Merlin

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Era de senso comum que Merlin ficaria com aquele pequeno quarto no segundo andar do loft. Apesar de pequeno, aquele era o único quarto reservado o bastante para carregar as tralhas dele – embora Merlin nunca tenha sido do tipo reservado, o restante dos seus amigos tinham plena consciência de que se irritariam caso as suas coisas fossem espalhadas pela casa, então chegaram a conclusão de que seria melhor caso Merlin ficasse afastado. O quarto dele era, então, além do próprio ritual, um quarto da bagunça.

Uma vez que todo o restante do loft se tratava de uma sala quadrada de concreto enorme, não havia quase mais nenhum tipo de divisória. Uma escada íngrime de metal levava os meninos até uma espécie de segundo andar que mal poderia ser nomeado assim, uma porta barulhenta levava a um banheiro com evidente péssimo encanamento e paredes mofadas e levemente rachadas. Tirando isso, não havia nenhuma outra parede dividindo o restante dos quartos da sala ou da cozinha, parecia tudo uma grande coisa só.

Felizmente, o loft também tinha uma varanda, que não era nada luxuosa como a varanda da casa de sua mãe, mas também não era de todo ruim, tinha como vista os prédios cinzas do Lincoln Park e era a parte preferida de Merlin até então.

O rapaz que estava fazendo uma tour para eles era amigo de um conhecido de um primo de Mateo. Isso não lhes trazia lá muita confiança. Na internet, ele havia descrito aquele loft como de boa localização – era próximo o bastante da faculdade, mas perigoso o suficiente para que eles não ousassem sair desacompanhados à noite na rua –, mobiliado – mentira, tudo o que eles tinham visto era uma cama caindo aos pedaços que iria para o lixo e uma pia de cozinha marmoreada que, segundo Aaron, era o mármore mais barato do mercado – e acessível – o que, de fato, era verdade, o preço era mesmo bem em conta.

Considerando a mentira, a meia verdade e a verdade completa, Merlin se deu conta de que a fé que seus amigos tinham nele devia ser mesmo inabalável para todos terem aceito um absurdo daqueles. Ele mesmo já estava considerando algumas de suas atitudes.

— Ele foi enviado pra prisão depois disso — No momento, o cara que tentava alugar o loft para eles – Richie? Richard? – estava contando uma história sem pé nem cabeça que começava de um jeito e terminava do outro. Ele fazia isso contorcendo os próprios dedos e olhando por trás dos seus óculos brilhantes para Aaron como se ele fosse a única coisa que já havia visto na vida. Pobrezinho, Merlin preventivamente já sentia pena dele.

Coisas assim aconteciam numa frequência bem comum, Aaron era o bonito deles – embora Mateo discordasse veemente dessa afirmação com o seu ego implacável – as pessoas se encantavam facilmente por ele e seus olhos fundos de quem não dormia bem há dias, suas maçãs do rosto afiadas como se pudessem cortar papel, sua introspecção quase tímida, comedida, acompanhada de uma rispidez e uma seriedade até que bem fácil de ignorar. Aaron era sereno, mas ainda exalava confiança, e isso parecia atraente o suficiente para que ignorassem toda a sua falta de interação social.

— O elevador funciona bem? — Aaron perguntou.

— Desculpe?

— O elevador — Merlin repetiu, notando que o rapaz teria dificuldade em entender caso Aaron estivesse falando. — Nós temos um amigo com problema no joelho que tem dificuldade em subir escadas, o elevador funciona?

O amigo era Atlas, embora ele não tivesse um problema real com elevadores nem com os joelhos, ele só possuía um pulmão muito fraco, qualquer coisa o deixava cansado – era parte do porquê Merlin detestava tanto que ele fumasse, Atlas via que já estava no fundo e simplesmente se afundava mais. Se ele bem se lembra, os problemas de Atlas com seu pulmão começaram antes mesmo dele pôr um baseado na boca, na infância, o que só se degradou com o tempo.

— Ah — O possível Richard disse enquanto voltava o seu olhar para Aaron, seu cérebro demorando alguns segundos. — Sim, sim, ele funciona bem. Você quer... Experimentar?

— Sua palavra já está de bom tamanho, obrigado — Aaron disse secamente, o que pareceu magoar o outro.

Aaron não se dava conta da atenção que despertava. Merlin perguntou certa vez a Mateo por que ele achava que aquilo acontecia, e Mateo disse que era porque Aaron não percebia. Merlin apenas grunhiu em resposta, porque se até mesmo ele, Merlin Diaz, a pessoa mais obtusa do mundo, reparava como as mulheres reagiam ao redor de Aaron, era impossível que o próprio Aaron não percebesse. Depois, Atlas ofereceu uma interpretação diferente: ele sugeriu que Aaron não reagia a essas pessoas de propósito, para que os outros ao seu redor não se sentissem ameaçados por ele, o que fez mais sentido.

— Isso é legal, cara — Merlin disse em apoio ao cara, apenas porque não sabia como deixá-lo no vácuo. Os olhos entediados de Aaron pousaram sobre ele em total descaso, o que só provava o ponto de Atlas, ao menos no que dizia respeito a ele ignorar totalmente as investidas. — Nós vamos olhar o banheiro de novo, está bem?

Richard assentiu e Merlin puxou Aaron para que eles voltassem para o pior cômodo da casa. O cheiro era incômodo, mas foi o primeiro lugar que Merlin conseguiu pensar em usar como desculpa. Ele sabia que Richard não os seguiria para aquele maldito banheiro. O restante dos meninos estavam ocupados no momento, Atlas tinha uma emergência no trabalho – o que era uma emergência para ele? Alguém havia roubado a sua cocaína? – e Mateo, o desempregado, tinha um encontro. Então, bem, só restaram Aaron e Merlin para julgar o local, uma puta responsabilidade jogada nas mãos deles.

— O que você acha? — Foi Aaron quem perguntou.

Pessoalmente, Merlin achava aquilo um muquifo. Ele não diria aquilo em voz alta para Aaron pois sabia os riscos que corria de levar um soco na cara, então tentou se manter positivo. Para Merlin, aquele sentimento esperançoso sempre vinha bem fácil. Ele pensou no quão aquele lugar era barato e em como o dono do loft já estava apaixonado por 25% deles, o que era perfeito, também pensou no brilho nos olhos de Mateo quando eles disseram que iam morar sob o mesmo teto. Fez valer a pena, não importava o quão decadente o lugar fosse, eles transformariam aquele espaço num lar – mais do que uma casa, mais do que os lugares onde eles cresceram. Merlin sorriu.

— Eu acho perfeito — Ele disse.

Aaron sorriu também.

the boysWhere stories live. Discover now