Capítulo Único

5 1 0
                                    

Helena, uma jovem estudante, está atravessando uma fase muito difícil. Seus pais infelizmente faleceram há alguns meses. Ela se culpa por não ter viajado com sua família naquele fim de semana. Foi a última vez que os viu. Na manhã do dia seguinte receberia a notícia do acidente fatal que ceifou as vidas do pai, da mãe e dois tios. Não havia espaço suficiente no pequeno fusca para Helena, mas ela não se importou em viajar para o litoral depois do ano novo.

O avô de Helena insistiu que viesse morar com ele. A moça não tinha outros irmãos. E aceitou o convite. Vovô Antônio era viúvo e dividia sua casa com Augusto, um sobrinho-neto menor de idade, que se mudou para a casa do avô para ficar mais perto do colégio onde estudava.

Helena também estudava no mesmo colégio de Augusto, mas em turnos diferentes: o menino de manhã e Helena no período da noite. Quando terminou o período de férias retornou ao colégio. Afortunadamente era a mesma turma de anos anteriores.

Mesmo assim não tinha muitos amigos, consequência de sua timidez exagerada. Muita gente soube o que havia acontecido com seus familiares veio ao seu encontro para conforta-la pela perda recente. Ao final das aulas vários colegas de classe se ofereceram para acompanha-la durante o caminho até a casa onde vivia com Augusto e o avô. Helena aceitou.

Contudo, isso durou pouco. Ela não reagia a nenhum comentário dos outros alunos. Estava distante, perdida em pensamentos e lembranças. A culpa que sentia era esmagadora. Mas quase ninguém percebeu. Aos poucos os estudantes já não sentiam a necessidade de caminhar com Helena. Alguns alegaram ter conflitos com suas famílias por chegarem tarde à casa. Helena pensou consigo: "Pelo menos eles ainda tem pai e mãe.

E novamente Helena se viu só. Fazia o caminho da casa ao colégio e do colégio para casa em completo silêncio. Foi em uma dessas vezes que parou para amarrar o cadarço solto de um dos tênis. Foi quando olhou e se deparou com a vitrine de uma grande loja de móveis. Havia um jogo de sala de estar em exposição na referida loja. E apesar do horário já avançado Helena se espantou quando viu sentado em dos sofás um jovem lendo tranquilamente um jornal.

Entre uma página e outra do periódico o desconhecido tomava em suas mãos uma xícara equilibrada em um pírex e bebia pequenos goles. Em seguida depositava o recipiente na mesa de centro. E retomava a leitura.

Como Helena não havia notado aquela cena antes? E o rapaz, mais ou menos da mesma idade que ela, era de boa aparência. Seus gestos eram tão naturais que parecia não se importar em estar "aprisionado" naquela vitrine. Helena acenou para ele. Queria entender o que aquele jovem fazia dentro de um mostruário de móveis. Seria um empregado simulando o uso daquela sala de estar para atrair os consumidores? E se era essa a intenção da loja, os proprietários finalmente conseguiram.

Helena estava imóvel observando aquela inesperada cena. Tornou a acenar para o rapaz. E por um instante ele desviou os olhos do jornal, e olhando detidamente para a estudante, abriu um bonito sorriso. Helena correspondeu e devolveu o gesto. E antes de se concentrar outra vez na leitura, o rapaz da vitrine piscou demoradamente para sua admiradora noturna. Sorriu e seguiu lendo o jornal, intercalando goles de chá.

Helena baixou a cabeça. Sentiu um calor em seu rosto: estava vermelha de vergonha. Por fim ele acenou com a mão despedindo-se de sua nova amiga.

Helena seguiu o caminho até a casa. Não dormiu. Queria saber mais daquele jovem da loja de móveis. Ele não parecia triste nem solitário. Como alguém consegue fazer o faz e não se sentir isolado do resto do mundo. Era assim que ela se encontrava. Sem sentido para viver. Tudo tinha perdido a graça. Nem sorria mais. Evitava falar com as pessoas. Até seu avô se preocupou, achando que a neta caiu doente. Mas ela explicava que tudo era por causa do que aconteceu.

Antônio, que também sofria com a morte da filha Suzana, mãe de Helena, compreendeu a dor da neta. E de fato, ele tinha mais estrutura emocional que ela para atravessar o período de luto. Mas aquele jovem na vitrine ocupou totalmente os pensamentos de Helena. Buscava mentalmente — e às vezes falando consigo mesma — argumentos que explicassem a presença daquele rapaz na vitrine. Mas por mais que procurasse entender, não encontrava uma explicação. Chegou a pensar que ele seria um escravo que por vezes tivesse a permissão de sair do cativeiro e admirar a paisagem da noite. Deu risada sozinha. Tal ideia era absurda. Ou tudo aquilo era pura encenação com objetivo comercial? E se era isso mesmo aquele teatro funcionou de verdade.

Mas Helena não se interessou nos móveis a venda. A única que realmente importava era conhecer aquele "cliente feliz". Aquele expositor era a sua casa. Por diversas vezes ela tentou comunicar-se com o rapaz. Mas o vidro era blindado e espesso. Não era possível ouvir nem entender as palavras ditas por ele. Isso atormentou Helena durante um bom tempo. Até que decidiu fazer algo bem arriscado.

Quando estava já próximo do horário do fechamento da loja, Helena entrou disfarçadamente no prédio e encontrou o esconderijo perfeito: um vão que havia entre a parede dos fundos e uma enorme pilha de caixas dispostas de modo que seria impossível que alguém a visse.

Ali esperou pacientemente e em absoluto silêncio a saída dos funcionários. Até que finalmente as luzes foram apagadas. Helena se dirigiu à entrada da vitrine, abriu a porta e finalmente está diante do seu amado. Ela notou um brilho diferente no olhar do rapaz. Era um olhar sem vida que transmitia tristeza. A jovem estudante observou demoradamente suas expressões faciais e, por mais que quisesse, já não era possível desviar a atenção para outras coisas. E permaneceu com ele o restante da noite.

Demanhã os funcionários chegam para começar o expediente. Um deles abre a portainterior da vitrine para organizar a exposição de outros móveis chegados da fábrica.Levou um susto quando presenciou uma cena um tanto incomum. Chamou os demaiscolegas. Surgiram muitas perguntas e hipóteses. Mas, na verdade, ninguém sabeexplicar porque de repente apareceram dois hologramas no lugar de um.

O Garoto da VitrineWhere stories live. Discover now