Exercício de Reflexão dos Sofrimentos

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Sentei confortavelmente no sofá. Me coloquei de modo que ficasse de frente para o Oeste. Não que importasse pra mim a direção, mas de alguma forma eu me sentia melhor. O Sol estava se pondo, e assim trazia uma variação de nuances. O amarelo forte e vivo do sol, cercado de vários tons alaranjados e avermelhados. As nuvens que margeavam a grande bola dourada estavam rosadas, e vinham salpicando de alguns pontos dourados, alguns em lilás passando para o roxo e os tons de azul; claro e escuro. A visão parecia me convidar à refletir, e eu aceitei o convite.

Já havia relaxado por completo. Não sentia meus pés, nem pernas. Já tinha esquecido das mãos e braços. A barriga, peito e pescoço estavam em paz. Me concentrei na minha respiração, e fui relaxando o que faltava: queixo, garganta, boca, olhos e sobrancelhas. Me concentrei naquele zunido que surge vindo de dentro de nós mesmo quando tudo está em completo silencio. Ao me concentrar neste zunido me desliguei por completo de todo meu corpo, e me enxergava no alto, no meio do nada, sentindo a brisa de pôr do sol. Eu estava tão relaxado e desligado de qualquer pensamento, que não sabia mais como estava meu corpo. Não lembrava se estava com as pernas cruzadas ou esticadas, se estava com braços sobre o colo, ou por cima da cabeça apoiado no encosto do sofá. Estava navegando no vazio da minha mente. Entendendo a importância de que tudo para, tudo poderia existir ou nada poderia existir. Entendendo que não importava nenhum dos meus problemas, tudo era muito pequeno, irrisório frente ao pôr do sol, frente à toda massa do nosso planeta, e de todos os planetas, de todo o universo.

Depois de ter ficado algum tempo no vazio, e ter momentaneamente superado meus traumas e minhas dores, comecei a fazer o caminho inverso. Comecei a me concentrar nas dores, nos sofrimentos. Primeiro comecei a pensar e refletir sobre o que me causava sofrimento físico. Pensei nas dores no joelho que já a muito tempo me atormentavam, pensei na gastrite que eu já havia curado, mas as vezes me lembrava que ainda estava ali caso eu relaxasse com minha alimentação e desgastasse meu emocional. Pensei em outras dores, pensei no que me incomodava. Pensei no que queria que melhorasse no meu corpo, e o quanto isso me incomodava, o quanto isso importava. Achei vários defeitos, isso podia estar mais magro, isso mais forte, esse musculo mais trabalhado, esta ou aquela gordura não precisaria existir. Refleti bastante e me dei conta do que poderia acontecer se eu fosse atendido e todos os meu problemas, doenças, males crônicos, incômodos e insatisfações físicas. Como seria se tudo ficasse como eu quero em meu corpo? O pensamento seguiu por alguns raciocínios e logo me dei conta de que mesmo que tudo ficasse perfeitamente como eu gostaria, eu ainda iria estar envelhecendo, ainda estaria me comparando à outras pessoas, ainda estaria tentando agradar isso ou aquilo. Percebi que algumas coisas perderiam o sentido, ou não faziam sentido por si só, o corpo e a saúde perfeita não fariam de mim perfeito.

O Segundo momento comecei a imaginar os sofrimentos psicológicos e emocionais. Eu não era nenhum entendido em psicologia, mas acreditava que me conhecia bem o bastante. É incrível como que ao meditar passamos a entender algumas heranças de sofrimentos que temos. Eu sentia minhas dores emocionais, quase todas como respostas do que eu aprendi quando criança. O que me deixava triste, o que me fazia sentir inferior, eu percebia o quanto ainda lutava para superar coisas, ofensas, frases e apelidos que tinha ouvido quando era criança. Muitas das minhas dores e sofrimentos eram heranças dos sofrimentos dos outros, herança dos sofrimentos que eu via outros sentirem quando eu era criança. A vergonha que alguém da minha família sentiu e parecia ainda me atingir. A raiva, o julgamento, o orgulho do meu pai, minha mãe, um tio, um amigo... Coisas que eu vi acontecer, e parecia ressoar em mim, como o eco de algo dito à muito tempo. Minhas dores psicológicas, meus sofrimentos emocionais eram todos ligados ao passado. Ao visualizar o universo imenso vasto e bonito eu me dava conta de como todos meus sofrimentos virariam pó, seriam esquecidos e absorvidos pelas décadas e séculos a seguir.

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