Capítulo 16

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Observei as folhas nas árvores pela janela do meu quarto, balançavam suavemente com a brisa fresca da primavera. O céu claro possuía algumas nuvens brancas esparsas, criando uma moldura para o dia que começava, os raios de sol iluminavam em passos lentos a rua. No ar havia aquela fragrância característica da estação, uma mistura de flores desabrochando e terra úmida, apesar da sensação de renovação que o clima trazia, eu não me sentia do mesmo jeito, ao contrário, minha garganta estava embargada.

A vontade de chorar tinha retornado, pelo visto, a madrugada inteira não foi suficiente para me livrar da tristeza que insistia em permanecer.

― Dulce, abre essa porta! ― Minha mãe bateu na madeira e eu apenas me encolhi na cama. ― Você vai se atrasar para a aula...

Tapei os ouvidos, não queria mais amostras grátis do final de semana!

― Ai, Mai, graças a Deus que você chegou ― após alguns minutos de silêncio, escutei a minha mãe falar. ― Não sei o que fazer para ela abrir essa porta.

― Deixa comigo, tia. Vai trabalhar que eu cuido da Dul.

― Tá bom, qualquer coisa me liga. Se não tiver crédito, pode ser a cobrar.

― Não quer abrir a porta pra mim? ― Maitê sussurrou e eu não me mexi. ― Ok, então ficarei sentadinha aqui até você sair.

Em seguida, ouvi uns passos apressados pelo corredor se afastando, não demorou muito para o tique-toque do salto alto voltar.

― Filha, para com essa palhaçada já! ― ela começava a se alterar. ― É só problema, atrás de problema ― esbravejou.

― Tia, vai trabalhar... Assim, não irá ajudar em nada.

Minha mãe suspirou para logo se despedir de nós duas, não muito contente, parecia até brava com a situação.

― O que aconteceu, Dul? ― Mai perguntou do outro lado da porta.

Levantei, arrastando-me em uma lamúria, minhas mãos alcançaram a maçaneta, girando a chave, destranquei a porta. Quando avistei a morena, ela arregalou os olhos, impactada pelo estado péssimo em que me encontrava. Meu rosto deveria estar vermelho e inchado de tanto chorar, além das olheiras profundas arroxeadas.

― A minha vó estava aqui se recuperando da cirurgia na vesícula, lembra? ― Maitê afirmou com a cabeça. ― Era final de semana, tinha alugado DVD para assistir, tudo parecia bem demais...

Retornei para a cama, sendo acompanhada por ela no meu encalço, ao me sentar no colchão, fechei os olhos recordando da cena. Meu pai chegando da rua, esmurrando a porta do quarto dele em uma gritaria, irritado porque minha mãe acolheu minha avó aqui em casa. Eu me escondi no banheiro aos prantos, tentando abafar o som com a minha música preferida da vez, "No Pares."

― Foi horrível, não quero nunca mais sair desse quarto ― concluí para a minha amiga, após narrar os fatos. ― Como se, ao atravessar a porta eu estivesse voltando para aquele pesadelo. ― Uma lágrima escorreu pela minha bochecha quando a fitei.

― Sinto muito, Dul! Deve ser difícil viver assim, mas vamos dar um passo de cada vez, ok? ― ela sugeriu, com um sorriso encorajador. ― O que você quer fazer agora?

Não a respondi, apenas dei de ombros, para ser sincera não conseguia ter ânimo para nada.

― Podemos ouvir música e depois assistir ao filme que você pegou na locadora.

Na parte da tarde, após muito esforço, Mai conseguiu me convencer a almoçar e ir até a sala.

― E a sua vó? Onde está? ― ela perguntou enquanto ligava a televisão.

― A mãe a levou pra casa, depois de tudo o que aconteceu... Mas, à noite, vai conferir como ela está.

A morena assentiu, ao mesmo tempo que apertava o play para o filme começar. O título Charlie's Angels apareceu na tela e logo em seguida a voz do dublador ecoou pelo cômodo, eu sussurrei junto com ele o nome em português: "As Panteras". Já havia assistido ao filme tantas várias vezes que sabia de cor as falas.

Tínhamos esquentado a janta para comer; eu belisquei igual passarinho, ingerindo apenas um pedaço de bife e algumas batatas. Nós estávamos prestando atenção nas cenas, quase na metade do filme, quando a campainha reverberou me assustando.

― Vou atender ― Maitê respondeu após a insistência da pessoa.

― Não! ― murmurei.

Ela então espiou pela cortina da janela da sala.

― É a Júlia e o Ucker ― falou baixinho. ― Devem estar preocupados pela gente não ter aparecido.

Levantei em um pulo, desesperada.

― Não quero que ele me veja assim.

― Mas, Dul...

― Por favor! Eles vão fazer muitas perguntas. Diz que tô dormindo ou doente, qualquer coisa. ― Gesticulei nervosa.

A morena suspirou, relutante, porém concordou.

― Tá bem, fica tranquila. Já volto. ― Ela deu um jeito de abrir a porta sem fazer barulho.

Eu me esgueirei na parede, ouvindo o som abafado das vozes do outro lado. Logo, escutei a Júlia cheia de preocupação.

― Cadê a Dul? Por que vocês não foram pra aula?

― Hoje ela acordou meio indisposta, sabe? Naqueles dias, nem conseguiu sair da cama.

Senti as bochechas corarem ao imaginar a feição do Christopher ouvindo essa explicação.

― Muita cólica, e a tia me pediu para ficar de olho nela. ― Mai terminou sua conclusão, para em seguida comentar algo para encerrar a discussão. ― Amanhã, ela estará melhor!

― Ah, sim, ela poderia desmaiar igual a Camila... ― Júlia lembrou de uma situação do ano passado na escola. ― Mas, então, depois eu passo as matérias pra vocês. Puxa, ainda bem que a semana de provas está longe.

― Verdade!

― Você acha que isso impede a Dul de participar do concurso amanhã? ― ela questionou alarmada.

Definitivamente, não tinha cabeça para nada no momento, toda a minha energia parecia ter sido sugada.

― Não sei, eu espero que ela consiga ir ― Maitê respondeu sincera.

― Tomara que sim, falta apenas a última etapa.

Escutei eles se afastando logo após uma despedida e a porta se fechou atrás da morena.

― Obrigada, Mai... Eu precisava de mais um tempo ― murmurei, a gratidão se misturando com a melancolia que pesava meu peito.

Ela me encarou, seus olhos transmitiam uma empatia junto de encorajamento.

― A Júlia disse algo que me fez pensar, só falta a última etapa, o desfile. Não desperdice essa chance, é a hora de você poder mostrar todo o seu talento em uma coisa que gosta, não deixe esse momento difícil te impedir de alcançar seus sonhos, ok?


Pisquei, absorvendo suas palavras, enquanto elas ecoavam dentro de mim, mas apesar de meu esforço para compreendê-las, pareciam distantes, como se estivessem do outro lado de um abismo. Eu lutava para encontrar uma esperança em breve, pois quanto mais mergulhava no oceano de incertezas e medos, mais uma vozinha insistente sussurrava em meu íntimo: "Como poderia simplesmente superar meus demônios internos?" Um desafio constante que me assombrava. Eu me sentia acuada, igual um animal indefeso diante das garras do predador, mesmo desejando abraçar o conselho encorajador da minha melhor amiga, algo me fazia recuar para baixo. Uma força invisível me puxava, atrapalhando-me de avançar em direção à luz que ela oferecia. 

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Então estamos entrando em reta final, as coisas pra Dul não estão nada fáceis... Vamos ver se ela vai conseguir se "levantar" dessa.

Ah gente, minha amiga que faz as reviões teve bebê, ela ficou de olhar o capítulo 17 essa semana, mas não posso garantir que vamos continuar tendo toda semana. Eu espero que continuamos com as postagens normais, porém se caso não der, eu aviso vocês. Beeijos, até mais amores ; * 

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