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Dentro do palácio, parei atrás da minha senhorita, grata por outra pessoa ter vindo pegar o casaco dela. Eu temia que ela pudesse ler meu olhar se me aproximasse demais.
Aspen se afastou para falar com um superior, e a senhorita América foi conduzida até uma recepção de boas-vindas.
Ninguém notou quando escapei para o Grande Salão. Dali poderia seguir para o corredor através de uma porta lateral e voltar a ser invisível.
Tentei não deixar a frustração tomar conta de mim. Pelo menos eu tinha casa. Meu pai ainda estava por perto. Eu havia provado o amor duas vezes na vida. Não durou, mas era mais do que Mary e Anne jamais tiveram.
Eu deveria ser grata.
Mas eu estava cansada de agradecer por uma vida vivida pela metade.
Segui pelas escadas para o andar de baixo. Quando cheguei ao fim, notei que a sala de convivência estava vazia. Eu estava só, final. Desabei sobre uma das cadeiras antigas, frágil e puída, e deixei virem as lágrimas. Enterrei o rosto entre as mãos, tentando segurar e soltar tudo ao mesmo tempo. Deus, como doía. Doía pensar nos lábia dele nos meus, em todas as possibilidades que me sussurrara em cômodos escuros. Ele parecia tão real, tão possível.
Mas eu estava me enganando. Tinha sido tão fácil me agarrar a ele depois de anos de tristeza; fora como o brilho da Estrela do Norte do meio da noite.
Simplesmente não era para ser. Não para alguém como eu.
Não importava.
Era hora de me livrar das esperanças a que eu tinha me apegado e encarar o que esteva por vir. Eu trabalharia como criada até não ser considerada bonita o bastante ou apta o bastante para ser um dos rostos do palácio. Quando isso acontecesse, eu passaria a fazer partida equipe da lavanderia. Cuidaria do meu pai até o fim de seus dias e dedicaria a vida a serviço da coroa. Isso era tudo o que eu tinha.
- Lucy.
Levantei a cabeça com tudo. Aspen tinha se aproximado. Sacando as lágrimas, levantei e comecei a caminhar em direção ao alojamento das criadas.
- Por favor, me deixe em paz. Isso só vai piorar as coisas.
- Eu tentei falar como ela, mas ela está com medo de enfrentar o Maxon. Ela está pronta para ouvir. De manhã, garanto que ela vai saber que já seguir em frente.
- Se você tem um pouco de consideração, não faça isso comigo. Você sabe que já sofri o bastante. Não preciso de outra mentira.
Eu já tinha caminhado atento meio da sala quando Aspen agarrou meu braço e me obrigou a encará-lo.
- Não é mentira, Lucy.
Eu queria acreditar, aceitar a expressão do seu rosto como verdade. Mas como poderia, se ele tinha guardado esse segredo, se ele tinha prometido dar um jeito e fracassado.
- Vou odiar você para sempre por partir meu coração - jurei. - Mas vocês sabe o que é pior?
Aspen negou com a cabeça.
- O pior é que vou amá-lo para sempre também. Você salvou minha vida. Eu estava me escondendo dentro de mim mesma, e você me fez parar com isso. Essa é a pior parte.
Ele arregalou os olhos, pasmo.
- Como? Como salvei você?
Dei de ombros.
- Simplesmente por existir. Você perdeu seu pai, eu perdi minha mãe; nos dois tivemos que nos virar quase sem nada. Vimos os rebeldes de perto. Fomos obrigados a guardar muitos segredos. Mas você não deixou abalar por isso. Pensei que se você podia me manter forte, eu também podia.
Olhei para cima, com ódio de mim mesma por ter tanta vontade de ver o rosto dele. Fiquei chocada ao ver seus olhos cheios de lágrimas.
- Minha mãe nasceu Quatro - ele confessou - Abriu mão de tudo para ficar com meu pai. Às vezes eles conversavam sobre o começo do casamento. Sem casa, mas com um sorriso no rosto.
Ele balançou a cabeça; seus lábios quase se ergueram num sorriso.
- Ele abriu mão de tantas coisas por ela. - Aspen retomou. - Usava sapatos quase sem sola, mas então dobrava a esquina e lhe comprava uma laranja. Ela adorava laranjas. Quando ela tinha que trabalhar mas estava doente, ele cumpria as tarefas dela e as dele, mesmo que isso significasse passar dias sem dormi. E minha mãe? Foi abandonada pela família. Trocou uma vida limpa e segura por um apartamento abarrotado de crianças. E depois ele morreu, ela continuou a se sacrificar.
Aspen aparou, talvez triste por ela ou por seu pai. Talvez apenas por si mesmo.
Ver o lábio dele tremendo era demais para mim, e voltei a chorar.
- Então esse é o único tipo de amor que conheço na vida. Quando você ama alguém, você se sacrifica. E eu me negava a deixar os outros se sacrificaram por mim - ele insistiu, pondo um dedo no peito - Eu queria ser o herói. América e eu brigávamos o tempo todo por causa disso. Ela estava disposta a descer uma casta por mim, mas eu não queria deixar. Eu queria ser o único a ceder, o único provedor, o único protetor. E então me dei conta de que de alguma forma tinha conseguido isso sem fazer nada.
Aspen ergueu os braços e os deixou cair, como se estivesse muito cansado.
- E você provavelmente não faz ideia - ele sussurrou - mas faz o mesmo por mim.
Enxerguei-o todo embaçado por causa das lágrimas.
- Como assim?
Ele enlaçou os dedos nos meus.
- Todo dia você diz ou faz alguma coisa que me desafia me transforma. Você acha que anda, Lucy? Pois eu acho que você voa. Você se vê de uniforme? Eu vejo você numa capa. Você é uma heroína, uma heroína da natureza mais discreta e autêntica.
Olhei fixamente para o chão. Ninguém falava de mim daquela maneira. Eu era apenas uma criada. Apenas uma Seis. Não era importante.
Sentir os dedos soltarem minha mão e segurarem meu queixo, pedindo - não forçando - que eu olhasse para ele. E olhei.
- É por isso que você não pode desistir. Heróis não desistem.
Tentei disfarçar o sorriso mordendo a bochecha.
- Vice me tornou melhor. E eu quero ser melhor por você. Quero ser o melhor com você.
Me equilibrei na ponta dos pés e encostei a testa na dele.
- Mas você já é o melhor, Aspen. Do jeito que você é.
A respiração dele vacilou.
- Isso significa que estou perdoado?
- Quero ser sua - desabafei. - Você sabe. Desde o começo.
Ele sorriu, e havia uma ponta de malícia nesse seu sorriso.
- Verdade. Nunca vou esquecer.
- Nem eu.
Horas depois de a senhorita América ter anunciado que ficaria no palácio que iria lugar, decidi lutar também. Quando encontrei Aspen numa de suas rondas naquela noite, balbuciei um convite torto para comermos juntos. Ele pareceu tão impressionado que quase lhe dei as costas e saí correndo. . . mas então ele disse sim. E desde então tenho encarando tudo de peito aberto. Minhas ansiedades, minhas esperanças, meus sentimentos.
Aspen por outro lado. . .
Recuei e olhei bem fundo nos olhos dele.
- Eu te amo, Aspen. Tenho mais certeza disso do que de qualquer coisa. Mas não posso ficar com você se você ainda estivesse preso à senhorita América.
Ele fez que sim com a cabeça.
- Sei que eu disse que sempre sentiria algo por ela, e é verdade. Fomos íntimo demais para isso não acontecer. Mas tudo o que sou é seu. E prometo: amanhã de manhã, haja o que houver, vou consertar as coisas.
Não duvidei de suas palavras. Podia perdoar seus erros, e ele perdoaria minha raiva, e no dia seguinte recomeçaríamos do zero. Porque, de verdade, havia muito tempo pela frente.
- Por favor, não me decepcione - falei baixinho.
- Nunca - ele jurou,, levando a boca em direção a minha.
Tive vontade de ficar ali à noite toda, abraçada com Aspen, sentindo a promessa se concretizar dentro dele. Aspen me puxava para si, e o mundo parecia belo e seguro.
Um assobio baixo chamou nossa atenção.
- Ah, olá, soldado Avery - gaguejei, me afastando e ajeitando o vestido. - O soldado Leger e eu, hã, estávamos. . . Hum. . .
Olhei para Aspen pelo canto do olho. Ele apenas sorria.
- Olha, eu sabia que isso ia acontecer há semanas, então não precisa me explicar nada - o soldado Avery disse, sorrindo, enquanto atravessava a salada e convivência.
- Já vai para a cama? - Aspen perguntou.
Ele agitou o braço ao redor.
- Você não percebeu? Estamos todos em alerta. Esqueci o sinto. Vou pegá-lo e ir direto para o meu posto. O anúncio será amanhã de manhã, então todos estão trabalhando.
Cobrir a boca, chocada e empolgada e aterrorizada ao mesmo tempo. Teríamos uma nova princesa no dia seguinte!
- Sei que você acabou de voltar, mas está de guarda está noite, fazendo a segurança da senhorita America.
Avery deu um tapinha simpático no ombro de Aspen antes de partir para o quarto.
  Aspen olhou para mim.
  - Acho que isso quer dizer que vou resolver a questão logo cedia
  Ri, com a sensação de que nada podia me conter, nem as muralhas do palácio, nem as costuras do meu vestido.
  - Eu te amo, Lucy. Você cuida de mim, eu cuido de você?
  Não era uma promessa, mas um convite. E eu fiz que sim com a cabeça, aceitando, dando o primeiro passo rumo à um futuro maior do que qualquer um de nós havia imaginado.

A Criada - Kiera CassOnde as histórias ganham vida. Descobre agora