Sala 76

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- Por que você fez isso?

- Porque eu quis provar.

- Alguém te forçou?

- Ninguém. Tudo foi feito com o meu consentimento.

- E você gostou?

- Não muito.

As mulheres se olharam por alguns segundos.

- Mas era o único jeito de saber se eu gostaria ou não.

- E você se arrepende de ter feito?

- Me arrepender? - a jovem considerou por um momento - Não me arrependo. Afinal, graças a essa experiência, agora eu sei que transar com dois homens ao mesmo tempo não me agrada.

O choque cultural e geracional era palpável. Doutora Silvia fazia sua melhor expressão neutra, mas as entrelinhas gritavam julgamento. A bíblia no canto da estante, as alianças de casamento e de bodas de prata em seu dedo, a foto da família - marido, mulher e as filhas gêmeas da idade de Aline - no aparador.

Por um momento, Aline sentiu-se exposta. Fechou o zíper da jaqueta, instintivamente.

- Olhando por esse lado, faz sentido - respondeu a doutora com um sorriso.

Agora era a paciente que julgava. Teria Silvia casado virgem? Experimentado um pau que não fosse o do marido? Realizado alguma fantasia? Teria, ao menos, se permitido ter fantasias?

- Talvez eu tente outra vez - falou mais pelo prazer de provocar do que por qualquer outro motivo.

- Por que faria isso?

- As primeiras vezes costumam ser estranhas. Às vezes, é na segunda que percebemos se gostamos ou não.

Se percebeu a indireta, Silvia disfarçou muito bem. A primeira sessão com Aline havia sido uma tragédia, as próximas foram melhores mas a verdade é que as duas eram completamente opostas. No entanto, a ideia de ter uma terapeuta que fosse uma cópia de si mesma parecia boba para a jovem.

- Faça como preferir, mas lembre-se de tomar todos os cuidados, mocinha! - O ar maternal lhe caia bem, isso era inegável.

- Pode deixar! - disse Aline enquanto se levantava da poltrona.

- Nos vemos semana que vem!

Trocaram mais uma palavra ou duas sobre o clima a caminho da porta e se despediram.

No elevador, olhou para o espelho e foi lembrada do novo corte de cabelo, agora mais prático e moderno, na altura dos ombros, aquilo deixou-a contente. Abriu sua jaqueta, até a altura do umbigo, exibindo uma blusinha levemente decotada.

Ainda que tenha sido mais uma provocação que um desejo, a ideia de ir além das primeiras vezes fazia muito sentido para Aline. Quantas coisas ela deixou de tentar de novo depois de uma primeira vez não tão legal? Aquele pensamento persistiu por toda a tarde enquanto trabalhava nas ilustrações de um novo produto. Ficou o tempo todo com o fone pra não ser incomodada, mas nem chegou a tocar alguma música.

Mais tarde em meio a bagunça de seu apartamento, a ruminação da tarde toda havia virado um compromisso: experimentar algumas segundas vezes.

Antes de dormir, já sabia a quê daria uma segunda chance e quando.

* Esse texto é o primeiro capítulo do meu novo livro "Aline".

Trata-se da história de uma jovem disposta a explorar sua sexualidade para além dos limites que a sociedade impõe.

Trata-se da história de uma jovem disposta a explorar sua sexualidade para além dos limites que a sociedade impõe

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