Merlin

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Começou como uma piada. Eles estavam no que no ponto de vista deles era a melhor lanchonete do lado leste da cidade, o Nino's, que apesar das revistas culinárias e as avaliações do Ifood não concordarem com eles, fazia o melhor queijo frito do país. As chapas eram de clara má qualidade, as músicas envolviam mil palavras de baixo calão, o ambiente interno estava tão encardido que Aaron duvidava que algum dia já tivesse sido limpo. Certa vez, Atlas disse que viu um rato caminhando pelo salão enquanto ele se direcionava ao banheiro e, ainda assim, os garotos sempre se encontravam lá, sem medo de pegar leptospirose ou sofrer de alguma intoxicação alimentar.

Era o único lugar que todos eles podiam pagar sem problemas. Mateo não tinha problema com grana, embora ele tivesse sido rico há muito tempo e depois deserdado pelos pais, sua irmã ainda dividia parte da sua gorda mesada com ele. Já Aaron trabalhava em dois empregos, ele estava poupando uma grana para morar fora do país, então sua renda era baixa. Aaron tinha uma natureza pobre tão intrinsicamente vinculada a ele que, embora ele estivesse finalmente se reerguendo na vida, ainda dava para notar que ele não fora feito para coisas daquele mundo, com paladares chiques e modos pomposos de se portar. Aaron era um caipira. Atlas, por outro lado, era tão pobre quanto Aaron um dia fora, mas nunca pareceu se importar com essas coisas, como querer ser mais do que é. Atlas tinha um trabalho um pouco diferenciado, que envolvia pesar cocaína, ensacar maconha e contar mls heroína. Seu trabalho não tinha renda fixa e, quando Atlas ficava apertado, senão completamente duro, ele mentia descaradamente que havia esquecido a carteira em casa. Os meninos precisavam dividir, então, a conta em três partes para poder pagar por ele, centavo por centavo, antes que Aaron enchesse a boca para reclamar.

— Eu sinto muito por isso, cara — Merlin comentou para o amigo na época, justo quando Mateo mencionou que Aaron havia perdido o teto. Mateo foi a pessoa para quem Aaron ligou quando se sentiu encurralado, com uma bolsa com roupas na mão e nenhum lugar para ir. Ele estava dividindo um apartamento com Mateo naquele ponto, mas era algo improvisado, temporário. Os dois não se suportavam o suficiente para viverem sozinhos e juntos por contra própria. — Nós deveríamos fazer disso uma coisa!

Merlin sempre se mantinha empenhado em resolver situações. Parecia um tipo de doença visceral que o consumia por inteiro. Ele não conseguia ver as pessoas se auto depreciando, simplesmente precisava achar a raiz do problema e então arrancá-la. Era um pouco cansativo, mas ele fingia que não.

Merlin era o único com realmente alguma posse dentre os quatro. Fazia contabilidade na faculdade, embora letras sempre tenha sido o seu sonho. Merlin era rico, havia sido adotado por uma política sem mais nenhum familiar além de uma herança insuportavelmente cheia. Merlin era o único que ia herdar o dinheiro dela, mas sua mãe adotiva garantiu que ele só ganharia aquela grana se aprendesse a se educar financeiramente. Então, embora Merlin estivesse cursando uma faculdade que ele não tinha o menor interesse, os frutos que dali sairiam era algo que ele parecia gostar – no ponto de vista de Aaron – ainda mais, o lucro.

— O que você quer dizer? — Aaron perguntou, seu tom de voz denunciando o quão cansado ele estava.

Apesar de ser domingo, Aaron tinha acabado de sair de um bico de oito horas na mecânica do pai de um conhecido. Ele já havia detalhado algumas vezes a maneira sôfrega no qual era tratado nesses bicos, sem comida ou qualquer tipo de intervalo até o expediente acabar. Merlin simplesmente não entendia porque ele não corria atrás de outra coisa, que talvez pagasse até melhor do que os centavos por hora que Aaron recebia, mas como ele não entendia muitas coisas em relação a Aaron e ele estava ficando exausto de discutir, não mais interferia.

— Por que não nos mudarmos? Tipo, eu sei que você e Mateo já estão morando juntos, mas é temporário, não é? Talvez pudéssemos alavancar o nosso nível de intimidade e morar na mesma casa nós quatro. Isso parece muito impossível pra vocês ou... — Merlin parou de falar, deixando o garfo em sua mão cair de volta para o prato junto do macarrão que estava ficando frio.

Atlas aproveitou a oportunidade para roubar o seu macarrão.

— Não — Mateo respondeu sorrindo, o seu sorriso era uma coisa violenta e nenhum pouco delicada, como tudo em Mateo era. Ele se inclinou para frente com os braços se esticando sobre a mesa e parte da sua jaqueta de couro quase entrou dentro da salada de Aaron, que revirou os olhos. — Isso é, na verdade, bem genial, Diaz. Eu não sei como não pensei nisso antes.

— Ah, eu sei — Aaron zombou, seu sorriso irônico e seco enquanto ele levantava as sobrancelhas, claramente não impressionado. — Você nunca pensa em nada.

Se tirasse a proposta pendente naquela mesa, Merlin já havia ouvido aquela mesma provocação e aquele mesmo diálogo um milhão de vezes. Aaron adorava dizer que seus amigos não pensavam, em especial porque Aaron era o cérebro deles. Embora Merlin tirasse as mesmas notas que o amigo na época do colegial, Aaron sempre ia além; ele era estratégico e indiscutivelmente racional, poderia arquitetar todo um crime sozinho sem deixar rastros. Enquanto isso, Merlin era o coração, o imã que os uniu anos atrás e que permanecia os unindo. Se eles estivessem num filme de super herói, algo que Mateo já fantasiou uma vez, então Merlin seria o líder, sempre querendo combater as injustiças do mundo com o poder da amizade e essas coisas bregas .

E se Merlin era o coração, então Mateo era o punho, o cara com problemas de raiva que estava sempre, a todo instante, se envolvendo em brigas. Seu coração também era enorme e latejava, mas de uma forma completamente diferente de Merlin. O punho e o coração estavam constantemente de mãos dadas, um orientando o outro com seus sentimentos e impulsividade pulsantes. Igualzinho Mateo e Merlin.

— Eu vou ficar com o quarto maior — Disse Atlas com um alçar de ombros.

Naquela história, Atlas era... Bem, Atlas.

— Espero que saibam que essa é uma ideia bem lixo — Aaron comentou, embora, é claro, ele estivesse considerando. Merlin o conhecia o suficiente para saber que ele estava considerando.

the boysWhere stories live. Discover now