Novos sentimentos velhos

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Depois de tomar um banho e trocar de roupa, Darcy sentia-se refeito. Seu humor era um dos melhores dentre os que pôde experimentar em toda a sua vida. Talvez até tivessem existido alguns períodos mais felizes, entretanto ele não recordava-se de nenhum deles.

Perdera a mãe no parto de sua irmã, e seu pai partira desta vida quando Fitzwilliam ainda era apenas um menino, obrigando-o a assumir as responsabilidades como Sr. de Pemberley precocemente, inclusive no que tocante à educação de Georgiana. Em sua solitária jornada, não havia muito espaço para diversões.

Até mesmo os frequentes bailes da sociedade, que deveriam entreter, aborreciam-no. A hipocrisia era sempre a convidada principal, e ela nunca faltava. Sempre encontrava jovens dispostas a casar a todo o custo, e mães que negociavam as filhas como se fossem uma bijuteria barata. Em resumo, os bailes nada mais eram do que grandes mercados de casamento, e isso repugnava-o. O cúmulo de tudo isto era que justo ele — Fitzwilliam Darcy — costumava ser o alvo preferencial, afinal, as suas dez mil libras anuais o tornavam um excelente partido. Sendo assim, ele preferia viver recluso à fazer parte deste "comércio de donzelas", optando pela companhia dos livros.

Logo que recobrou a consciência após o acidente a cavalo, Fitzwilliam imaginou que não poderia se sentir bem enquanto não recuperasse a memória. Parecia-lhe crucial que apenas ao retirar o obscuro véu que encobria-lhe as lembranças dos 18 aos 29 anos — sua idade atual —, seria capaz de recuperar a paz de espírito.

Entretanto, ele percebia que recuperava-a antes deste fato ocorrer, e até imaginava que algo no olhar de uma certa dama fazia-o sentir-se assim, mais otimista... Talvez a franqueza estampada nos expressivos olhos de sua esposa fossem os alicerces de seu ânimo revigorado.

Apesar da falsidade social que o rondara desde que se conhecia por gente, Elizabeth não parecia ter sido contaminada por ela. Nem tudo estava perdido, afinal.

Assim pensando, ele decidiu que iria passear pela galeria de sua propriedade, que nada mais era que um vasto corredor repleto de quadros nas paredes. Alguns quadros eram obras de pintores famosos, e outros eram retratos de seus parentes. Mas Darcy deparou-se com uma imagem que ele não havia percebido até então: um quadro representando Elizabeth.

Ficou ali parado, como se estivesse hipnotizado pela obra. Era uma pintura muito fiel àquela que o inspirara, justamente o que o tornava um quadro belíssimo. Apenas os olhos não faziam jus aos de Elizabeth. Os contornos e os longos cílios negros estavam bem reproduzidos ali , mas seria humanamente impossível transmitir o mesmo brilho e a mesma vivacidade de sua dona.

Um período indeterminado se passou enquanto Darcy observava a pintura. Ele não saberia definir se haviam transcorrido alguns poucos minutos ou uma eternidade. A única certeza era a de que havia perdido a noção do tempo enquanto contemplava aquela obra de arte.

Tanto era assim que apenas após a terceira vez que o chamara, a governanta, Sra. Reynolds, conseguiu trazê-lo de volta à realidade:

— Sr. Darcy! — erguendo o tom da voz — O Sr. e a Sra. Bingley chegaram e encontram-se na sala de visitas.

Ela estava prestes à retornar aos seus outros afazeres, quando a voz grave e marcante do patrão a deteve:

— Sra. Reynolds, saberia informar-me onde se encontra a Sra. Darcy? — questionando-a inclusive com o olhar.

— A senhora está recebendo-os, senhor. Necessitas de algo mais? — era a vez dela retribuir-lhe o olhar questionador.

— Não, obrigado. Pode retirar-se. — ele finalizou, satisfeito com a informação.

A experiente serviçal pediu licença e saiu após fazer uma respeitosa reverência.

Darcy partiu à passos largos rumo à sala de visitas. Ele precisava ser receptivo com os visitantes e o mais importante de todos os motivos possíveis: ela estava lá...
 
                                                                                             ***
Lizzy sorria à vontade, assim como os Bingley. Entre chás, bolos e outras guloseimas, eles conversavam sobre o cotidiano, e Elizabeth sempre tinha algum comentário espirituoso capaz de contagiar todos à sua volta.

Georgiana fora chamada e já começava à descer as escadas para recepcionar seus queridos amigos, quando deparou-se com o irmão, que seguia pela lado oposto do corredor. Estendendo o braço para ela, Fitzwilliam disse:

— Vamos juntos, minha menina. — esboçando um discreto sorriso.

Ela aceitou o gesto de carinho, e ambos desceram de braços dados. Elizabeth e o casal animaram-se com a chegada dos outros moradores da casa.

Elizabeth e Darcy apenas observavam-se em silêncio. O coração dela agitava-se dentro do peito, sentindo o mais puro deleite. Aquela expressão no rosto dele ela conhecia de longa data, e era das mais favoráveis. Uma mensagem muda, mas que dizia muito de um para o outro. Os demais ocupantes do recinto permaneciam alheios à tal evento, e por instantes os dois estavam igualmente alheios aos demais. Esse momento era só dos dois. Apenas o comentário de Bingley foi capaz de quebrar o encanto:

— Agora o nosso seleto grupo está completo! —, exclamou, levantando-se do sofá em respeito à chegada de Georgiana.

Os irmãos abriram um sorriso e aproximaram-se. Darcy sentia por Bingley a mesma empatia que sentira das últimas vezes em que se viram. Tomaram seus lugares nas luxuosas poltronas próximas.

À certa altura da conversa, Jane e Bingley se entreolharam. Era chegado o momento da revelação:

— Meus amigos, a minha visita tem um motivo especial. Não que visitar pessoas tão queridas exija alguma desculpa ou algum acontecimento, mas desta vez a minha vontade e de minha adorada esposa de revê-los — Bingley fitou Jane com ternura neste instante — coincidiu com uma notícia deveras importante... — deixando para ela a tarefa de terminar a frase.

— Estou grávida! — Jane completou, sorrindo abertamente e com os olhos marejados de lágrimas.

Seguiram-se abraços calorosos entre todos os que estavam ali presentes. Lizzy e Jane sorriam emocionadas e cúmplices: ambas estavam grávidas!

Charles parecia eufórico. A alegria que sempre lhe fora uma forte característica transbordava ainda mais intensamente. Ele exalava felicidade por todos os poros. Abraçou o amigo com a camaradagem de antes, como se Fitzwilliam ainda fosse o mesmo. Inicialmente um pouco intimidado, Darcy logo reacostumou-se com a espontaneidade de Bingley, deixando-se contagiar pelo genuíno clima de alegria que o momento proporcionava.

Georgiana também distribuía sorrisos pela sala, em torno dos casais, felicitando Bingley e Jane. O momento tenso ficou por conta do abraço trocado entre Elizabeth e Bingley: Darcy fechou o semblante imediatamente.

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