Prólogo: O cão do inferno

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Audio-drama:

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O andar estava fatigante. Cada passo se tornava mais pesado que o anterior. A cada passada, o corpulento homem esbravejava mentalmente injúrias contra si mesmo. Merda! merda! merda...  Como se já não bastasse a lentidão ao se esgueirar pelos esgotos, a respiração dele também se tornava uma tarefa cansativa. Estava ferido. De repente, foi acometido por uma leve vertigem. A visão ficou turva, obrigando-o a parar. Por pouco o corpo dele não desaba. Com o braço direito, escorou-se nas úmidas paredes, repletas de fungos e lodo. Como? Como pude ser tão desprevenido?

Sentindo que as pernas não o sustentariam por mais tempo, deu de costas com a parede e agachou-se lentamente, sentando no chão. Devo tê-lo despistado!  Ao levar a mão direita junto ao abdômen, encontrou o ferimento. Um corte não muito profundo, sequer parecia relevante. A face do homem se contraía em dor e os olhos estavam cintilando ódio. Como pudera ser ferido? A couraça que usava era praticamente impenetrável. Em anos de trabalho, nunca houve ataque capaz de lhe transpassar.

Se não fosse sua experiência em batalha, bem provavelmente já estaria morto, cortado ao meio. A criatura que estava caçando aparentemente conhecia bem aqueles esgotos, e aguardou o momento certo para desferir-lhe o golpe. Mas os reflexos dele foram mais rápidos que o ser desconhecido. Segundos antes da coisa lhe acertar, jogou-se para trás, evitando assim danos letais. Era o que pensava.

O sangue não parava de brotar do pequeno corte. Embora não soubesse o porquê, sabia que, se a hemorragia continuasse, morreria em poucas horas.

Abriu a palma da mão esquerda. Da ponta dos dedos polegar, indicador e médio brotaram pequenas chamas azuladas. Ainda possuía três tiros, apenas três para matar a criatura e levá-la para o inferno. Três... Vão ter que dar pro gasto - pensou

Recostando a cabeça na parede, suspirou. As mãos estavam trêmulas. Uma ajuda não seria tão ruim, pensou, retirando algo semelhante a um celular do bolso. Infelizmente o aparelho estava quebrado, provavelmente resultado de seu último embate com aquela coisa. Merda, acho que dessa vez estou realmente fodido.

Na própria mente, traçou um rápido estratagema. Só teria uma chance, uma única opção. Iria atraí-la para si, e descarregaria os disparos restantes na cabeça dela. Decidido, levantou-se. Usando a mão direita, pressionou o corte com mais força. Devia estancar a hemorragia o quanto podia. Tomou fôlego.

- Vem pra cá, seu merda. - Gritou. - Vou te mostrar do que um Cão do inferno é feito. - Olhou em volta, buscando localizar a criatura. - Vamos, venha me peitar. Não vou cair no mesmo truque duas vezes!

As provocações continuaram. Andou com o ombro encostado na parede. As galerias do esgoto pareciam não ter fim. Estranho, nenhum rato ou barata...

Sentiu uma presença. De forma voraz, a figura saltou das águas imundas e, de imediato, como uma animal selvagem, partiu para o ataque. Sem opção, o homem retirou a mão do ferimento, bloqueando a criatura com seu enorme antebraço. O sangue jorrou violentamente. Empurrou-a para trás. Levantou a mão esquerda, apontando o dedo indicador como um revólver. Na mesma hora, a chama azul acendera na ponta. O fogo se converteu em uma energia negra e rapidamente tomou forma de uma pequena esfera.

- Engole essa, desgraçado! - Disparou. Um som seco e alto ecoou pelos túneis. A esfera negra perfurou o crânio da criatura, saindo do outro lado. Resultou em um rombo gigantesco, que ia do topo da cabeça até a nuca.

- Está feito! - O homem vangloriou-se, admirando o corpo morto. Mais uma vez, levou a mão até a ferida. Já havia perdido muito sangue, mas podia aguentar. - Isso explica o sumiço dos ratos...

Inclinou-se, a fim de ver qual ser acabara de matar.

- Um vampiro? - Disse, surpreso. Um vampiro fora capaz de causar o ferimento. Seria uma nova espécie?

A pele do morto-vivo era completamente pálida. Chegava a ser transparente, deixando à mostra as finas veias azuis do corpo.

- Vejamos. Sem pelos... Sem genitália... - inclinou-se mais. Segurando a cabeça do cadáver, analisou os olhos e a arcada dentária. Os globos oculares eram minúsculos, completamente negros, e os dentes eram pontiagudos e afiados, tal como os de um tubarão.

- Merda. Vou ser motivo de chacota. - Gargalhou - Um Cão do inferno ferido mortalmente por uma merda de vampiro. Essa carcaça deve tá velha. - Disse, batendo três vezes na couraça.

"Grrrrrrrrr". Dois vampiros rosnavam nas extremidades do túnel. Estava cercado por ambos os lados. Direita e esquerda, não havia escapatória. Uma armadilha, estranhou. Nunca ouvira nada sobre vampiros atacando em bando. Isso era impossível. Em geral eram como animais selvagens, movidos por puro instinto, sem qualquer capacidade de raciocínio. Monstros com uma sede de sangue incontrolável. Uma vez que encontram uma presa, mesmo que fosse um dos seus, apenas saltam em direção a ela. Mas não era isso que estavam fazendo.

As criaturas permaneciam imóveis, observando-o com seus pequenos olhos. Tomara que sejam apenas mais dois. Pareciam esperar que o Cão do inferno se movesse, que cometesse um algum deslize, uma brecha, talvez... E, então, elas avançaram, sem aviso algum, correndo como lobos, com seus longos e finos braços ao chão - Ele se preparou.

- Venham, seus merdas! - Novamente, cerrou o punho, deixando o indicador e o polegar esticados. Tinha mais dois tiros e iria utilizá-los.

Os vampiros saltaram. Sem perder tempo, o Cão do inferno foi guiado por uma percepção aguçada, executando movimentos precisos. Mesmo ferido e utilizando apenas uma mão, ainda era um homem perigoso. Disparou a esfera de energia negra no vulto da direita, atingindo-o no ar. O tiro pegou em cheio na barriga dele, e um enorme buraco se formou. As tripas e vísceras espalharam-se por todo canto. Repetindo o processo, mirou no vampiro da esquerda, mas, infelizmente, a mão voltou a tremer e a visão escureceu. Errou, e a esfera passou longe da criatura, acertando o teto e abrindo um rombo gigantesco. Rapidamente recobrou os sentidos. Reuniu forças, levou braço e corpo para trás, desferindo um gancho de direita, com toda força que possuía, na face do morto-vivo, segundos antes de ele o alcançar. A mandíbula do vampiro voou longe, e o impacto levou o esquelético corpo ao chão. O Cão do inferno aproveitou a oportunidade, pisando de forma violenta, inúmeras vezes, na cabeça vampírica, até que restasse nada além um saco de pele, ossos quebrados e uma pasta negra viscosa.

- Vocês acharam que podiam me pegar, bastardos malditos?! - O Cão do inferno gargalhava com fervor. - O velho aqui é forte. PODEM MANDAR QUANTOS QUISEREM! - Bradou, em êxtase.

Ouvindo passos, virou-se. Ao longe, viu uma silhueta. Desta vez não era um vampiro. Aparentemente, era humano. Seja lá quem fosse, era alguém extremamente forte. Podia sentir isso nos ossos.

- Quem é você? - Gritou. - Vamos, responda!

Foi respondido pelo eco da própria voz, indo cada vez mais longe ao longo do túnel.

Subitamente, sentiu-se extremamente fraco. Embora tentasse se mover, nada acontecia. Por fim, o corpo dele tombou, ficando de joelhos, enquanto o ser de olhos amarelos vinha em sua direção. O sangue que brotava do corte caía ao chão e serpenteava em direção ao misterioso homem.

O sujeito parou e ficou observando o caçador ajoelhado diante dele. Parecia estar se deleitando com a cena. Ficou lá, parado por longos minutos, fazendo absolutamente nada em relação ao Cão do inferno que sofria. E, então, sem cerimônia alguma, sacou uma espada avermelhada e cortou a cabeça do outro fora. Ela quicou no chão. O Cão estava morto.

***

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Genki Hunter o Cão do inferno - saga hellhoundWhere stories live. Discover now