Capítulo VI

971 30 1
                                    



Aurélia passava agora as noites solitárias.

Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para justificar

sua ausência. A menina que não pensava em interrogá-lo, também não contestava esses

fúteis inventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema desagradável.

Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez do coração não lhe

consentia queixar-se. Além de que, ela tinha sobre o amor idéias singulares, talvez

inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça.

Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas; pois toda a afeição

que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que ela recebia. Quando se lembrava que esse

amor a poupara à degradação de um casamento de conveniência, nome com que se decora

o mercado matrimonial, tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.

Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto

assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem

amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a

ventura que foge.

Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos;

porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo

moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos.

Suspeito eu porém que a explicação dessa singularidade já ficou assinalada. Aurélia

amava mais seu amor do que seu amante; era mais poeta do que mulher; preferia o ideal ao

homem.

Quem não compreender a força desta razão, pergunte a si mesmo porque uns

admiram as estrelas com os pés no chão, e outros levantados às grimpas curvam-se para

apanhar as moedas no tapete.

Desde que se comprometeu com Amaral, pensou Fernando em cortar de uma vez o

fio que ainda o prendia a Aurélia; nessa disposição repetiu suas visitas.

Em princípio a menina cuidou que Seixas lhe voltava, e encheu-se de júbilo; mas não

durou a ilusão. Logo percebeu que não era o desejo de vê-la e estar com ela, o que levava o

moço à sua casa; pois os poucos instantes de demora passava-os inteiramente distraído e

como perplexo.

- O senhor quer dizer-me alguma coisa, mas receia afligir-me, observou a menina

uma noite com angélica resignação.

Fernando aproveitou a ocasião para resolver a crise.

- Meu voto mais ardente, Aurélia, sonho dourado de minha vida, era conquistar uma

posição brilhante para depô-la aos pés da única mulher que amei nesse mundo. Mas a

fatalidade que pesa sobre mim aniquilou todas as minhas esperanças; e eu seria um egoísta,

Senhora- José de AlencarOnde histórias criam vida. Descubra agora