jogando meus produtos de limpeza pra todo lado. Deduzi que estava tentando alcançar o registro e tentei não reparar que a parte de trás da sua cueca estava bem coladinha na bunda. Tentei com toda a força. A essa altura, ele já estava coberto de água, e seu pé escorregou, fazendo -o cair.
– Ai – ele falou debaixo da pia, suas pernas esparramadas no chão inundado da minha cozinha. Aí, ele rolou. Estava completamente encharcado e só um pouquinho delícia.
– Me ajuda. Não consigo desligar essa aqui – ele pediu por sobre o barulho da água e do gato desesperado.
Lembrando que estava usando nada além de uma toalha, me ajoelhei com cautela e tentei evitar olhar para seu corpo – seu corpo molhado, esguio e sarado, perigosamente próximo ao meu. Outro jato de água direto no meu globo ocular foi o bastante para me tirar daquele estupor e renovar meu foco.
– O que eu faço? – gritei.
– Você tem chave inglesa?
– Tenho!
– Pode pegar?
– Claro!
– Por que você está gritando?
– Não sei! – Continuei lá, tentando ver debaixo da pia.
– E então? Vai pegar, pelo amor de Deus!
– Certo. Certo – berrei e corri para o armário do corredor.
Ao voltar, dei uma escorregada no piso molhado e deslizei para junto de Yibo.
– Aqui! – gritei e passei a chave inglesa sob a pia.
Observei-o trabalhando, o rosto escondido. Seu braço se retesou, e eu vi como ele era realmente forte. Fascinado, assisti ao seu estômago endurecer e revelar seis pequenos gomos. Ops, eu quis dizer oito. E então o V deu as caras. Oi, V…
Ele gemeu e grunhiu e, quando fez força para girar a válvula, seu corpo inteiro mostrou o esforço. Testemunhei a sua luta na Batalha do Registro e o seu triunfo. Também fiquei atento àquela cueca xadrez, que ficou encharcada, colada a ele como uma segunda pele. Pele que estava molhada, provavelmente quente e…
– Consegui!
– Viva! – Bati palmas quando a água parou.
Ele soltou um último grunhido – estranhamente familiar – e relaxou. Observei enquanto saía de baixo da pia.
Ficou estendido no chão, perto de mim, ensopado e de cueca.
Sentei ao seu lado, ensopado e de toalha.
Clive sentou no topo da geladeira, ensopado e aborrecido.
Ele continuou miando, e Yibo e eu continuamos nos fitando, respirando pesadamente – ele por causa da sua batalha, e eu… por causa da sua batalha. Clive finalmente pulou para um canto da cozinha e patinou através da grande poça, acertou o rádio, perdeu o equilíbrio e caiu no chão, e um Marvin Gaye no último volume tomou a cozinha inundada. Clive se sacudiu e correu para a sala.
– Let’s get it on… – Marvin cantou com sinceridade, e Yibo e eu nos encaramos, nossas caras pintadas de vermelho.
– Só pode ser brincadeira… – falei.
– Jura que isso está acontecendo? – ele disse, e ambos começamos a gargalhar do caos, do ridículo da situação, da completa loucura que tinha acabado de acontecer e do fato de estarmos seminus, deitados na cozinha, ouvindo uma música que nos encorajava a “deixar rolar”.
Por fim, me endireitei e enxuguei as lágrimas. Ele se sentou ao meu lado, ainda segurando a barriga.
– Está parecendo um episódio ruim de Um é pouco, dois é bom, três é demais. – Yibo sorriu.
– Nem me fale. Espero que ninguém chame o sr. Fuller – brinquei, apertando um pouco mais a toalha.
– Vamos arrumar esta zona? – ele perguntou e se colocou de pé.
Sua cueca – e tudo que ela continha – ficou ao nível de meus olhos. Juízo, Xiao Zhan .
– É, acho que precisamos. – Ri de novo, e ele estendeu a mão para me ajudar a levantar. Eu não conseguia me firmar; me agarrei à sua mão, meus pés escorregando descontroladamente.
– Isso não vai funcionar – ele murmurou e me ergueu nos braços. Depois, me carregou até a sala e me pôs de volta no chão.
– Cuidado aí. O Snoopy está quase caindo. – Yibo apontou para a parte da toalha que cobria o menino.
– Você ia adorar isso, né? – bufei, ajeitando a toalha. – Vou me trocar e trazer umas toalhas secas. Se comporta, hein? – Ele piscou. Eu ri de novo e fui para o quarto, onde Clive não passava de uma lombada sob as cobertas.
Olhei no espelho que ficava sobre a cômoda enquanto procurava algo para vestir. Eu estava nitidamente brilhando. Hum. Devia ser por causa de toda aquela água gelada.
Uma hora mais tarde, as coisas estavam de novo sob controle. Tínhamos secado a água, avisado aos vizinhos de baixo sobre um possível vazamento e ligado para o cara da manutenção.
Avançamos rumo à porta de entrada, secando as últimas gotas com toalhas que Yibo havia generosamente providenciado.
– Que desastre! – choraminguei, me levantando do chão e me jogando no sofá.
– Podia ser pior. Você podia ter sido obrigado a lidar com isso depois de apenas três horas de sono e de ser acordada por um ômega berrando a plenos pulmões – disse ele, sentando no braço do sofá. Levantei a sobrancelha, e Yibo emendou: – Ok, mau exemplo, já que você está bem familiarizado com esse enredo. O que vai fazer agora?
– Não sei. Tenho que esperar o cara que vai consertar essa zona. Enquanto isso, estou sem água, ou seja, sem café, sem banho, sem nada. Saco – resmunguei e cruzei os braços.
– Bem, eu estarei do outro lado do corredor bebendo café e pensando no meu banho, se você precisar de alguma coisa – ele disse, dirigindo -se à porta.
– Besta, você vai fazer café pra mim!
– E dar banho também?
– Não, isso eu faço sozinho.
– Tudo bem, vou deixar você tomar uma ducha mesmo assim. Vamos lá, seu empata-foda – ele falou, me puxando do sofá e me conduzindo até o corredor. Clive, ainda no quarto, soltou um último miado zangado, e eu o mandei fechar o bico.
– Ops, espera. Vou pegar o café da manhã. – Apanhei um pacote embrulhado em papel-alumínio que estava sobre a mesa.
– Que é isso? – perguntou Yibo.
– Seu pão de abobrinha.
Juro que ele quase mordeu o lábio. Yibo devia adorar pão de abobrinha.
Trinta minutos mais tarde, eu me achava sentado à mesa da cozinha dele, as pernas cruzadas, tomando café feito na cafeteira francesa e secando o cabelo com uma toalha. Ele parecia verdadeiramente relaxado e feliz e tinha devorado o pão de abobrinha. Eu mal tinha conseguido comer meia fatia antes que ele a roubasse de mim e a engolisse de uma só vez.
Yibo se levantou e murmurou alguma coisa, dando uma palmadinha na barriga cheia.
– Quer mais pão? Assei bastante, porquinho. – Enruguei o nariz para ele.
– Aceito tudo o que você quiser me dar, Ômega  do Baby-Doll. Você não imagina o quanto eu gosto de pão caseiro. Não faziam algo assim pra mim havia anos. – Ele deixou escapar um pequeno arroto.
– Uau, sexy. – Franzi a testa e levei meu café para a sala de estar; abri a porta e dei uma espiada no corredor para saber se o cara da manutenção tinha chegado.
Yibo me seguiu e sentou em seu amplo e confortável sofá. Passeei pela sala e olhei as suas fotografias. Em uma parede, havia uma série em preto e branco, vários retratos da mesma mulher numa praia. Mãos, pés, barriga, ombros, costas, dedos dos pés e, finalmente, rosto. Ela era deslumbrante.
– Isso é lindo! Faz parte do seu harém? – perguntei, fitando -o por cima do ombro.
Ele suspirou e passou a mão pelo cabelo.
– Nem todos passaram pela minha cama, sabia?
– Desculpe. Estava brincando. Onde as fotos foram tiradas? – indaguei, sentando ao lado dele.
– Em Bora Bora. Era uma série de fotografias de viagem, as praias mais bonitas do Pacífico Sul, num estilo bem retrô. Ela estava na praia um dia, uma mulher de lá mesmo, e a luz era perfeita, então perguntei se podia tirar algumas fotos. Saíram boas.
– Ela é linda – falei, bebericando meu café.
– Sim – ele concordou, com um sorriso fofo.
Ficamos calados por um instante, confortáveis com o silêncio.
– Então, quais são seus planos para hoje? – Yibo perguntou.
– Você quer dizer: quais eram antes da revolta dos canos?
– É, antes do ataque. – Ele sorriu por trás da sua caneca, os olhos azuis bruxuleando.
– Na verdade, eu não tinha muita coisa planejada e estava bem feliz com isso. Ia correr um pouco, talvez sentar no parque e ler. – Suspirei; estava me sentindo aquecido e confortável e aconchegado. – E você?
– Estava pensando em dormir o dia todo antes de ter que lidar com uma montanha de roupa suja.
– Você pode dormir, sabe disso, né? Eu posso esperar no meu apartamento. – Comecei a me levantar. Tadinho, tinha chegado de madrugada, e eu não o deixava dormir.
Mas ele fez que não com as mãos e apontou para o sofá.
– Se eu dormir, meu sono vai ficar desajustado o resto da semana. Preciso voltar ao nosso fuso o quanto antes. O ataque dos seus canos foi uma coisa boa.
– Hum, pode ser. Me conta, como foi na Irlanda? Divertido? – perguntei, sentando de novo.
– Sempre me divirto quando estou viajando.
– Que trabalho sensacional o seu. Eu adoraria viajar assim, viver com uma mala e nada mais, ver o mundo, demais… – Me distraí olhando de novo para todas as fotos. Na parede mais afastada, avistei uma prateleira fininha com garrafas minúsculas sobre ela. – O que é aquilo? – perguntei e caminhei até a curiosa prateleira. Cada uma das garrafinhas continha o que parecia ser areia. Havia areia branca, cinza, rosa e uma negra como azeviche. Todas etiquetadas. Enquanto as olhava, senti, mais do que vi, Yibo se mover atrás de mim. Sua respiração era cálida em minha orelha.
– Cada vez que visito uma praia nova, trago um pouco de areia. Uma espécie de lembrete de onde estive e quando estive – ele explicou em uma voz baixa e saudosa.
Olhei as garrafinhas mais de perto e me maravilhei com alguns dos nomes que li:
Harbour Island, Bahamas; Enseada do Príncipe Guilherme, Alasca; Punaluu, Havaí; Vik, Islândia; Sanur, Fiji; Patara, Turquia; Galícia, Espanha.
– E você esteve em todos esses lugares?
– Aham.
– E por que areia? Por que não cartões-postais ou, melhor ainda, as próprias fotos que você tira? Elas já não são uma lembrança? – Me virei para fitá-lo.
– Tiro fotos porque amo fazer isso e, por acaso, é o meu trabalho. Mas isto? Isto é tangível, é tátil, é real. Posso sentir ; é areia em que eu realmente pisei, de cada continente. Isto me leva de volta a esses lugares instantaneamente – ele falou, o olhar cada vez mais sonhador.
Vindo de qualquer outro cara, em qualquer outro contexto, aquilo teria soado absolutamente brega. Mas vindo de Yibo? Ele tinha que ser profundo. Droga.
Meus dedos continuaram percorrendo as garrafas – tão numerosas que eu mal podia contar. Me demorei mais nas poucas que continham areia da Espanha, o que Yibo notou.
– Espanha, hein? – ele falou. Virei para encará-lo.
– É, Espanha. Sempre quis conhecer. Um dia. – Suspirei e retornei ao sofá.
– Você viaja bastante? – ele perguntou, afundando ao meu lado outra vez.
– Tento conhecer um novo lugar todo ano. Não com a mesma sofisticação que você, nem com a mesma frequência, mas tento viajar todo ano.
– Você e suas amigas? – Ele sorriu.
– Às vezes, mas, nos últimos anos, tenho gostado de viajar sozinho. É gostoso poder fazer as coisas no seu próprio ritmo, ir somente aonde você quer ir e não precisar fazer uma conferência cada vez que quer sair para jantar, sabe?
– Sei. Só estou surpreso – ele comentou, franzindo ligeiramente a testa.
– Surpreso por eu querer viajar sozinho? Está brincando? É o máximo! – exclamei.
– Não sou eu que vou discordar. Só estou surpreso. A maioria das pessoas não gosta de viajar sozinha… é intimidante. Elas acham que vão se sentir solitárias.
– Você se sente solitário?
– Já disse, nunca estou sozinho – ele respondeu, balançando a cabeça.
– Sim, sim, eu sei, mas devo dizer que acho isso um pouco difícil de acreditar. –
Enrolei nos dedos uma mecha de cabelo quase seca.
– Você se sente solitário?
– Quando viajo? Não. Sou uma ótima companhia – respondi de pronto.
– Detesto admitir, mas concordo – ele disse e ergueu sua caneca em minha direção.
Sorri e corei um pouco – e me odiei por isso.
– Uau, estamos ficando amigos? – perguntei.
– Hum, amigos… – Ele pareceu refletir com cuidado enquanto examinava a mim e ao meu rubor.
– Sim, acho que sim.
– Interessante. De empata-foda para amigo. Nada mau. – Dei uma risadinha e bati minha caneca na sua.
– Ah, ainda não sei se o seu status de empata-foda foi revogado. Vamos esperar.
– Bem, é só me avisar a próxima vez que o Castigado vier, tá bom, amigo? – Sorri da sua expressão confusa.
– Castigado?
– Ah, sim, você o conhece como Suho. – Dei risada.
Ele teve a decência de corar e sorrir timidamente.
– Bem, acontece que o Sr.Suho não faz mais parte daquilo a que você se refere de forma tão simpática como meu harém.
– Ah, não! Eu gostava dele! Você deu muito forte com a palmatória? – provoquei de novo, minhas risadas começando a ficar fora de controle.
Ele passou freneticamente as mãos pelo cabelo.
– Olha, esta é a conversa mais estranha que já tive com um ômega.
– Duvido muito, mas, falando sério, por que ele foi embora?
Ele sorriu.
– Ele conheceu outra pessoa e parece estar muito feliz. Então, terminamos nossa relação física, claro, mas continuamos bons amigos.
– Hum, isso é bom. – Anuí com a cabeça e fiquei calado por um momento. – Como é que isso funciona?
– Como funciona o quê?
– Bem, você tem que concordar que as suas relações são, no mínimo, pouco convencionais. Como você faz isso? Como mantém todo mundo feliz?
Ele riu.
– Você não está me perguntando como eu os satisfaço , está?
– Claro que não! Já escutei como você faz isso! Não restou nenhuma dúvida. Quero dizer, como ninguém se magoa?
Ele ponderou por um instante.
– Acho que é porque nós deixamos rolar. Não é como se um de nós tivesse decidido criar esse mundinho, apenas acontece. Suho e eu sempre nos demos muito bem, principalmente nesse aspecto, e simplesmente caímos nesse relacionamento.
– Gosto do Castigado… perdão, do Suho. Ela foi a primeira? No harém?
– Chega dessa história de harém. Você fala como se fosse algo sórdido. Suho e eu estudamos juntos na faculdade, tentamos namorar sério, não deu certo. Mas ele é ótimo, ele… Espera, quer mesmo ouvir isto?
– Oh, sou toda ouvidos. Estou louco para tirar essa pulga de trás da orelha desde que você derrubou aquele quadro da minha parede e acertou minha cabeça. – Eu sorri, me recostei no sofá e dobrei as pernas.
– Derrubei um quadro da sua parede? – ele perguntou, ao mesmo tempo curioso e orgulhoso. Que figura.
– Foco, Yibo. Me conte os segredos das suas companhias. E não me poupe de nenhum detalhe. Cacete, isso é melhor do que a HBO!
Ele riu e assumiu a sua cara de contador de casos.
– Tudo bem, acho que tudo começou com Suho. Não demos certo como casal, mas, quando nos esbarramos depois da faculdade, alguns anos atrás, o café virou almoço, o almoço virou drinque, e o drinque virou… bem, cama. Nenhum de nós estava namorando, então começamos a nos ver sempre que eu estava na cidade. Ele é ótimo. Ele é simplesmente… Não sei como explicar. Ele é… fofo.
– Fofo?
– É, ele é todo redondinho e caloroso e doce. Ele é… fofo. É o melhor.
– E Purina?
– Nadia. Ela se chama Nadia.
– Meu gato discorda.
– A Nadia, eu conheci em Praga. Era inverno, e eu estava tirando umas fotos.
Normalmente, não faço fotografia de moda, mas fui convidado a fotografar pra Vogue… Tudo muito artístico, muito conceitual. Ela tinha uma casa nos arredores da cidade. Passamos um fim de semana juntos, e, quando ela se mudou para os Estados Unidos, me procurou. Está terminando o mestrado em relações internacionais. Pra mim, é uma loucura pensar que, aos vinte e cinco anos, ela esteja no fim da carreira. De modelo, quero dizer. Por isso, está dando duro para fazer outra coisa. Ela é muito inteligente. Já viajou o mundo inteiro e fala cinco línguas! Estudou na Sorbonne. Você sabia disso?
– Como poderia saber?
– É fácil julgar uma pessoa sem conhecê-la, não é?
– Touché. – Fiz que sim com a cabeça e, com o pé, o cutuquei para que continuasse.
– E, por fim, Adam. Cara, aquele ômega é insano! Eu o conheci em um pub de Londres, completamente bêbado. Ele caminhou até mim, agarrou minha gola, me beijou loucamente e me arrastou pra casa. Ele sabe exatamente o que quer e não tem medo de pedir.
Eu lembrava bem de alguns dos seus momentos mais ruidosos. De fato, ele era bem específico quanto ao que queria, desde que você conseguisse ignorar as risadas.
– Ele é advogado, e um dos seus principais clientes é daqui. O escritório de Adam fica em Londres, mas, quando estamos na mesma cidade, sempre damos um jeito de nos encontrar. E é só isso. Acabou.
– Só isso? Três pessoas , e é só isso? Como  não ficam com ciúme? Como levam isso tão na boa? E você? Não quer algo mais? Eles não querem algo mais?
– Por enquanto, não. Todo mundo está recebendo exatamente o que quer, então está tudo bem. E, sim, eles sabem uns dos outros, e, como nenhum de nós está apaixonado, ninguém espera mais do que amizade… com os melhores benefícios possíveis. Não me entenda mal. Eu adoro cada uma deles e os amo pelo que são. Sou um cara de sorte. Eles são espetaculares. Mas eu sou ocupado demais para namorar sério, e a maioria dos ômegas não quer saber de um namorado que passa mais tempo do outro lado do mundo do que em casa.
– Sim, mas nem todos querem a mesma coisa. Nem todos desejamos brincar de casinha.
– Todos com quem namorei falavam que não queriam, só que queriam. E tudo bem, eu entendo, mas, com a minha vida maluca, é muito difícil para mim ficar com alguém que precise que eu seja algo que não sou.
– Você nunca se apaixonou?
– Eu nunca disse isso.
– Então, você já teve um relacionamento? Com uma única pessoa, quero dizer.
– Claro que sim, mas, como falei, é difícil para um ômega continuar apaixonado por um cara que leva a vida que eu levo, com as viagens constantes. Pelo menos, foi o que a minha ex disse quando começou a sair com um contador. Você conhece o tipo: usa terno, carrega uma pasta, chega em casa toda noite às seis. Parece que é isso que  querem. – Ele suspirou e pousou sua caneca, afundando um pouco mais no sofá. Suas palavras diziam que ele estava de bem com aquilo tudo, mas a expressão melancólica em seu rosto dizia o contrário.
– Não é o que todos os ômegas querem – argumentei.
– Correção: é o que os ômegas que namorei queriam. Pelo menos, até agora. É por isso que o que tenho funciona tão bem pra mim. Eles,as pessoas com quem fico quando estou em casa? Elas são sensacionais. São felizes, eu sou feliz. Por que vou mexer em time que está ganhando?
– Bem, você só tem dois agora, e acho que pensaria diferente se conhecesse a pessoa certa. O ômega certo não iria querer que você mudasse nada na sua vida.
– Você é um romântico, não é? – Ele se inclinou para frente e deu uma palmadinha em meu ombro.
– Sou um romântico prático. Sou capaz de enxergar algum encanto em ter um namorado que viaja muito, sabe por quê? Porque gosto do meu espaço. Além disso, eu ocupo a cama inteira, é difícil pra mim dormir com outra pessoa. – Balancei a cabeça lamentosamente ao lembrar a rapidez com que costumava expulsar meus casos de uma noite. Uma parte do meu passado não era tão diferente do de Yibo. Suas escapadas sexuais apenas estavam amarradas num pacote muito mais arrumado.
– Um romântico prático. Interessante. E você? Está saindo com alguém?
– Não, e estou bem assim.
– Sério?
– É tão difícil acreditar que um ômega sexy, atraente, com uma bela carreira profissional não precise de um alfa pra ser feliz?
– Antes de mais nada, é ótimo que você se chame de atraente e sexy. Porque é verdade.
É legal ver um ômega falar assim de si mesmo em vez de ficar caçando elogios. Mas não estou falando de casar, estou falando de ficar. Sabe? Sair? Sem compromisso?
– Você está me perguntando se estou dando pra alguém atualmente? – disparei, e ele engasgou com o café.
– Definitivamente, a conversa mais estranha que já tive com um ômega.
– Um ômega atraente e sexy.
– Completamente de acordo. Me conta. Já se apaixonou?
– Isto está parecendo uma minissérie da ABC, com todo esse café e essa conversa sentimental – falei. Talvez, só talvez, eu estivesse fugindo do assunto.
– Ah, qual é, vamos celebrar este momento das nossas vidas. – Ele soltou um riso abafado e gesticulou com sua caneca.
– Se já me apaixonei? Sim. Sim, já.
– E?
– E nada. Não terminou de um jeito muito legal. Mas o que termina de um jeito legal, né? Ele mudou, eu mudei, então caí fora. Foi isso.
– Você caiu fora, tipo…
– Nada dramático. Ele apenas não era quem eu pensei que fosse – expliquei, pousando meu café e brincando com meu cabelo.
– O que aconteceu?
– Ah, você sabe como são essas coisas. Eu já era veterano em Berkeley, e ele estava terminando a faculdade de direito. O começo foi ótimo, depois não foi mais, então abri mão. Mas ele me ensinou a escalar, sou grata por isso.
– Um advogado, hein?
– É, e que queria um esposinho de advogado. Eu devia ter desconfiado quando ele se referiu aos meus planos de carreira como “um negocinho de decoração”. Na verdade, só queria um rostinho bonito que buscasse suas camisas na lavanderia. Não era pra mim.
– Ainda não te conheço tão bem, mas, definitivamente, não consigo te enxergar morando fora de uma grande cidade.
– Afe, nem eu. Isso não é pra mim.
– Você não pode se mudar! Quem faria pão pra mim?
– Você só quer me ver de avental!
– Você nem imagina… – ele disse e piscou um olho.
– É difícil conseguir tudo o que você precisa da mesma pessoa. Entende o que quero dizer? Espera, é óbvio que você entende. No que eu estava pensando? – Gargalhei e apontei para ele.
Nós dois demos um pulo com a batida na minha porta, do outro lado do corredor. O cara da manutenção finalmente havia chegado.

– Obrigado pelo café, pelo banho e por me salvar dos canos – falei, me espreguiçando enquanto caminhava em direção à porta aberta. Acenei para o cara no corredor e, com a mão levantada, avisei que já estava indo.
– Não há de quê. Não foi o jeito mais gostoso de acordar, mas suponho que eu estava merecendo.
– Verdade. Mas obrigado mesmo assim.
– De nada. E obrigado pelo pão. Estava delicioso. E, assim, se outro pão aparecesse aqui, eu não reclamaria.
– Verei o que posso fazer. Ei! Cadê meu suéter?
– Você tem ideia de como esse tipo de coisa é caro?
– Ah, eu quero meu suéter! – falei, dando um tapinha em seu peito.
– Bem, acontece que eu trouxe uma coisinha pra você. Uma espécie de agradecimento por chutar minha porta.
– Sabia! Você me entrega depois. – Atravessei o corredor, abri a porta do meu apartamento para o cara da manutenção e indiquei a cozinha. Voltei para Yibo.
– Amigos, hein?
– Parece que sim.
– Posso conviver com isso. – Sorri e fechei a porta.
Enquanto o encanador resolvia o problema, fui até o quarto para ver como Clive estava. Assim que entrei, meu telefone apitou. Uma mensagem de Yibo.
Já? Abri um sorriso enorme e caí na cama, aninhando um gato ainda assustado ao meu lado, que imediatamente começou a ronronar.
Você não respondeu à minha pergunta…
Minha pele se arrepiou quando entendi a que ele se referia. De repente, senti calor e um formigamento – como quando o pé fica dormente, só que no corpo inteiro. E gostoso. Droga, ele sabia escrever mensagens interessantes.
Sobre se estou dando pra alguém?
Grosso! Mas sim. Amigos podem perguntar essas coisas, não?
Sim, podem. E então?
Você é chato pra cacete! Sabe disso, né?
Me conta. Não vá ficar tímido agora.
Não. Não estou.
Ouvi um ruído surdo no vizinho e depois batidinhas leves mas persistentes na parede.
O que você está fazendo?! Isso é sua cabeça?
Você está me matando, Ômega  do Baby-Doll.

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Amor entre as paredes ( pt UmUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum