14. Começa o inferno

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Ela sempre vinha em sonhos amá-lo e quando acordava, seu cheiro ainda estava impregnado nos lençóis, nos quais ele se sufocava na esperança de senti-la mais uma vez.; implorava ao sono que a devolvesse, mas a resposta era sempre o frio da ausência.

— O que há de errado contigo, brother?

— Vou dar uma volta no shopping.

— Quer carona?

— Não, relaxa. Valeu.

Samuel precisava ficar sozinho. E não havia lugar onde se sentisse mais sozinho do que no lugar onde havia multidões como o shopping. Era seu jeito particular de aproveitar a solidão. Ver tanta gente de todos os tipos e idades, casais, famílias, amigos, faziam-no sentir-se à parte, isolado, invisível. Era pra lá que ele ia sempre que se sentia depressivo. Foi de ônibus, fones de ouvido e camisa com capuz. Andou por mais de uma hora antes de sentar-se à praça de alimentação para comer algo.

Duas semanas desde a última vez que vira Ariel. Cada dia tinha tortuosas vinte e quatro horas de esperança de ela aparecer a qualquer momento, de qualquer lugar. Tornara-se paranoico, sempre olhando para trás, para as esquinas, para as multidões.

Mas ela nunca vinha.

Não era apenas saudade. Era físico. Doía por dentro, fazia-o mal. Ele precisava dela. Ela era sua droga e ao mesmo tempo traficante. Por quanto tempo ia suportar aquilo? Quando ela se despediria e nunca mais a veria? E se aquela tivesse sido a última vez?

"Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas", dizia uma passagem de O Pequeno Príncipe. Ele lera o livro sem expectativas e acabara se apaixonando; era uma fábula simples, sobre um menino que vivia sozinho em um planeta do tamanho de uma casa e que era apaixonado por sua rosa. Apesar da linguagem infantil, o livro realmente carregava lições para adultos, e tinha várias frases de efeito que o deixaram pensativo.

Você me cativou, Ariel. Cadê a responsabilidade? Está me negligenciando!

Estava louco para comentar com ela as passagens que o deixaram maravilhado. Mas onde ela estava? Enquanto caminhava, observava os casais felizes. Alguns de mãos dadas, alguns se beijando, ou apenas sentados, conversando. Quando teria isso com Ariel? Seria realmente sua musa do nunca?

Ao pagar o lanche, teve uma desagradável surpresa: seu cartão de crédito havia desaparecido. Por sorte ainda tinha algum dinheiro na carteira.

Deu mais algumas voltas, então resolveu voltar para casa. Vasculhou cada cômodo mais de uma vez à procura do cartão, sem sucesso.

— Tem certeza de que não deixou cair, Sam?

— Cair como, Daniel? Sempre coloco na carteira. Não tem como ter escorregado e caído.

— Então é melhor ir logo ao banco e pedir pra bloquear. E solicitar outro imediatamente.

— Tem um banco na universidade. Passo lá depois do almoço.

Dia seguinte almoçou com os amigos sem que ninguém tocasse nos nomes "Arlequim" ou "Paraíso da Perdição". Apesar de conversarem descontraidamente, havia um clima no ar. Não era a mesma coisa, nem para ele nem para os amigos. Como de praxe, sentavam-se sob as árvores no gramado em frente ao restaurante universitário, as mochilas e cadernos amontoados encostados em um tronco. Ficaram ali por alguns minutos até ele se despedir:

— To indo ao banco — disse apanhando a mochila.

— Cheio da grana! A próxima rodada de cerveja é por conta do Sam! — Elias disse elevando a voz e o braço para os amigos o imitarem na comemoração, batendo palmas.

Arlequim [completo]Where stories live. Discover now