711 minutos, por Yulle

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O1
Pizza

Chego da faculdade encharcada e a primeira coisa que faço é largar minha mochila surrada em cima da mesa, então corro para o banheiro.

Eu teria chegado de boa, sentado no vaso e feito minhas coisas sem problemas, mas começou a chover desenfreadamente e, infelizmente, meus vinte minutos de caminhada obrigatória — até minha pequena kitnet — foram contempladas por todas as gotas de chuva que caíam em Caelum naquela noite.

Ok, um pequeno exagero, mas minha roupa pingava tanto que era minha sensação naquele momento.

A chuva acabou fazendo com que a vontade de fazer xixi praticamente explodisse dentro de mim e, por muito pouco, não me mijei toda.

Aos 23 anos?

Seria uma vergonha.

— Ufa... deu tempo — comemoro enquanto estou tirando a roupa molhada e entrando no chuveiro.

Não demora nem 20 minutos para que eu esteja limpa, com o pijama mais quente que eu tenho e até um moletom grande, por cima de tudo.

Além da chuva forte, raios e rajadas de vento, a noite em Berena — distrito em que moro há alguns anos — está gelada e eu até chego a tremer a boca de leve.

Aquecida com minhas pantufas de girafa, vou para sala, ando apressadamente até a mochila que joguei na mesa e tiro de lá uma caixa lacrada, com uma coisa que estava esperando há duas semanas.

Meu celular novo, um modelo AstraCell 117 Pro, que eu estava namorando há muito, muito tempo mesmo.

Tirando o meu novo bebê lilás cromado da caixa, pego o carregador que vem junto com o aparelho e coloco para carregar ao lado do sofá, seguindo as instruções do manual. Deixo o querido sobre o braço do estofado.

"59% de bateria"

É o que aparece quando o conecto e, ansiosa para usá-lo, mas não gostando muito de mexer em aparelhos ligados na tomada, vou me distrair com outras coisas necessárias no momento.

O meu antigo celular está capengando. É o mesmo que uso desde que me mudei para esse país, quando comecei a faculdade, mas ainda funciona bem, porque logo ouço-o reproduzir um toque muito específico, que configurei para uma pessoa em especial.

É o toque de Nabi.

A veterana da Faculdade Distrital de Berena que, depois de três períodos...

Bem.

Depois de três períodos deixou de ser minha veterana e passou a ser minha namorada já formada.

— Melhor namorada do mundo — atendo.

Quase... — ela implica do outro lado da linha.

— E posso saber por quê? — pergunto fingindo seriedade, enquanto estou andando pela casa, com o aparelho sendo preso entre minha orelha e meu ombro.

Porque ainda não ouviu a playlist que eu te mandei...

Solto uma risada nasal com o seu comentário enquanto entro na cozinha e abro a geladeira.

Pizza de ontem? Deus é bom.

— Só tem aqueles chatos lá. — Abro o microondas e coloco duas fatias de pizza de calabresa dentro, que comi com Nabi na última noite.

Queria que ela estivesse aqui hoje também, mas ela está enrolada com alguns trabalhos da pós-graduação e eu sempre compreendo essas paradas.

Sei como a vida acadêmica enforca a gente.

Magic Book (RASCUNHO - PRÉVIA EXCLUSIVA)Where stories live. Discover now