Caminhando devagar, mãos nos bolsos

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À tarde não choveu. As nuvens carregadas iam e vinham sonolentas como se ao sopro de algum gigante. Lília foi à casa de Tampinha. Lá estavam Tereca e Tunica. Ouviram música, falaram de teatro, poesia, tomaram café. Mas, mesmo assim, as horas não passavam.

- O dia está caminhando nas costas de um caramujo - falou Tampinha.

Às quatro horas, Lília voltou para casa. Caminhando devagar, mãos nos bolsos. A temperatura tinha caído, Ouro Preto parecia Londres - foi o que pensou a menina, imaginando que um tempo daqueles deveria inspirar os fantasmas a darem umas voltinhas para assustar o pessoal.

Ouro Preto era mesmo uma cidade encantada de um conto de fadas. Das lojas, portas e janelas, abertas para a rua, emanava um cheiro misterioso. Mofo? Não era isso. Era cheiro de coisas antigas, de lembranças: "Se saudade tiver cheiro, esse é o cheiro da saudade" - pensou, correndo o dedo sobre uma parede áspera.

Lembrava-se de que, antes de conhecer Ouro Preto, muitas pessoas tinham tentado descrever-lhe o lugar. Mas, por mais detalhes que dessem, não conseguiam transmitir a coisa como realmente era. Por quê? Ou eles não sabiam mesmo descrever, ou Ouro Preto era mesmo uma cidade indescritível? Dentre as amigas, lembrava-se de Laís, a bonita garota de longos cabelos cor de ouro. Esperta, inteligente, Laís morava no Pacaembu. Por que estava pensando em Laís naquele momento? Porque, uma vez, Laís tinha falado sobre Ouro Preto. Conseguiria Lília fazer a amiga sentir a terra dos inconfidentes? Como? Explicando que as casinhas eram geminadas, quase todas se erguendo sobre porões habitáveis onde havia lojinhas, butiques, restaurantes e barzinhos? Não bastava! Dizer que os casarões emendados tinham caras de vovós tomando o sol do inverno? Também era pouco! Que a cidade era quase um único telhado marrom-chocolate com pontos esbranquiçados, como tortas de chocolate com chantilly? Verde também existia em toda Ouro Preto. Verde sob a forma de árvores nos pomares ocultando, parcialmente, fachadas, verde nas sarjetas, verde emergindo como tufos de avencas ou tímidas samambaias entre pedras, nos campos, nos morros. Sem dúvida, o barroco era a linfa que sustentava aquele encantado mundo de casinhas de boneca. Pareciam brincar na montanha-russa para baixo, para cima, para baixo, para cima... Seria suficiente explicar à Laís: "Imagine que você acaba de entrar em um presépio". Talvez, fosse mesmo esse o melhor modo de definir aquele mundo de portinholas, janelões, grades de ferro, pedras entalhadas, porões escuros, torres, sacadas, cores contrastantes, muros, obeliscos, lampiões, lanternas, chafarizes, bancos pesadões, praças irregulares, ruas estreitas, ladeiras em curvas apertadíssimas, que faziam com que os motoristas segurassem firme o breque do carro nas descidas. Era um mundo de torres de igrejas erguidas aqui e ali, por toda a parte. Ouro Preto era tudo aquilo, enraizado no ouro que ainda dormia debaixo daquela terra improdutiva para a lavoura.

Enrugando a testa, Lília deu uma olhada para a frente e suspirou:

- É isso que vou tentar contar pra Laís!

Chegou ao sobrado quando estava batendo cinco horas.

Banho, jantar, escureceu. Lília continuava pensando em Dirceu. A conversa com Tampinha a respeito da namorada de Belo Horizonte continuava em sua cabeça. Dirceu teve... ou continuava tendo uma namorada?

Lília acabou concluindo que deveria tocar no assunto assim que tivesse a primeira oportunidade.

Jantava-se cedo em casa de tia Ninota. Às quinze para as seis, as duas já estavam sentadas à mesa grande, na cozinha. Candinha havia feito sopa de legumes.

- Para esquentar e tirar a friagem - brincou ela, ser vindo boas conchadas.

Lília e tia Ninota conversaram animadamente. A velha comentou sobre o teatro - tinha gostado e reconhecia em Dirceu um moço de valor. Lília pensou que ela estivesse abrindo caminho para falar de outros assuntos, mas a tia não disse a palavra namoro. A sobrinha ficou ressabiada. Por que a tia não fazia sermões, não insistia? Fosse dona Flávia, não perderia a oportunidade.

Já estavam na sobremesa, o telefone tocou.

- Pode deixar que eu atendo, titia - ofereceu-se Lília, disparando para a sala.

Apanhando o fone, colocou-o no ouvido. O rosto abriu-se em um sorriso largo.

- Papai!

- Oi, filha! - respondeu a voz do outro lado. - Como está?

- Bem, e você? E mamãe? O que aconteceu?

- Não se assuste, filha, está tudo bem! Apenas saudade, acho. Estou sentindo falta de você.

- Também estou com saudade de você, papai. Está em casa?

- Não, ainda estou no consultório.

- E... mamãe?

- Também muita saudade. Não vê a hora de você voltar.

Lília ficou pensativa: "Será que a mãe não via a hora de ela voltar por causa do Marcos César?" Já ia abrindo a boca para perguntar; porém, preferiu não tocar no assunto. Então, contou ao pai que lhe havia postado uma carta de manhã. Depois, falou da tia, do grupo teatral, de como era bom viver em Ouro Preto. Terminou com um suspiro:

- Sabe, papai, eu adoraria poder continuar meus estudos... aqui. Você não concorda?

Uma longa pausa do outro lado. Ela percebeu que o pai havia sido apanhado de surpresa.

- Depois que você voltar, a gente conversa sobre esse assunto, está bem? Vamos esperar você no aeroporto, domingo à noite, conforme o combinado. Certo?

- Está bem, papai - respondeu, reticente, porque havia-lhe faltado coragem para pedir para ficar mais uma semana. - Um beijão pra você. Gosto muito de você, sabe?

Recolocando o fone no gancho, ficou pensativa: "Pedir para ficar mais?" Pedir envolveria explicações. A mãe pediria contra-explicações e recomeçaria o atrito entre as duas. Lília ficou longamente olhando para o telefone. Esperava que o pai compreendesse que Ouro Preto estava sendo para ela mais do que um simples passeio de alguns dias de folga.

A ladeira da saudadeWhere stories live. Discover now