one.mp4

244 30 3
                                    

A mulher de cabelos loiros segurava em uma das mãos um pincel e, na outra, o pó que evitava que a pele de Kelvin brilhasse demais diante das câmeras.
Já o cantor mascava um chiclete, o sabor artificial da melancia era seu favorito e sempre tinha alguma caixinha perdida no bolso.
Enquanto aguardava que o retoque da maquiagem fosse feito, Kelvin cantarolou um trecho de uma música na qual estava trabalhando e fechou os olhos, sentindo a suavidade das cerdas do pincel.
— Prontinho — a loira disse mais para si mesma do que para Kelvin.
Guardou seus materiais na pochete presa na cintura e se afastou, avisando ao chefe que sua parte havia sido feita.
Kelvin olhou ao redor, observando a quantidade de pessoas envolvidas em uma simples entrevista.
Deu uma risadinha nasalada lembrando da época que, quando submetido à essa mesma situação, ficava nervoso. Até ensaiava algumas respostas mentalmente, mas nunca se lembrava e por vezes chegava até a gaguejar.
Sempre soube que queria ser artista, mas isso não significava que estava realmente preparado para tal.
Hoje, prestes a sair em sua primeira tour mundial, reconhece sua facilidade em se comunicar. Seja através da música ou com palavras que saíam facilmente e faziam qualquer conversa fluir.
Depois de pegar o gosto por subir no palco e se permitir ser olhado por milhares de pares de olhos, uma equipe de 20 pessoas não faziam Kelvin sequer tremer.
O rapaz fez uma grande bola com seu chiclete e semicerrou os olhos com medo de estragar a maquiagem que havia acabado de ser retocada.
— Oi, Kelvin, tudo bom? Eu sou a Letizia — uma mulher aparentemente não tão mais velha que Kelvin se aproximou.
Ela devia ter exatamente a idade de Kelvin, na verdade. Vinte e seis.
O que a deixava tão… velha?
— Tudo bem, prazer — Kelvin não se levantou, mas deu um solícito aperto de mão junto com um sorrisinho que chegava aos olhos, fazendo-os virar duas meia-luas.
Devia ser o corte de cabelo, pensou Kelvin.
Aquele castanho e o cabelo de corte chanel evidenciaram as olheiras.
Enquanto pensava, os olhos de Kelvin esquadrinharam o rosto da moça, sem temor algum.
Já na cabeça de Letizia, Kelvin estava tentando intimidá-la e, no penúltimo ano de faculdade, sabia que não podia permitir aquilo.
Letizia coçou a garganta, sentando-se na cadeira preparada para si, de frente para o cantor.
— Podemos começar? — ela colocou os papéis no colo, colocando no rosto os óculos que fizeram Kelvin externalizar uma careta, que em segundos foi contida.
Kelvin nunca havia visto uma pessoa tão jovem com tanto mau gosto, a começar pelo conjunto de saia e terninho num tom mais vermelho que tomate, junto com a blusa com listras pretas e brancas, por dentro do conjunto.
— Preciso te apresentar minha stylist depois — Kelvin comentou, ignorando a pergunta da moça, mas não de propósito, estava mesmo preocupado em como alguém saía de casa assim e em sã consciência.
— Perdão?
— Larissa Castilho, minha stylist, ela é brasileira, mas também trabalha com consultorias on-line
— Ela é alguém que eu deveria falar para colocar na entrevista?
— Não, é pra você
Letizia piscou algumas vezes, confusa.
— Hã… podemos começar? — perguntou pela segunda vez, trocando de assunto.
— Quando você quiser — Kelvin assentiu, se ajeitando na cadeira.
Letizia conferiu com a equipe de filmagem se estava autorizada e, ao receber a resposta, iniciou:
— Quem é você?
Kelvin deu um sorrisinho ladino.
— Eu sou Kelvin Star — respondeu como se fosse óbvio. E não era?
— Quem é o Kelvin Star?
— Kelvin Star é um cantor, um artista, um estado de espírito, tudo o que quiserem que eu seja e tudo o que eu quero ser
— E o que você quer ser?
— Eu já sou tudo o que sempre quis
— Famoso?
— Eu sou o Kelvin Star, isso é muito mais do que só ser famoso
— Realmente, com ingressos esgotados em mais da metade das cidades onde a tour "Knocking on Heaven's Door" vai passar, acho que a palavra “famoso” vira até piada
Kelvin assentiu.
— Concordo com você
— Você é bem confiante
— Eu diria que sou lúcido, só isso
— Como assim?
— Eu sei quem sou, reconheço meu poder e meu potencial. Por que me encher de modéstia e ficar negando? O trabalho foi difícil até aqui, não vou minimizar minhas conquistas pra parecer educado
Letizia assentiu, olhando o papel.
— E como você se sente saindo em uma tour que está prevista para durar um ano inteiro?
— Pra ser honesto, estou em um grande misto de cansaço e ansiedade
— Uma mistura meio perigosa, não é?
— Eu sou determinado, Letizia. Quando quero, nada me pára
— Nada?
— Absolutamente nada — negou com a cabeça.
— E os seus ex-companheiros de trio, Odilon e Nando
— O que tem?
— Eles não te pararam por um tempo?
— Acho que a resposta fica clara quando estou aqui, na cobertura de um prédio chique, dando uma entrevista, falando sobre a minha tour internacional e eles estão onde exatamente?
— Não tenho conhecimento
— Eu também não, Letizia
— Esse tom que você usa pra falar deles é mágoa ou raiva…?
— É indiferença
— Não se sente grato por eles terem sido os responsáveis por você decidir virar o Kelvin Star?
O cantor deu risada e até parou para beber um gole de água.
— Você é engraçada, Letizia
— Não foi uma piada
— Tem mais alguma pergunta de verdade pra me fazer?
— Vai me responder?
— Se for uma pergunta de verdade, com todo o prazer
— Então eu vou refazer a pergunta: não se sente agradecido pelos seus ex-companheiros?
— Agradecido?
— Foi o que eu disse
— Gostaria de dizer que foi um prazer falar com você, mas não foi, poderia ter sido melhor
Kelvin se levantou e o local começou a se mover junto. A equipe apavorada sem saber o que fazer.
O cantor se aproximou de Natalia, sua assistente pessoal.
— Podemos passar pra tomar café, agora que temos esse tempinho sobrando?
— Kelvin, a entrevista — a mulher sussurrou para ele.
— Que entrevista? Isso aqui? — apontou para trás — Eu não vou ficar
Natalia, que já sabia que Kelvin poderia ser uma diva, nem tentou convencê-lo do contrário.
— Vai andando na frente que vou conversar com uma pessoa
— Se você remarcar essa pataquada, eu juro que falo as piores baboseiras que você poderia imaginar e mostro a bunda na janela — Kelvin deixou avisado, seguindo o resto de sua equipe para fora do local onde estava sendo realizada a entrevista.
Chegando no saguão do prédio, ouviu seu nome ecoar e olhou na direção da personificação de um vidro de ketchup que corria na direção dele.
— Kelvin, você precisa voltar
— Hum… não preciso, não — ele deu um sorrisinho, negando com a cabeça.
— Kelvin, por favor, essa entrevista é essencial para minha nota nesse semestre da faculdade. Eu preciso da entrevista completa
Kelvin tocou rapidamente o ombro da mulher.
— Você precisa de roupas novas — aconselhou como se aquilo fosse realmente útil perante a situação e, em seguida, saiu caminhando em direção ao carro que lhe esperava logo na entrada.
Assim que passou pelas portas de vidro, a multidão lá fora gritou, existiam mãos se esticando de toda parte e celulares filmando cada ângulo.
Kelvin se aproximou de uma lixeira e tirou o chiclete da boca, se preparando para descartá-lo.
Mas uma mão foi mais rápida e tirou a goma mascada de sua mão.
Kelvin olhou incrédulo para a garota que havia acabado de lhe roubar o chiclete mastigado e estava totalmente fora de si.
Kelvin não conseguiu se conter, deu risada e distribuiu acenos para todos que estavam ali, voltando a fazer o caminho até o carro.
— Agradecido — desdenhou, lembrando da pergunta de Letizia e deu risada.

SECURITYOnde histórias criam vida. Descubra agora