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BRIANNA ABERNATHY. Dêem ⭐

somente a verdade

Meu coração ameaçou saltar pela boca, quando olhei de novo para
baixo.
O pergolado de finas barras nuas e escorregadias, de um prédio velho,
ficava a mais de vinte metros do chão. Era por onde eu tentava andar.
Eles chamavam de "desafio à morte".
Dê uma resposta convincente a cada pergunta que fizerem e suas
chances de chegar "viva" ao final eram consideráveis.
Fechei os olhos.
O vento frio da madrugada soprava contra meu corpo fraco, me
fazendo tremer, como quem se vê ao fio da espada.
Na minha cintura, uma corda decrépita remendada, que encontraram ali
pelos destroços. Chiava, amarrada em uma estrutura enferrujada não tão
longe dali.

À medida que me movia, ela parecia querer arrebentar sozinha, e a cada
resposta dada às suas perguntas, não importava se era verdade, caso
desgostassem, um dos caras miraria meus calcanhares e esguicharia jatos de
água, do lugar de onde assistiam a mim, em uma parte coberta do telhado.
Senti que não deveria estar ali, naquele estado, naquelas circunstâncias,
com a sensação de que batizaram minha bebida quando eu estava em terra
firme.
Meu corpo parecia estar anestesiado. As pupilas iam e voltavam pelo
abismo escuro embaixo dos meus pés, e uma incógnita se estendia além de
qualquer compreensão, mostrando o que existia dentro de mim.
O escuro. Sem penumbra, sem começo, sem fim.
Tremi, fraca.
Eu estava e era fraca. Tinha certeza disso naquele momento, quando
cogitei voltar. Afinal, era uma tarefa simples.
Era pegar e fazer, Brianna.
Michel, o carinha a quem eu queria impressionar, ria ao lado dos
amigos, como quem sentia deleite no que via, prazer na aflição.
Era atraente. Perigoso, mas atraente. E era a minha ameaça de vida.
Evitei olhar para baixo e dei mais um passo.
Coloquei forças nos pés, mantive as pernas tão retas quanto as
soldaduras daquelas estruturas. Ainda assim, pareciam bambear. Eu estava
tonta, e não era por conta da altura.
- Colocaram alguma merda na minha bebida? - perguntei, sentindo
meu corpo completamente mole. Olhos semicerrados já falhavam em me me
davam respaldo para enxergar melhor no escuro da noite neblinada.
- Você está indo bem, gata! - Michel gritou, me mostrando os
polegares. - Próxima pergunta!
- Michel... - falei seu nome, pesando na entonação, como um aviso
de que eu não estava gostando do rumo daquele entretenimento inócuo, como
o chamavam.
- Quem é a pessoa que você mais odeia? - Alguém elevou a voz
com a pergunta e o grupo gritou em uníssono, almejando ouvir minha
resposta.
- Meu pai - respondi, sem ao menos pensar direito. Foi automático.
Eles vibraram, como se comemorassem a minha resposta.
- Você e todo mundo aqui, querida! - uma das meninas berrou e os
outros riram ainda mais alto. - O delegado é o motivo do ódio coletivo!

Longe.
A voz soou longe.
- Outra pergunta! - um dos caras soltou, e passei a perceber ainda
mais a sensação de que meus ouvidos estavam tampados.
O som do vento assobiava como uma serpente por mim, senti o corpo
pesado à medida que dava passos para longe deles, na tentativa de acabar
logo com aquilo.
- Por qual motivo odeia o seu pai? - Ouvi a indagação como um
sussurro e pisquei algumas vezes. Era difícil me concentrar para responder.
- Por qual motivo você odeia o babaca do delegado, garota? Responde!
Minha cabeça começou a girar. Abri os braços tentando me equilibrar,
em vão.
A água golpeou meus calcanhares, que cederam à pressão, e eu
escorreguei.
Me vi no ar. Como em um frame congelado. Meu corpo parecia estar
tão leve quanto uma pluma.
A corda esticou me dando um aperto mais forte na silhueta, o que
serviu para me acordar momentaneamente. Agarrei, com quatro dos dedos,
uma das barras e fiquei ali, pendurada, tremendo, tentando gritar por socorro
enquanto ainda ouvia as risadas, reverberando como o som de um alaúde.
O volume forte de água batia contra os nós dos meus dedos,
empurrando-os dali sem piedade, e só então percebi que a pergunta ainda
estava lá. Como um fantasma. Me fazendo perder a faísca de equilíbrio que
mantinha minha mente ligada.
Por que você odeia o seu pai?
Responde!
Responde!
- Eu o odeio porque... - Mesmo não querendo, meus olhos
fechavam devagar. - Ele nunca foi um... pai para mim...
Meus dedos cederam e eu despenquei, ouvindo absolutamente nada,
como se tudo estivesse se apagando ao meu redor.
Como se eu estivesse, enfim, morrendo.

AO CAIR DA NOITE Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ