Mais três. Agora eram cinco. Cinco corpos, retalhados, irreconhecíveis.
Assassinatos não eram incomuns na cidade. Homicídios aconteciam o tempo todo, como em qualquer outra cidade. Mas, a atual série de assassinatos era uma novidade.
Como se já não bastassem as mortes, as noites mal dormidas, a dificuldade de focar em um objetivo por mais de dois segundos; agora tinha que lidar com o toque dos malditos telefones. Uma sinfonia irritante, as trombetas do apocalipse soando todas ao mesmo tempo.
Bocejou.
Allan olhava para aqueles pedaços malditos de plástico e rangia os dentes com força. Suas olheiras, pequenos bolsões enegrecidos, serviam de moldura para o olhar fatigado. Os músculos, pesados, eram um fardo para os ombros que se rendiam a força gravitacional, sendo puxados cada vez mais para baixo.
Se os sórdidos acontecimentos tivessem ocorrido duas semanas atrás, estaria no conforto de casa, repousando. Mas não. A escala estava apertada e o efetivo se revezava entre várias funções.
Ontem, Allan estava de patrulha nas ruas - alguns jovens não respeitavam o toque de recolher e alguém tinha que cuidar deles. Hoje, ele se encontrava na recepção escutando os "tiririlins", trotes e afirmações de civis que diziam saber quem era o assassino. Na maioria das vezes eram bobagens, informações inúteis. O último telefonema que avia atendido, um garoto de nome Oliver afirmava que as mortes eram obras dos Gray, e que eles haviam se cansado de retalhar apenas gado.
Bocejando, Allan suspendeu a cabeça, apoiando-a no punho fechado. Suas pálpebras vagarosamente foram se fechando. Os olhos marejaram e, quando cerrados, deram vazão a uma lágrima sonolenta que preguiçosamente deslizou em sua bochecha.
Duas caixas foram jogadas e deslizaram sobre a mesa do jovem agente de policia. Allan acordou sobressaltado, como um puxar de alavanca, jogando suas costas contra o encosto da cadeira, por pouco não caindo.
- Acorda aí, novato. – falou um homem corpulento, trajando o uniforme da policia local. Tinha uma voz grave e amigável. – Tem uma coisa aí. – erguendo as sobrancelhas, apontou para o canto da boca, ostentando um sorriso jocoso.
- Han?! – com a costa da mão, Allan limpou um fio de saliva que escorria pelo canto da boca – Nilmoy. Já voltaram, achei que iam demorar. – Espreguiçou-se, piscando os olhos algumas vezes.
O gordo policial arqueou uma sobrancelha, acariciando o bigode puxou uma cadeira e sentou-se próximo as finas caixas de papelão. Nas embalagens havia uma logo: um garoto obeso, com um olhar vidrado e um sorriso carregado com uma felicidade assustadora.
- Eu também. Peguei a casa de rosquinhas quase fechando as portas, tive sorte, me venderam as que sobraram por metade do preço – deu uma piscadela. – Aqui, o seu expresso duplo – Nilmoy empurrou um porta-copos de papel.
- A próxima eu pago. – Allan pegou o copo, estampado com o mesmo logo da caixa, e retirou a tampa. Tragou o aroma forte da bebida e, em seguida, deu um pequeno gole e suspirou. Quase havia se esquecido dos telefones infernais, mas eles ainda estavam lá, incomodando-o como o gotejar de uma torneira em uma pia de alumínio. – Se fuder, eu não entrei pra policia para fazer esse tipo de serviço.
Nilmoy abriu a caixa.
- Pare de falar merda, novato – Disse, franzindo o cenho. Seu semblante mudou quando encarou o conteúdo da caixa. Nada agradava Nilmoy mais que rosquinhas. Relaxando a musculatura sorriu com o canto da boca, movia os dedos tentando decidir qual das rosquinhas comeria primeiro. Escolheu a de morango silvestre coberta por açúcar de confeiteiro, e deu uma generosa mordida.
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Genki Hunter o Cão do inferno - saga hellhound
Mystery / ThrillerDizem existir um meio pelo qual é possível se conectar com o inferno. Caso você seja detentor de uma coragem impar, ou suficientemente tolo e estúpido, fique a vontade para tentar. Quando a noite cair, e você estiver na mais profunda escuridão, peg...