27. A caixa

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"Olha bem, mulher

Eu vou te ser sinceroEu tô com uma vontade danada de te entregar todos beijos que eu não te deiE eu tô com uma saudade apertada de ir dormir bem cansadoE de acordar do teu lado pra te dizerQue eu te amoQue eu te amo demais"


Jericoacoara estava diferente do que se lembrava, mas era de se esperar, tendo se passado quase trinta anos desde que pisara ali pela primeira vez. A vila de pescadores — centro comercial e ponto turístico — havia mudado consideravelmente, e aumentado, ficando ainda mais bela. Hospedou-se em um hotel mais confortável e caro que a pousada que provavelmente não mais existia. Só o fato de estar ali já o dava um peso na consciência por causa do irmão. Mas sua mente não se aquietaria até descobrir o que havia na caixa que enterrara junto com Ariel.

Perguntou aos bugueiros se ainda existia a árvore da preguiça, mas nenhum havia ouvido falar, não estava mais na lista de lugares turísticos. Não desistiu. Por mais que não se lembrasse da localização da árvore, alguém deveria lembrar-se dela, algum dos mais antigos. No primeiro dia não teve sucesso, dormiu frustrado. Dia seguinte tentou novamente, entrevistando moradores mais antigos. Até abordar um guia, pouco mais velho que ele:

— Árvore da preguiça? Lembro sim! Faz muito tempo que a árvore já era. O povo de hoje nem sabe da existência dela — disse, deixando Samuel decepcionado.

— Mas você sabe onde ela ficava?

— Dificilmente encontraria. Não tem mais rastros dela.

— Podemos tentar?

O guia aceitou. Contrataram um bugueiro para sair à procura. Passaram boa parte da manhã rodando pelas dunas, sem sucesso.

— Que mal lhe pergunte, por que o senhor quer encontrar o local da árvore se ela não existe mais?

— Valor sentimental.

O guia fingiu que entendeu. Continuaram a procura até o fim da tarde.

— Deixe-me na duna do pôr-do-sol. Continuamos amanhã.

A duna continuava a mesma, a tradição de reunir turistas e moradores sobre ela à espera do crepúsculo também. Uma nostalgia massacrante o sobrepujou. Era como se Ariel estivesse ali. Podia quase sentir o cheiro da pele dela, ambos sentados, abraçados. Bateram palmas quando o sol beijou o mar. Estava quase desistindo; era impossível achar o local da árvore.

Dia seguinte tomou café, contatou o guia e saíram à caça novamente, com o mesmo bugueiro. Passou a manhã quase toda rodando as dunas, quando o guia pediu parada.

— Acho que era aqui — disse olhando a paisagem.

Samuel olhou a paisagem tentando achar algo que estalasse sua memória.

Desceram do boogie.

O guia andava olhando atentamente para o chão, para caules de árvores mortas sobrepostas pela areia.

— Ali!

O guia apontava para uma duna onde via-se um pedaço de galho seco. Samuel correu para lá, retirando da mochila a espátula que trouxera consigo. Cavou no local indicado, mas percebeu que com aquele instrumento levaria uma eternidade.

— Preciso de uma pá.

O guia e o bugueiro estavam curiosos, mas prontificaram-se a encontrar a ferramenta. Samuel continuou ali, para não perder o local novamente. Minutos depois os homens retornavam com a pá.

Arlequim [completo]Where stories live. Discover now