Rebeca - Parte III

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Quando Rebeca voltou, depois de passar cinco dias fora, levou uma grande bronca de seus pais e de sua avó, que estavam mortos de preocupação e fazendo buscas por toda parte atrás dela. A princesa cumpriu a promessa e contou que o monstro de Tordos havia sido morto por um homem chamado Ülv, e na manhã seguinte o mesmo estava lá e lhe foi oferecido hospedagem e alimento.

Na mesma noite em que Ülv chegou ao castelo, a rainha sonhou com seu irmão Ravi. Fazia tempo que eles não se encontravam em sonho então tinham muitas coisas a contar um para o outro, mas não demorou e o sonho se tornou pesadelo. Eles que se sentavam na varanda tomando um chá de hortelã, viram o céu ficar negro de repente e os corvos voarem crocitando sem parar. "Acorde, ela está aí", Ravi disse para a irmã e Virgínia imediatamente acordou com um salto e andou até a varanda de seu quarto.

Quando ela abriu a porta, um vento frio entrou no aposento e as cortinas brancas voaram. Na varanda viu a mulher alada que aterrorizou o reino décadas atrás. A bruxa não havia envelhecido um dia sequer, mas dessa vez parecia ainda mais furiosa.

- O que você quer? - Virgínia perguntou com um tom firme. Não temia a bruxa, apenas queria que ela lhe falasse logo e partisse, assim como da última vez.

- De novo vocês me tiraram alguém que amo. Meu filho - a bruxa por orgulho não chorava, mas seu olhar de fúria também tinha muita tristeza.

- O monstro de Tordos era seu filho?

- Ele chegou até mim com o braço arrancado, não pude nem ouvir a sua voz antes que morresse no meu colo. Consegue imaginar algo assim?

- Eu... lamento - Virgínia se compadeceu pela bruxa, mesmo que a odiasse. Ela podia sim imaginar, afinal tinha visto o luto da própria mãe pelo seu falecido irmão, e nos últimos dias em que não soube o paradeiro de Rebeca, havia imaginando os piores cenários.

- Você quer saber quem é o pai dele? - os lábios vermelhos da bruxa estavam formando uma expressão dura, mas que era quase um sorriso maldoso. Ela estendeu a mão com uma peça de xadrez e mostrou a rainha. - Ele também joga comigo - Virgínia pegou a peça, era a rainha branca. Lascada exatamente igual a que Jay possuía.

- Qual o seu objetivo aqui? - perguntou, tentando não ceder às provocações da bruxa, que estendeu para ela dessa vez um papel.

- É um mapa, quero que entregue ao assassino de meu filho e ordene que me encontre lá. Eu irei matá-lo e em seguida vou atrás de todos que você ama, todos. - E saiu voando.

Virgínia não conseguiu dormir mais naquela noite, e assim que amanheceu se vestiu sozinha, sem a ajuda de criados como o de costume, chamou os guardas e bateu a porta de Jay. Levava consigo a peça da rainha e não parou de socar a porta com força até que o marido a atendesse, sonolento e confuso, estranhando a presença dos guardas. Estava seminu.

Ela entrou de supetão e fechou as portas atrás de si, Jay deu alguns passos para trás, ainda sem entender e então Virgínia jogou a peça de xadrez em seu peito.

- Eu sei sobre ela, ela mesma me contou - disse, enquanto o homem se abaixava para pegar a rainha lascada no chão.

- Eu sinto muito, Virgínia... Vossa Majestade... peço por favor que...

- De todas as mulheres do mundo, você escolheu a bruxa que amaldiçoou minha família - a rainha interrompeu Jay, que reagiu com espanto.

- Meu amor, eu confesso minha traição e por isso suplico pelo seu perdão, mas juro que não sabia que era ela.

- Como isso é possível? Ela tem uma aparência inconfundível, achou que fosse outra mulher alada?

- Eu lhe juro que ela tinha outra aparência quando nos víamos. - Por mais que a confiança em seu marido tenha sido quebrada, nisso Virgínia acreditou, afinal se tratando de uma bruxa tudo era possível. Mas aquilo em nada diminuiu sua raiva.

- Então você também não sabe que o monstro de Tordos era seu filho? - perguntou e mais uma vez deixou Jay atônito. O homem estava recebendo tanta informação que lhe faltavam palavras e até mesmo pensamentos. - Nada disso importa. De qualquer maneira você cometeu atos de alta traição e por isso eu lhe condeno à morte. Guardas!

- Virgínia, não! Por favor, o que vai ser de Rebeca? Se não pode me perdoar por mim, que seja por ela.

- Dêem cinco minutos para ele ficar decente e o prendam - a rainha ignorou o marido e se foi sem olhar para trás.

Rebeca veio a ficar sabendo sobre o que aconteceu com o pai apenas quando uma senhora que ela mal conhecia veio lhe prestar condolências e foi imediatamente para a masmorra do castelo onde exigiu visitá-lo. Enquanto o carcereiro a conduzia, ela passou por várias celas onde se encontravam homens sujos, malvados e loucos, que deveriam estar lá a muito tempo. Todos, sem exceção a olharam e provocaram de alguma maneira, dizendo obscenidades, palavrões ou até cuspindo.

- Pai! - ela gritou assim que o avistou e correu ao seu encontro, já estava chorando, mas começou a chorar a ponto de soluçar, e Jay que ficou com os olhos marejados ao vê-la logo começou a chorar também. Eles seguraram as mãos um do outro pela barra da cela e ficaram alguns minutos sem dizer nada. - Me disseram que ela te condenou à morte. Isso não pode ser verdade, me diga que estão exagerando a história - a princesa interrompeu o silêncio e disse entre soluços.

- É verdade, e é verdade também que eu cometi um erro terrível. Sua mãe está certa de estar furiosa.

- Então é tudo verdade? Sobre a bruxa, sobre o monstro...?

- Eu não sabia que era ela, mas sim, tudo verdade. - Por mais que tenha ouvido a história, Rebeca ainda ficou surpresa. Não acreditou que o pai estava preso até que fosse confirmado pelo carcereiro, nem que havia sido condenado à morte até ser confirmado por ele mesmo, mas a respeito daquilo ela teve a mais absoluta certeza de que era uma especulação doentia.

- Isto é... realmente terrível, meu pai. Mas ainda assim, somos uma família. Eu não vou permitir que ela tire sua vida, vou fazer tudo ao meu alcance para impedir.

- Você não vai conseguir fazer a rainha mudar de ideia.

- Ainda que eu falhe em convencê-la, vou tentar de outras formas, custe o que custar - a princesa disse determinada e beijou a mão do pai. - Vou falar com a rainha agora mesmo. Até logo, meu pai.

Rebeca imaginou que a rainha estaria na galeria, conversando com Ana, que era sua principal conselheira e era de costume das duas se reunirem lá. E era isso mesmo que estava acontecendo. Ao chegar, a princesa ouviu um pouco da conversa atrás da porta.

- ... e por fim ela me deu isto - disse a voz da rainha.

- O que é? - perguntou Ana.

- A localização dela. Mandou que eu enviasse o homem que matou o filho dela pra lá, para que possa matá-lo. E ameaçou nossa família em seguida - foi então que Rebeca entrou sem se anunciar, chegou a ver a mãe colocando um papel no canto de uma mesinha.

- Você não se deu ao trabalho sequer de me contar. Condenou meu pai à morte e eu tive que saber por uma qualquer - acusou assim que foi vista pela mãe.

- Obviamente eu iria te contar, Rebeca. E demonstre mais respeito - Virgínia retrucou e a pose dura que Rebeca estava fazendo acabou se desfazendo e seus olhos ficaram marejados novamente.

- Por favor, mãe - ela começou a suplicar, mas não achando o suficiente deu alguns passos à frente e se ajoelhou. Estava de frente para a rainha e ao lado da mesa. Ana se encontrava sentada no sofá, distante das duas, apenas olhando. Ela não estava se opondo à ideia da condenação e preferiu se manter calada. - Eu lhe clamo por misericórdia e que poupe a vida de meu pai, Vossa Majestade - sua voz falhava enquanto o choro tentava sair, mas ela segurava.

- Se despeça do seu pai, Rebeca. Eu não voltarei atrás - mesmo que já esperasse, ouvir aquilo foi como um golpe em seu estômago, e ela manteve a cabeça baixa por alguns instantes, até que ficasse pronta para olhar a própria mãe nos olhos. Discretamente pegou o papel da mesa ao mesmo tempo que se levantou.

- Eu nunca irei lhe perdoar.

- Eu posso viver com isso - mentiu Virgínia.

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