Capítulo 3

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 - É verdade, Inácio — respondeu Odilon, com precisão. Neste exato momento, é possível que estejamos rodeados de entidades espirituais, habitantes de outras esferas, não aquelas às quais teremos natural acesso pelas Leis que regem os princípios da evolução; fica dificil traduzir em palavras, mas estou me referindo àqueles seres que povoam Dimensões paralelas à que presentemente habitamos. Por falta de melhor terminologia, digamos que as Esferas Espirituais diferentes como que se imbricam umas dentro das outras; coexistem sem se tocarem — aparentemente, ocupam o mesmo lugar no espaço, o que, pelas leis da Física, conhecidas, seria impossível...

— É fantástico! — exclamei, comovido. — Como o nosso mundinho lá embaixo, diante do que ficamos sabendo além da morte, se torna, em todos os sentidos, ainda mais minúsculo... E nos acreditamos os tais, detentores de conquistas que nos fazem delirar e supor que somos iguais a Deus!...

- A forma humana — continuou o estudioso amigo, no diálogo que me despertava a curiosidade —, em comparação a outras mais aperfeiçoadas, que sequer cabem na nossa imaginação, é por demais primitiva, animalesca mesmo. O espírito, em si, é energia, luz... Assim como as nossas formas de manifestação se quintessenciam, a energia espiritual se eteriza, ao ponto de identificar a criatura com o Criador. Jesus veio do futuro para o passado e o seu espírito careceu de revestir-se dos fluidos grosseiros que nos constituem o corpo espiritual; o Mestre, aproximando-se gradualmente da atmosfera terrestre, foi experimentando sucessivas transfigurações, até naturalmente materializar-se...

- Por este motivo muitos defendem a tese do "corpo fluídico"...

Inconscientemente, sim, Inácio; só que se esquecem de admitir a última fase de semelhante transfiguração — a do corpo carnal; Jesus, mesmo ele, não teria poderes para derrogar as Leis que vigem no Universo para todos os seres, O seu luminoso espírito, que efetuou a sua trajetória evolutiva em outros mundos, fora do nosso Sistema Solar, encarnou sobre a Terra uma única vez e não representou uma farsa, na tarefa que cumpriu... A sua encarnação, com certeza, deve ter lhe custado mais do que a própria crucificação. A sua intimidade com os elementos da Natureza era tamanha, que Ele transformava a água em vinho, multiplicava pães e peixes, regenerava células enfermas nos processos de cura, antevia os acontecimentos, acalmava os ventos e as tempestades e o próprio chão estremecia quando Ele se punha a orar...

— Desculpe-me a pergunta, mas como sou novato por aqui... Não disporemos, Odilon, na Dimensão em que nos situamos, veículos que nos possibilitem atravessar fronteiras? Explico-me melhor: na Terra, embora a Ciência ainda esteja engatinhando, dispomos de naves espaciais que, vencendo a gravidade, são destinadas a conduzir-nos aos demais planetas do Sistema. O homem já pisou o solo lunar e prepara-se para uma abordagem a Marte; naves-robôs têm fotografado Júpiter e Saturno... Dentro de mais alguns lustros, é possível, por exemplo, que o homem passe um final de semana num desses orbes — gracejei com o exagero. O que antes permanecia nos domínios da ficção está se tornando realidade...

- Eu sei aonde você pretende chegar, Inácio. Temos, sim, pesquisas avançadas neste sentido e alguns já se encontram realizando incursões interdimensionais, visitando a nossa Dimensão espiritual mais próxima, sem, éclaro, que se tenham que despojar do perispírito; você sabe que, através do corpo mental, podemos, em estado de desdobramento, ter acesso a outras esferas...

— Não, eu não estou me referindo a viagens astrais ultra-sofisticadas; quero saber se, em estado de lucidez, nos seria possível, à semelhança dos astronautas, visitar a próxima Dimensão e dar uma espiadela...

— Espiadela!... — exclamou Odilon, sorrindo. — Gosto de conversar e estar com você, Inácio, porque não me deixa esquecer de que ainda sou um homem, ou seja, um ser humano...

Aproveite, pois, quando estiver mais bem ambientado por aqui, talvez você venha a perder essa espontaneidade e, então, quando se comunicar com os nossos amigos na Terra, muitos não serão capazes de identificá-lo.

— Não mude de assunto — insisti. — É ou não é possível tomarmos uma espécie de espaçonave e observarmos a vida nas vizinhanças do nosso presente habitat espiritual?...

— É claro que sim — afirmou sem rodeios —, mas, com tanto a conhecer por aqui mesmo... O perímetro que abrangemos é mais de vinte vezes o perímetro planetário; se o homem, passados milhões de anos, ainda não colonizou a Terra toda, quantos milênios gastaremos para explorar as possibilidades da Dimensão em que vivemos?

— E Jesus Cristo, onde está?

Não conseguindo conter o sorriso que se lhe fez mais espontâneo, o amigo considerou:

— Ora, Inácio, não me aperte!... Quem sou eu, para saber do paradeiro do Cristo! Estou tentando manter a consciência de mim mesmo e, creia, isto já é muito. Outra coisa que você, ainda neófito por estas bandas, precisa saber: muitas personalidades famosas que inscreveram o nome na História, quando atravessam o túmulo, tomam destino ignorado ou, elas mesmas, perdem gradativamente a consciência do que foram... Você já imaginou se, por exemplo, Hitler ou Sócrates não tirassem da cabeça a lembrança do que representaram e representam para a Humanidade? O espírito "perde" a memória do que foi e "guarda" a recordação do que fez... É necessário que seja assim, pois, caso contrário, não nos renovamos. Essas personagens passam a ser um símbolo para a Humanidade e, depois, em favor de si mesmas, desaparecem.

- Mas eu ainda não esqueci que sou o Inácio Ferreira e nem você, que é o Odilon Fernandes! — redargüi.

— No nosso caso é diferente, pois, por ora, o que fomos é o único ponto de referência que possuimos... No entanto, se não reencarnarmos antes, reencarnaremos — graças a Deus! — sem aquela fixação na personagem que animamos e que interfere na nossa nova identidade. Para muitos espíritos, isto se constitui em um carma: querer esquecer o que foram, sem o lograrem, no entanto.

— Retomando o tema anterior — disse, enfático —, que me parece mais interessante, seria possível, no futuro, nos candidatarmos a uma viagem interdimensional?... A diferença deste mundo em que nos encontramos com a nossa Terra é quase nada; sinceramente, eu esperava que a morte, pelo menos, me ensejasse maiores surpresas...

— Você, certamente, Inácio, não está considerando a experiência que tivemos, não faz muito, quando descemos às regiões trevosas abaixo da Crosta...

— Como é que eu poderia me esquecer?... — disse, arregalando os olhos, ao me lembrar dos episódios que, resumidamente, lhes dei a conhecer na obra "Do Outro Lado do Espelho".

- Só que é fácil de conceber o que se passa no "Inferno", mas não o que acontece no "Céu"... Se me fosse dado, Odilon, eu confesso a você que gostaria de espiar com estes olhos que a terra não comeu, o que existe além das nossas fronteiras...

- Quem sabe, ainda possamos, pelo menos, ir até ao limiar da próxima Dimensão...

- Eu teria vontade de descrevê-la para os nossos irmãos encarnados...

- Não acreditarão em você; rotularão a sua obra de anti-doutrinária e inventarão uma nova Santa Inquisição, só para assarem o médium na fogueira...

Na Proxima DimensãoWhere stories live. Discover now