O Fantasma de Ogden

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"Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar."

William Shakespeare

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Recuei vários passos, balançando a cabeça, sentindo o pânico tomar conta de mim.

Não podia ser...

Era impossível.

Howard se aproximou, o que me fez agachar num cacoete para recuperar a varinha que deixara derrubar.

- Não... - apertei-a na mão, sentindo meu braço adormecer mesmo assim - não pode ser... você está...

- Morto? - o cadáver fantasmagórico encovou os olhos - não exatamente, Helena... nunca poderei descansar...

Arregalei os olhos. Descansar? Howard não era sólido, mas tampouco parecia um fantasma.

- O que é você? - murmurei, antes de perceber o quanto estava fazendo papel de ridícula, falando com aquele desgraçado como se fôssemos velhos amigos - não importa! Quero que saia da minha casa! Volte para o buraco de onde veio! Nada aqui lhe pertence mais!

Howard baixou a cabeça, fazendo a mandíbula tremer ameaçadoramente pra a frente. A pouca coragem que eu havia reunido se dissipou.

- Realmente... nada... - ele sussurrou, me encarando - estou condenado a vagar por este mundo, invisível aos olhos de outros, para pagar pelos meus erros...

- Isso não me diz respeito algum, Ogden - tentei ao menos fingir um rosnado - você nem sequer merecia ter tido a chance de surgir nesse plano de existência... por mim, você pode vagar por esse mundo pela eternidade.

- E ainda assim não será suficiente - retrocedi mais alguns passos, observando Ogden tremeluzir diante da luz de minha varinha - você devia ter sido protegida... devia ter sido o que era para ser... - o rosto esquelético se contraiu - de todos os meus erros, os piores foram cometidos com você.

Trinquei os dentes, a raiva sobrepujando o pavor que me consumia.

- E só agora você me vem com essa patacoada, Ogden? Precisou morrer para descobrir isso, seu infeliz?? - exclamei, sentindo o sangue correr por minhas veias.

A presença dele não só me repelia, mas também trazia de volta lembranças que eu decidira manter enterradas em minha mente. Por que diabos aquilo estava acontecendo? Como? Por quê?

A única coisa que eu queria era que aquela aparição horrível desaparecesse.

- Afinal - guinchei, fitando-o - por que veio aqui? Quer me torturar mesmo em morte? Vai transformar minha vida num inferno outra vez? Vai, Ogden?

O vulto reergueu a cabeça, olhando para mim.

E, para minha surpresa, vi um mínimo espasmo de tristeza encolher os nacos de pele no rosto cadavérico.

- Vim lhe dar um aviso, Helena... eu já estou condenado, e você sabe por que... as coisas que fiz... nunca terão perdão... não posso... corrigir o que fiz - ele recolheu o braço, fazendo as bandagens tremularem - mas você... você ainda pode escapar...deste destino...

Retraí o corpo, pasma.

- Destino? - resmunguei - que destino?

- O de cometer... os mesmos erros que os meus - o fantasma gemeu - de ter... esse mesmo fim que o meu..

Um Conto de NatalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora