002 - Sussurros místicos.

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Era comum o pátio de treinamento estar vazio tarde da noite, ninguém costumava treinar no escuro.

Conforme a brisa gelada se tornou intensa o suficiente para apagar as tochas, agora apenas a lua iluminava o treino solitário de Erika com seu velho arco. Aquele era o momento perfeito para ela estar ali. Livre da arrogância masculina e por baixo do manto rebelde contra o decreto recente feito pelo príncipe Aegon, que a impedia de pôr os pés ali.

Concentrada no círculo no meio do arco há alguns metros de distância, ela suspirou pesadamente e disparou a última flecha restante. A garota fechou os olhos para adiar o resultado, e quando abriu foi capaz de liberar um sorriso largo.

A flecha fincou bem no círculo central. Um pouco torta, mas ainda assim um acerto grandioso se comparado às tentativas anteriores que pareceram rir da cara dela. Erika tinha o potencial necessário, mas sem tutoria isso não passava de um talento jogado fora.

Competência também suplica por prática, esse é o único caminho para a inalcançável perfeição.

Mas como praticar em uma fortaleza abarrotada de etiquetas e regras para mulheres, as colocando como meras peças em um jogo de homens? Este era o conflito interno da jovem Stark, constantemente assombrada pela possibilidade do que teria se tornado se nunca tivesse saído de Winterfell.

A culpa por imaginar uma realidade sem as memórias boas que adquiriu nos primeiros anos em Porto Real não era suficiente para fazê-la parar. Na verdade, apenas Vermithor seria de fato uma perda significativa.

O resto já se foi há muito tempo.

Normalmente Erika ficava alí até o céu azul escuro se acinzentar como sempre fazia antes da hora do lobo, mas naquela noite os compromissos eram um obstáculo para a rotina noturna da jovem.

Já estava quase na hora do bendito jantar. E ciente disso, Erika se arrastou pelos corredores, reclamando consigo mesma até chegar aos seus aposentos. Não era comum participar dos jantares, mas desta vez foi requerida por ninguém menos que o rei Viserys. Ela e seu pai eram sempre convidados para os eventos diurnos dos Targaryen, mas desta vez a lua do lado de fora diferenciava o encontro.

Depois de tomar um banho e colocar o vestido que fora deixado na cama por Rhaena, a fim de agradecer pelos livros que Erika a disponibilizou mais cedo, a nortenha se direcionou à sala de jantar onde uma melodia amistosa tornava o recinto mais convidativo, mesmo que a família dispersa em seus assentos diante da mesa farta parecesse mais um bando de canhões apontados uns para os outros.

Rhaena não errou ao escolher um vestido modesto para presentear sua melhor amiga, mas mesmo assim a nortenha ainda travava uma batalha contra a saia que não conseguia evitar pisar a cada passo. Já sem paciência grunhiu irritada e fez a música parar, chamando a atenção de todos.

Aegon deu um gole no que deveria ser a sua sétima taça de vinho. O príncipe não conseguia se comportar de forma decente na frente da garota que o recusou, e isso era nítido. Depois que domou um dragão e teve que se acostumar com boatos de ilegitimidade,
Alicent sentiu alívio pelo "não" dito ao seu primogênito, mas para Aegon aquilo ainda era uma pendência.

A rainha Alicent mexia inquieta os dedos com os cotovelos firmemente apoiados na madeira. Do seu lado, Otto Hightower manteve a postura de sempre, o olhar sobre a filha de seu substituto nunca foi amigável.

Só que quem chamou a atenção foi Aemond. Sim, o príncipe caolho não havia pulado o jantar desta vez. Mesmo já não sendo mais o melancólico garoto da infância, ainda apreciava sua própria companhia e quando não estava de saída para seus misteriosos compromissos pessoais, não atravessava sua bolha questionável de convivência.

GUILTY AS SIN, Aemond Targaryen.Where stories live. Discover now