꧁ 31 dias antes ꧂

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"Somos um erro perfeito de Deus." - Geraldo Reis Monteiro Fontes

Eu sentia o choro preso em minha garganta a todo tempo. Não sei se ao certo era de tristeza, ou de felicidade, talvez apenas nervosismo e ansiedade. A verdade era que eu não me sentia confortável com toda aquela situação que estava a se passar.

Minha dama de companhia, Jade, amarrava os laços do vestido em minhas costas com toda delicadeza possível, enquanto Leigh-Anne cuidava dos meus fios rebelde de cabelo. Jessica estava sentada na beira da minha cama, dizendo estar cansada por ter aproveitado bem a noite anterior. Todas acharam graça, mas eu não tinha ideia do que se tratava o assunto. Resmunguei quando Leigh puxou com um pouco de força o meu cabelo ao terminar a trança. Ela se poupou em se desculpar em um tom quase inaudível.

Eu me sentia uma boneca na mão delas, mas apreciava o resultado final. As minhas melhores amigas eram incríveis, não só por cuidarem de mim feito um bebê, mas por serem o meu total apoio.

Em meus devaneios, era capaz de sentir meu coração bater forte e rápido contra o tecido fino de meu bojo. Aquilo era assustador. Eu desceria as escadas, e no último degrau estaria o meu prometido me esperando.

O noivo que eu não tinha ideia de como era, não digo fisicamente, mas sim seu caráter. Era doloroso pensar que tudo que era meu, eu teria que dividir com outra pessoa. Ele poderia ser um crápula e mesmo assim, teria que estar sempre ao meu lado. Comandando o meu futuro reino comigo.

Se acalme.

Eu precisava me acalmar.

Quando voltei a abrir meus olhos, abri um sorriso satisfeito. No reflexo do espelho, estava eu, incrivelmente apresentável, apesar de por dentro estar acontecendo um furacão. Meus cachos grossos loiros caíram sob os ombros e contrastavam fortemente com o azul claro do pano do vestido. Em meus lábios, um rosa claro quase oculto brilhava. Eu me sentia eu mesma, mesmo que eu soubesse que aquela no espelho não era quem eu queria ser.

Eu sentia inveja das pebleias que podiam sair a hora que bem lhe entediam, com quem bem lhe entediam. Podiam controlar seus desejos e seus sonhos. Eu era privada das partes mais básicas de qualquer menina de minha idade. Eu tinha o sonho do primeiro amor.

— Agora só falta uma coisa, princesa. — disse Jade cantarolando. Eu sorri me virando para acompanhá-la com os olhos. Ela era uma verdadeira dama. Sempre fazia questão de ressaltar como eu tinha sorte por ter nascido princesa, sendo privilegiada em quase tudo. Digo quase, pois os essenciais para minha felicidade eu não tinha.

A menina sumiu de meu campo de visão por alguns segundos, antes de voltar com minha tiara sob a almofada vermelha em suas mãos. Encarei Leigh-Anne pelo canto dos olhos, e percebi que ela sorria discreta e carinhosamente. Peguei a tiara da almofada com toda a delicadeza existente e coloquei no lugar que a pertencia. Voltei meus olhos para o espelho e sorri em satisfação. Nas aparências eu era o suficiente para todos que me aguardavam, mas não o suficiente para mim.

Eu parecia ser quem eu necessitava ser.

Aquela era a minha sina. Foi para isso que eu nasci. Para um dia casar através de uma aliança e assim ajudar o meu povo. Me doía profundamente, mas eu daria o orgulho aos meus pais. Eu seria quem quer fosse para fazer meu povo feliz.

— Eu tenho de ir. — respirei fundo sentindo meu coração bater cada vez mais intenso. Imaginei-me nas aulas de postura outra vez, como Sr. Antonella tinha ensinado, eu tinha de estar impecável diante a todos. Bustos para frente, queixo erguido.

— Irá ser perfeito, alteza. A senhorita e seu noivo iram de se apaixonar na primeira troca de olhar. — Jesy suspirou como uma donzela apaixonada. — Não é mesmo, Leigh-Anne?

— Claro. — ela sorriu sem mostrar os dentes. Segurei em sua mão, e como um choque, ela quase recuou. A encarei sem entender e ela acabou por relaxar os dedos. Dedos frios como a água dos rios. Fiz o mesmo com Jade e Jesy, os olhos estavam tão brilhantes e esperançosos. Se pudesse trocava de lugar com elas, para que elas vivessem "o conto de fadas" por mim.

— Obrigada. — as soltei e respirei fundo para encarar o que teria pela frente. Caminhei com calma pelo quarto e abri a porta, o toque frio da maçaneta me fez arrepiar. Antes deu a fechar de volta, escutei a voz distante e baixa de Leigh-Anne dizendo um tímido "Boa sorte, alteza".

Um dos guardas estava me esperando em forma na porta de meu quarto, ele se reverenciou a mim e eu o cumprimentei com um simples aceno com a cabeça. Eu me sentia indo direto para a forca, e tinha certeza de quê não seria capaz de pronunciar uma palavra sequer sem um gaguejo.

Eu já tinha a linha da escadas em meu campo de visão e isso fez minhas pernas tremerem. Tentei calcular quantos passos teria ter que dar até encontrar meu prezado noivo. Minha cabeça doía, meus olhos embaralhavam em meio as lágrimas. Tristeza, felicidade, nervosismo? Eu não queria saber ao certo o que eu sentia sobre tudo aquilo, se eu pensasse muito iria surtar. Agradeci por ter um enorme guarda atrás de mim, pois eu sentia que meu corpo iria tombar a qualquer momento.

O maestro baixinho notou minha presença no topo da escadaria e eu gelei. O guarda que me acompanhara fez uma breve reverência e saiu pelos fundos. Logo toda a melodia cessou, e todos pararam sua atenção no topo da escada. Era eu no topo da escada bronze. Infelizmente era eu. E todos ali estavam com seus olhares de puro julgamento em mim, a cada passo que eu daria.

Hoje é seu noivado, você precisa fazer tudo sair perfeito. Tudo depende de você.

Dei o primeiro o passo e segurei com força no corrimão, apoiando todo meu corpo ali. O material gelado tocou meus dedos como um choque. Eu deveria ter posto luvas. Comecei a dar os outros passos com toda tranquilidade possível. O olhar sempre focado na linha do infinito, como Sra. Antonella me ensinara. Quando meus pés tocaram o penúltimo degrau, e uma mão grande erguia para minha já poderia ser vista de relance, me atrevi a rebaixar o olhar e encarar meu noivo nos olhos pela primeira vez depois de tanto tempo. As grandes mãos tinham substituídos os dedinhos finos e delicados de um menininho que eu vi pela a última vez.

Oh, meu Deus!

A voz de Jessica gritou em minha mente.

A senhorita e seu noivo iram de se apaixonar na primeira troca de olhar...

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