Confissões de Ímpares

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Corto e recorto os papéis para o mural da festa de 25 anos da empresa. A função que me destinaram é a pior, mas não posso reclamar, já que outros ficaram responsáveis pela limpeza do salão. Eu tenho pena.
— Cuidado com a tesoura, criança!
— Desde quando você recebe por me vigiar nesta empresa de merda?
Encaro-o.
— Me preocupo com a sua saúde.
Ele se levanta e dá pequenos passos em minha direção e pega os pequenos recortes sobre a mesa.
— Até parece que você se importa comigo.
— Parece-me que você se esqueceu de declarar o seu amor por mim.
— Eu já disse que isso é um desperdício de tempo.
— Amar você é um desperdício de tempo?

Eu não disse isso. É que não quero assumir que amo você também, Gabriel. Amo seu corpo, sua face, seu sorriso, seus olhos castanhos que são como um lar para mim. Me sinto seguro. Amo seu jeito tímido, seu jeito família de ser, mas eu não mereço isso. Não combino com você. Não sou tão certinho como você. Não consigo me moldar para ser tão especial quanto você é. Me desculpa por ser tão difícil às vezes. Mas eu sou assim. Chato, impositivo, extravagante e impulsivo. Qual a probabilidade de isso dar certo? Um medo meu é te magoar, mas o maior deles é te perder. E eu não saio dessa confusão toda porque não imagino mais a minha vida sem você do meu lado todos os dias, mesmo com as suas cantadas baratas e seu jeito convencido, até mesmo as suas safadezas. Os toques da sua mão, os seus beijos na minha bochecha, a sua boca perto dos meus ouvidos, o seu carinho em minha cabeça. Não vejo futuro sem você do meu lado. Eu não consigo te dizer isso porque não tenho coragem o suficiente para assumir que te amo. Sou um fracasso no amor.

— Talvez seja uma perda de tempo.
— E por quê?
— Porque nós não nos merecemos.

Sinto um tranco por todo o meu corpo. Falei o que estava mais próximo do que pensava. Ele se aproxima de mim e coloca uma de suas mãos em minha face. Elas são tão macias que, por um momento, penso que me trarão conforto. Ele levanta meu rosto e aproxima os seus lábios dos meus. Ele me beija. Seus lábios me fazem liberar uma lágrima pesada de meus olhos. Sinto que ele as pega com a ponta de seus dedos. Ele se preocupa até com o meu choro. Seu beijo é suave, reconfortante. Me sinto tão pertencente a ele. Eu precisava disso há muito tempo. Ele é a cura para o meu tormento, na mesma medida que me motiva a viver. Ele finaliza o beijo e posso sentir sua respiração. Ele coloca a testa sobre a minha. Ele entende o que sinto?

— Nunca mais diga isso.
— Mas Gabriel…

Ele coloca dois dedos sobre minha boca, me impedindo de falar alguma coisa que estragasse aquele momento tão especial.

— Se amo você, é porque você merece. Não me apaixono por qualquer um. Você é especial para mim e é por isso que não desisto de você, mesmo você me dando foras todos os dias, não aparecendo nos encontros que marquei quando te convenci pelo cansaço ou pelos tapas que você me dá. Não importa o que aconteça, a intensidade do meu amor por você não se abala. Tenho poucas certezas na minha vida, mas a maior delas é que te amo, mesmo que a gente seja tão diferente um do outro. Eu te amo, meu garoto. Eu te amo!

Eu desmorono. Como ele pode entender tudo que sinto, mesmo que eu não tenha expressado nada disso em palavras? Que poder ele tem para me fazer ser eu mesmo quando estou com ele? Ele me ama mesmo enquanto o desprezo. Por que ele é tão perfeito? Por que ele me ama tanto?

— Me desculpe por ser assim. Eu não consigo ser outra coisa além disso, essa decepção que sou.
— Para de fazer isso.
— Para de fazer o que, Gabriel? Tentar expressar alguma coisa para você que eu não consigo porque não tenho coragem em te dizer? Por que sou fracasso? Por que sou decepcionante? Porque sou… 
— Para de se autossabotar.
— Mas eu não estou me…

Por um momento, meu mundo para. Como em tão pouco tempo consigo me colocar para baixo? Acabo comigo mesmo. Sozinho. Não preciso de ninguém para me destruir. Eu mesmo faço esse trabalho.

— Me desculpa.
— Não me peça desculpa. Você tem que pedir desculpas para si. Queria que você se enxergasse da mesma forma que eu te enxergo. Você é especial para mim. Quero você. Amo você do jeitinho que é. Não consegue enxergar isso, porra?
E de repente, consigo falar o que nunca tive coragem.
— Eu te amo! Eu te amo muito, só tenho medo de te…

Ele me agarra e me beija de novo. Dessa vez, mais intensamente. Suas mãos agarram o meu corpo e posso sentir sua barba raspando minha pele. Eu não quero que esse beijo termine nunca mais. Pego minhas mãos e encaixo em sua nuca. Ele se desprende dos meus lábios e beija meu pescoço, deixando meu corpo todo arrepiado. Ele alivia todo o meu caos. Não consigo me jogar em problemas quando ele me toca. Prendo-o em meu pescoço e ali ele prova o que tanto sente por mim. É como se seu impulso fosse a última peça do meu quebra-cabeça. Como ele pode me completar tanto assim? Por que demorei tanto para tê-lo colado ao meu corpo? Por que me saboto tanto? Pare. Se concentre nesse momento, Pedro. O resto é resto.

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