Capítulo II

480 45 12
                                    

Luciano nunca contou - nem nunca vai contar - para ninguém, mas viu Martín pela primeira vez quando tinha doze anos.
Ele só pensa nisso quando está bêbado.

Ele tem certeza que viu o rosto dele no noticiário antes, mas essa foi a primeira vez em que ele o viu de verdade. Catalina tinha acabado de fazer quinze anos e gastou parte do dinheiro que ganhou com a edição de uma revista adolescente de cores ofuscantes.

O amor dela por tabloides cafonas começou cedo.

No centro da revista havia minipôsteres que dava para tirar e colar dentro do
armário. Se você tomasse cuidado e erguesse os grampos com a unha, era possível tirá-los sem rasgar.
Um deles, bem no meio, era a foto de um menino.

Ele tinha o cabelo cheio e dourado, grandes olhos azuis, um sorriso doce, e um bastão de críquete apoiado no ombro.
Devia ser uma foto espontânea feita no momento perfeito, porque não tinha como aquela confiança alegre e ensolarada ser posada.
No canto inferior da página, em letras azuis e rosa: PRÍNCIPE MARTIN.

Luciano ainda não sabia dizer exatamente o que o fazia voltar, mas ele entrava escondido no quarto de Catalina, encontrava a página e passava a ponta dos dedos no cabelo do garoto, como se pudesse sentir sua textura.

Quanto mais seus pais subiam na carreira política, mais ele começava a se conformar com o fato de que o mundo logo saberia quem ele era.
Nessa época ele às vezes pensava no retrato e tentava canalizar um pouco da confiança tranquila do príncipe Henry - Ele também tinha considerado erguer os grampos com os dedos para tirar a foto e guardá-la no quarto dele, mas nunca chegou a fazer isso. Suas unhas eram curtas demais; os grampos eram feitos para unhas grandes como as de Catalina.

Mas então chegou o dia em que ele conheceu Martin - ou chegaram as primeiras palavras frias e distantes que Martin disse a ele - e Luciano constatou que tinha entendido tudo errado, que o menino lindo e sincero da foto não era de verdade.
O verdadeiro Martin era bonito, distante, sem graça e fechado.


Essa pessoa a quem os tabloides o comparavam sem parar, com quem ele mesmo se comparava, se achava melhor do que Luciano do que todos os outros, Luciano não conseguia acreditar que algum dia quis ser como ele.

Luciano continua bebendo e alternando entre pensar nisso e se forçar a não pensar nisso, desaparecendo na multidão e dançando com herdeiras argentinas para esquecer.

Ele está rodopiando com alguém quando avista uma figura solitária perto do bolo e da fonte de champanhe.
É o príncipe Hernández de novo, com uma taça na mão, observando o príncipe Carlos terceiro e sua noiva rodando no salão de baile.

Ele tem aquela cara cortês odiosa de desinteresse, como se tivesse mais o que fazer da vida do que estar parado ali.

Luciano não resiste ao impulso de provocá-lo.


Ele abre caminho pela multidão, pega uma taça de vinho de uma bandeja no caminho e toma metade de uma vez só.
- Quando for seu casamento - O brasileiro diz, chegando ao lado dele -, é melhor contratar duas fontes de champanhe em vez de uma só. Dá vergonha ir a um casamento com só uma dessas.

- Luciano - Martin diz com aquele sotaque insuportavelmente esnobe. De perto, o colete dele sob o paletó é de um tom dourado exuberante e deve ter um milhão de botões horríveis.
- Estava me perguntando se teria esse prazer.
- Parece que é seu dia de sorte. - Luciano diz, sorrindo.
- Realmente é uma ocasião histórica. - Martin concorda. Até o sorriso branco dele é radiante e imaculado, pronto para ser impresso em dinheiro.

O mais irritante de tudo é que Luciano sabe que Martin também o odeia - ele deve odiar, os dois são antagonistas mútuos naturais - mas se recusa a ser sincero em relação a isso.

SANGUE REAL  |  BRARG Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora