O início

61.6K 2.6K 435
                                    

Mais um dia de trabalho está começando, ou melhor, uma noite de trabalho. Meu despertador toca pontualmente às 00:00 e eu me levanto calmamente, pego meus chinelos e ponho um casaco, vou até minha escrivaninha e abro a última gaveta, me deparo com o anel que eu tanto ''amo'', aquele que me permite viajar entre o nosso mundo e o mundo dos mortos. Assim que o coloco, sinto meu corpo se arrepiar e tudo a minha volta perde a cor tornando-se cinza.
Não que faça muita diferença as paredes do hospício possuem um tom de amarelo vômito. E sim eu moro num hospício.

-Senhorita Collins.-fala Eliot assim me viro.

-Sério? Pra quê toda essa formalidade?-pergunto já que ele e eu sempre fomos amigos e nos tratamos como irmãos.

Ele faz uma cara retorcida e aponta para sobre meu ombro. Me viro já sabendo o que me aguarda, Hilary.

Sempre me monitorando.-penso.

Sus braços estão cruzados atrás de mim, ela usa um ter ninho preto básico e claro, saltos de 15 cm, talvez ela ache que só assim terá o nosso respeito.

Talvez ela esteja certa.

-É bom saber que está cumprindo seu horário. Seu pai nunca se atrasou.

-Será que podemos não falar do meu pai ou de como ele era o ceifador perfeito?

-Ele é, ainda não morreu.

-Ainda.

-É pra isso que você está aqui.

Solto um longo suspiro e levanto uma sobrancelha.

-Você é igualzinha seu pai Bella, inclusive a cara de irritação.

Suspiro novamente e me viro para Eliot que até esse momento se manteve calado.

-Quem é o próximo da lista?

Ele me dá seu sorriso: Essa é minha garota. Abre seu livro especial, escrito numa língua que eu não entendo e fala rapidamente:

-Elisa Montgomery, 23 anos, morte cerebral, em uns minutos a família desligará as máquinas.

-Sério? 23 anos? Odeio quando pessoas novas morrem.

-Se quer ser capaz de substituir seu pai como morte, não pode se importar com esses mínimos detalhes.-fala Hilary num tom seco.

-Você não tem coisa melhor pra fazer além de ficar me irritando?
Cadê a sua compaixão?

Às vezes eu me pergunto se ela um dia já foi humana...

Não espero sua resposta, ponho minha mão na capa do livro e sou transportada para o local onde a tal Elisa está, me sinto feliz por sair dali, um lugar na qual eu vivo a 6 anos, não por ser louca, mas pela necessidade de proteção, ser filha da morte é tão seguro quanto ser filha do homem mais rico do mundo, acredite, muitos seres querem matar e matar meu pai.

Se é que isso é possível.

Chegando ao quarto fico em silêncio, é como um sinal de respeito pra aqueles que vão partir.

Me aproximo da cama de hospital e vejo uma garota não muito diferente de mim, de cabelos loiros, um pouco mais escuros que os meus, sua pele pálida e seu corpo esquelético , vi as sombras a cercando, sugando sua vida.

Meu trabalho era garantir que as sombras não a prendessem nesse meio termo entre o mundo humano e o mundo do além, ou ela viraria uma criatura da névoa, ou como os humanos chamam, fantasma.

Olho para os parentes da garota que estão ao seu lado, todos chorando. Me aproximo dela e toco seu braço, no mesmo segundo seu espírito aparece ao meu lado e ela faz a pergunta que todos fazem:

-Porquê?

-Por que tudo tem um fim, e esse foi o seu.

Ela balança a cabeça em concordância e vai até Hilary que a abraça e a leva para.. sei lá onde.

Se tem uma coisa nos mortos que eu nunca entendi é que eles sempre sabem quem eles precisam abraçar pra seguir até o outro lado, eu já perguntei a Hilary e a os outros ceifadores, mas ninguém sabe, afinal só quem está morto passa por essa situação.

***

Cinco horas depois, cá estou eu de volta ao meu quartinho, morta de sono, é sempre assim, eu durmo das nove até meia noite e de cinco dá manhã até as sete horas, já que aqueles enfermeiros malditos nunca me deixam acordar tarde, ou seja eu não durmo, eu cochilo e muito pouco, acho que se eu fosse humana já teria enlouquecido de verdade, mas só pelo fato de eu ser uma criatura das trevas,  eu não tenho isso.

Talvez ainda me reste um pouco da humanidade deixada pela minha desconhecida mãe.

Pensar na minha mãe me dá certa tristeza, nunca vi seu rosto,  meu pai eu só ouvia a voz, ele sempre falava comigo quando eu era criança, me orientando e dizendo o que eu era e o que eu podia fazer, inclusive foi ideia dele me mandar pra cá e olha que eu tinha 15 anos.

Depois de um tempo ele parou de falar comigo e Eliot apareceu para me ajudar, agora eu tenho 20 anos e logo logo substituirei meu pai como a próxima morte.

A Filha da Morte [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now