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14 de março 

            Um incomum sentimento de nervosismo atravessou o meu corpo no momento em que a buzina de um carro penetrou os meus ouvidos. Sem grandes demoras, agarrei no meu casaco de ganga e corri até à porta, despedindo-me da minha família com um apressado "até logo". Michael encontrava-se do outro lado do portão de minha casa, dentro da carrinha dos seus pais. Ele batucava o volante, balançando a cabeça ao ritmo da música que as colunas do carro emitiam. Só quando abri a porta e deslizei para o lugar do pendura é que o rapaz de cabelo tingido abriu os olhos.

            – Pronta? – ele questionou. Um sorriso malicioso bailava-lhe nos lábios carnudos.

            – Sim. – encolhi os ombros, soltando um pequeno suspiro de descontentamento. Michael revirou os olhos e rodou a chave na ignição, colocando o motor do veículo a funcionar.

            Sem saber onde colocar as minhas mãos, segurei o tecido do casaco, pousando-o no meu colo. Os meus pés balançavam furiosamente contra o tapete escuro do automóvel e os meus olhos não despregavam da estrada que se alongava à nossa frente. Havia um cheiro forte a perfume e percebi que Michael tinha exagerado na fragância, contaminando assim o ambiente com aquele aroma quase insuportável. Ele vestia as suas habituais skinny jeans negras e envergava uma t-shirt escura, onde um casaco de cabedal vermelho dava um toque agressivo ao visual. Todo ele parecia uma estrela rock, com o cabelo loiro espetado e o tom pálido da pele, que contrastava de uma forma quase artística com os tons escuros que vestia no corpo. Já eu, da forma mais simples possível, vesti uma saia preta que acabei por encontrar no fundo do armário e uma camisola de lã branca, que me ajudaria a proteger dos gélidos ares de Março. Uns collants escuros e umas botas da mesma tonalidade acabaram por completar o meu visual.

            Chateada com o rubor que havia aquecido o meu rosto, desci completamente a janela e pousei os meus braços junto desta, inclinando a minha cabeça na direção daquele vento fresco que levantava os meus cabelos ondulados e os balançava ritmicamente. A paisagem acabou por se tornar um grande borrão e, portanto, fechei os olhos e deixei-me embalar pela calma que assolava cada músculo do meu corpo. A música que tocava no rádio era agora um pouco mais mexida, e, por breves instantes, imaginei que era a personagem de um filme.

            – Tu estás bem? – a voz de Michael destruiu aquele relaxante momento, obrigando-me a abrir os olhos para o encarar. Ele suspirou.

            – Não. – respirei fundo, vestindo o casaco com algum desajeito. – Podemos voltar para casa?

            – Isso está fora de questão, Soph. – afirmou, travando o carro à frente da habitação onde a festa decorria. – Vá lá, eu prometo que te vais divertir.

            – Tu vais estar mais ocupado a curtir com a Lillian do que a assegurar que cumpres essa promessa. – voltei a revirar os olhos, desta vez abrindo a porta que me conduziria até ao passeio. Assim que pisei a relva do jardim da casa da namorada de Michael, estaquei, fitando o enorme número de pessoas que se aglomerava à frente do alpendre. A música eletrónica que tocava encontrava-se num volume tão alto que com certeza incomodaria a vizinhança, no entanto, não existiam sinais de carros policiais ou de homens a gritar em roupão. Apesar de todo aquele ambiente pesado, a noite encontrava-se no auge da sua beleza; os pontinhos luminosos que decoravam o céu negro brilhavam com intensidade e nem uma única nuvem se fazia notar naquele negrume. Só a lua, essa, parecia nunca querer desaparecer da minha vista enevoada.

            – Vamos lá. – Michael pousou a sua mão no fundo das minhas costas e encaminhou-me até à entrada, exibindo com orgulho a beleza que o iluminava naquela noite. Ele caminhava com altivez, de cabeça erguida, parecendo muito satisfeito por estar ali. Já eu, avançando a seu lado numa postura desleixada, não parava de repetir que aquilo era um erro; eu não devia estar ali.

Naive ಌ l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora