2. A Pedra dos Abandonados

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Namna e eu já estávamos de pé. Ela cuidava de algo para o desejum, enquanto pedi um pouco dos grãos para alimentar os dodôs, eu precisava ocupar a mente, não lembrar de nada me incomodava, contudo não deixaria isso me abater. As aves ao me verem, se aninharam próximo ao cercado, pois sabiam que era comida. Após alguns minutos, Namna abriu a janela, e chamou para comer. Antes de entrar, procurei qualquer sinal de Peter Pan no céu. Nada.
À mesa, Namna percebeu minha cara.
—Joshua, você parece um pouco abatido. Está tudo bem, querido?
— Ah, Namna, é só que... às vezes as coisas parecem um pouco difíceis, sabe? — desabafei.
— Eu entendo. Às vezes a vida pode ser desafiadora, mas penso que possa haver um motivo para tudo.
— É... talvez seja isso.
Comemos o restante do desejum em silêncio, embora eu tivesse vontade de perguntar mais sobre Peter Pan. Nas horas seguintes, ajudei Namna na limpeza da casa. Eu estava precisando trocar de roupa, e eu não sabia se ela teria, mas arrisquei e perguntei se pelo menos ela teria uma camisa. Namna foi a um baú e de lá tirou uma camisa de linho, tinha mangas longas com babados nos pulsos que podiam se ajustados por uma fita. Confesso que fiquei alegre, ao vestir a camisa, me senti um rapaz de época, como se estivesse em um conto de fadas, e meio que estou. Após algum tempo, Namna avisou que desceria à vila, que não demoraria a retornar. Sozinho e com tempo livre, voltei ao estudo do mapa, e de repente, algo aconteceu, alguns detalhes que representavam árvores, se moviam, um novo caminho estava se formando diante dos meus olhos, acompanhei calado e sem piscar. O caminho começava da casa de Namna (que até então não havia percebido no mapa) e terminava em uma grande árvore, e ao lado, estava escrito Pan.
Eu me levantei, olhando para a figura da árvore e o nome em nanquim ao lado.
Pan
Peguei o mapa e decidi ir até lá.
Procurei algum lápis e papel para poder deixar um bilhete mas não encontrei, mas sinto que Namna saberia para onde eu tinha ido, não pensei muito nisto. Abri o mapa e segui para Árvore. O caminho era por dentro da floresta. Sentia um pouco de medo, mas além de assustador, era lindo. Entre os feixes de luz solar, que se infiltravam pela folhas, pensei ter visto riscos iluminados, será que eram fadas?
Passei por um riacho, que constava no mapa. Formei um sorrisinho no rosto, eu estava indo bem. Enrolei o mapa, e me agachei para beber um pouco da água fria. Andei por mais algum tempo, não sei quanto, mas pela minha percepção foi muito. Olhando o mapa, ele me guiou até uma clareira e parei diante de uma grande árvore oca, parecia estar morta, mas de seus galhos algumas folhas brotavam. Olhei ao redor, e não notei ninguém. Subitamente senti uma brisa e ouvi.
— O que você está fazendo aqui?
Levei um susto, me afastando alguns passos. Peter Pan flutuava na minha frente, com a cabeça inclinada para a direita. Seus olhos azuis me sondavam, tal qual os de um animal selvagem quando um intruso invadiam seu território. Eu piscava, surpreso com a quietude em que ele me pegou. Estava sem camisa e parecia estar molhado pois notei que sua calça tinha manchas escuras, como se o tecido tivesse absorvido a água da pele molhada. Sem a camisa, pude observar seu tronco, ele era esguio, seus músculos tinham alguma definição. A pele sardenta, tinha tons róseos misturados com o tom bronzeado. Desci meus olhos para o umbigo onde notei pêlos ruivos claros que descia entrando na calça. Baixei meus olhos e senti meu rosto esquentar, pensei em algo que não devia.
— Então? O que faz aqui?
— E-eu estava seguindo um mapa! — respondi, me recompondo. Levantei a mão, evidenciado o mapa.
— Aaah sim.
— Sério, veja aqui! — abri o mapa e mostrei para ele, o caminho que percorri. Ele se virou e se ergueu um pouco mais alto no ar.
— Cadê Namna?
— Ah, ela desceu para vila, fiquei sozinho, e peguei esse mapa, onde surgiu magicamente o caminho para sua árvore. — Peter ainda estava no ar e de costas para mim, e com sua mão, observava o sol.
— Já vai dar meio dia. — disse. — Me dá aqui.
Em um momento, ele estava no ar, no outro puxou o mapa das minhas mãos e entrou para dentro da Árvore.
— Ei??
Ele saiu vestindo uma camisa surrada sem mangas, e pegou uma faixa e a amarrou um pouco acima do quadril.
— Quer ver as sereias? — disse se pondo na minha frente, ainda no ar.
Fiquei atônito com a proposta.
— As sereias?
— Sim, aquelas mulheres com rabo de peixe.
—  Sim eu sei o que são... Pode ser!
Era engraçado como ele me irritava mas ainda assim exercia um certo fascínio.
— Me segue, a lagoa é perto.
Ele alçou voo mas não sumiu, tinha uma ritmo que me permitia segui-lo a pé. Após alguns minutos de caminhada, eu podia sentir a maresia e ouvir sons alegres misturados aos sons de água. E os sons ficavam mais audíveis. Parei, sentindo um certo nervosismo. Abria e fechava as mãos.
"E se elas cantarem? As sereias do Nunca cantam certo? E se me seduzirem e me arrastarem para o fundo? Não ele não deixaria isso acontecer!
Minha cabeça era bombardeada por esses pensamentos. Respirei fundo.
— Ei, o que foi? Tá com medo? — a voz de Peter me trouxe a realidade. Ele deve ter percebido e veio até mim.
— Um pouquinho para ser sincero.
— Elas vão te amar, acredite!
Sorri para ele.
— Se não gostarem podem te devorar.
Meu sorriso murchou com aquilo. Ele soltou uma sonora gargalhada.
— Tudo bem, não tenha medo, mas fica aqui atrás dessa rocha, elas podem se assustar.
— Ok.
— Aliás, qual é o teu nome mesmo?
— Poxa, é Joshua.
Peter alçou voo, enquanto fiquei detrás da rocha esperando.
Minha curiosidade me impeliu para vislumbrar a cena. Acho que levei cerca de 2 minutos para processar mentalmente o que eu via. Haviam muitas sereias, chuto no mínimo cinquenta, a água da lagoa, fervilhava com o aquela turba. Eram pálidas mas um pálido colorido, algumas tinham tonalidade verde, outras azuis, ou castanha. A cor era mais "viva" nas escamosas caudas, que percebi que tinha barbatanas perto dos quadris e uma dorsal que começava onde deveria ser a bunda até onde deveria ser atrás dos joelhos, se bem que as caudas eram longas e ter que assimilar a anatomia com um corpo humano não seria adequado, sendo apenas o tronco com aparência humana. Os longuíssimos cabelos de todas elas eram, sem exceção, pretos, contudo seus rostos eram ligeiramente distintos. Elas estavam nuas, digo, percebi que tinham seios ou o que pareciam ser seios, mas não tinham mamilos. Sob o sol do meio-dia, notei que suas escamas emitiam uma certa irisdecencia. Dez delas brincavam com algo parecido com uma bolha do tamanho de uma bola de futebol e usavam a cabeça para jogar uma para a outra, tinham até goleiras, era divertido ver aquilo. Algumas outras nadavam pela lagoa, e a maioria estavam em volta de Peter Pan, algumas apoiadas na pedra, outras dentro da água azulada ou penteando os cabelos, e as que estavam próximas do rochedo, estavam atentas ao que Peter Pan dizia e dizia algo entusiasmado e em seguida apontou para a rocha em que eu estava. Me escondi rapidamente.
— Joshua, sai daí. — ele gritou.
— Ah, seja o que for. — suspirei.
Saí.
Algumas emitiram alguns gritinhos e submergiram. Outras mantinham os olhos para fora da água. Me observavam com curiosidade. Caminhei mais alguns passos, parei na margem da lagoa. Peter pediu que eu viesse saltando algumas rochas até a grande rocha onde ele estava juntos das sereias, a qual chamou Pedra dos Abandonados. Eu parei no canto, esfregava minhas mãos. Havia centenas de olhos me observando.
— Meninas, se comportem, ele é meu garoto perdido, certo? — ele disse meio alegre.
"Seu garoto perdido?"
Aquilo me fez soltar um sorrisinho bobo, mas de repente, senti um toque gélido nos meus tornozelos e em um segundo, o mundo de tornou um borrão azulado. Eu estava dentro da lagoa. As sereias haviam me puxado. Tudo estava claro, eu podia ver o tremular do sol na superfície da água, via as silhuetas das sereias nadando. Eu me debatia para voltar para a superfície, inutilmente. Senti meus olhos pesados, tudo ao meu redor escurecia, estava ficando inconsciente. Meu esforço e desespero só piorava, elas me arrastaram muito fundo. Eu iria morrer, sem saber quem eu realmente era e de onde havia vindo? Peter não me salvaria? foi ele quem me meteu nisso! Enquanto lutava em vão, vi uma silhueta cada vez mais próximo, meus olhos piscavam vagarosamente, até que fechei meus olhos e a inconsciência veio.

Pouco a pouco, minha consciência retornava, senti a areia morna com a ponta dos dedos. Quando abri os olhos por completo, notei que Peter Pan havia se afastado bruscamente no ar, acho que estava checando se eu estava vivo. Me levantei abrupto, vomitando água e tossindo bastante em seguida. Olhei para a Lagoa, e algumas sereias estavam nos observando, silenciosas, e uma delas, estava sentada na Pedra, penteando os longos cabelos e olhava com desdém para mim, acho que foi a que me puxou. As outras emitiam guinchos que pareciam risadinhas distorcidas. Namna tinha me avisado sobre elas mas pensei que na presença de Peter Pan isso seria diferente.
— Sinto muito. — ele disse. Parecia realmente culpado.
Olhei para cara dele e fiquei calado. Me levantei e me pus a caminhar de volta para Namna. Ele desceu e caminhou ao meu lado. Após alguns minutos, ele suspirou longamente, obviamente, com tédio por estar andando, e me surpreendeu.
— Monta. — Peter se agachou do lado.
— N-não precisa.
— Deixa de coisa e monta logo em mim, será mais rápido.
Subi nas costas dele, que se ergueu ereto. Pondo as mãos detrás dos meus joelhos, disse:
— Pronto?
— Não!
— Ótimo.
Ele subiu no ar, nos dois estávamos desafiando a gravidade.
— Aah — me agarrei no pescoço dele. De repente, ele pegou impulso, eu não tinha forças para olhar para lugar algum. Só sentia o vento e ouvia sua risada.
— Abra os olhos!
— NÃO MESMO!! — respondi.
— Você está perdendo a vista.
Realmente, como a Terra do Nunca era vista de cima? Abri um olho, e depois o outro e o que eu via era extraordinário.
Não estávamos acima da ilha, pois isso seria estar acima do Monte Mab. Olhei para trás e pude ver a Lagoa, a Árvore de Pan. Olhei para frente, naquela velocidade, já via a vila e a casa de Namna. O mar, se estendia como um tapete azul turquesa para todos os lados.
Peter me segurava firme, seus ruivos e úmidos cachos estavam roçando na minha bochecha. Eu fechei meus olhos e cheirei o cabelo dele, não tinha bem um cheiro bom sequer ruim, o que senti foi de algo secamente salgado. Após alguns minutos, chegamos a casa de Namna. Ela não havia chegado.
— Bem, chegamos! — ele disse, me soltando.
— Isso foi incrível... Peter...
— Diga.
— E o mapa?
— Depois eu devolvo! Avise a Namna, certo?
— Ok... outra coisa, ela disse que você decide quando irei embora...
Ele baixou os olhos.
— Eu não pensei muito nisso.
— Bem, eu preciso lembra de onde sou para que eu possa voltar, então acredito que terei que ficar por um tempo... talvez, poderíamos nos ver amanhã, o que acha?
Ficamos em silêncio. Ele se virou e alçou voo. Me deixando em choque pela ignorância. Eu ia me virar para entrar e foi quando o ouvi gritar: "Pode ser" e sumiu pela árvores. Sorri. Acho que eu não o veria mais pelo restante do dia.
Entrei para dentro da casa. Peguei meu sabão e a toalha, e fui para o lavabo, como Namna havia me dito se chamar a construção. Minha pele já ardia devido ao sal da lagoa. Nesse meio-tempo, ouvi Namna me chamar, finalmente havia retornado, gritei que estava no banho. Eu queria logo terminar, iria dizer a ela o que havia acontecido. Terminado meu banho e a troca de roupa, entrei e contei tudo a ela, que estava preparando algo para o almoço.
— Minha nossa, meu querido, e você está realmente bem? — ela perguntou visivelmente preocupada.
— Estou sim, só minha pele que ficou ardida com o sal e o mapa, ele disse que depois devolvia.
— Entendi... que estranho. — Namna disse com um olhar perdido para baixo.
— O que é estranho, Nam?
— As sereias gostam muito de Peter Pan... elas se sentiram ameaçadas.
Senti tipo um estalar na mente.
— Espera, como assim?
— Elas acham que ele gosta ou tenha interesse em você! Isto é, uma nova criatura que pode tirar a atenção que recebem, e pelo que parece essa criatura é você, por qual outra maneira te atacariam na presença dele a não ser que se sentissem ameaçadas?
Fiquei calado, pensava na possibilidade. Ele gostava de mim? Sereias me atacaram, por quê um garoto gostava de mim?
Meus dias na Terra do Nunca, seriam interessantes.





Próximo Capítulo:
A Folia, A Erva e A Lua Cheia

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⏰ Last updated: May 23 ⏰

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Peter Pan da Terra do NuncaWhere stories live. Discover now