Epílogo

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Se na cama, envolvida em meus braços ela parecia uma mulher pequena, Fiorella alcançava a altura de gigante no palco. Sua estreia no Scala deve ter acrescentado ainda mais alguns centímetros a sua figura. A voz poderosa e arrebatadora dava-lhe ares de divindade. Que ela nunca me escute falando isso ou seu ego explodirá!

O delicioso caso terminara há meses sem grandes crises ou dramas o que foi suficiente para aquela mulher, aquela pequena loira de olhos devoradores e corpo generoso, ganhar minha admiração. Assim como o prometido, dois ingressos foram enviados para mim com uma nota que me fez sorrir, afinal aquela era a prova que ainda que de longe, aquela mulher ainda me dava trabalho:

"Após a apresentação, quero vê-los em meu carmarim. Isto é uma ordem. Traga flores. Com amor, Fiorella".

Carla parecia encantada com aquele espetáculo grandioso da ópera. Tão compenetrada estava que não aceitou nenhumas carícias ao longo da apresentação. Mas foi na cena da loucura que mesmo eu, um não tão grande amante da música lírica, fui obrigado a me encantar. Fiorella parecia arrebatada. Sua personagem havia cometido um homicídio e agora perdera a razão. Com vestes virginais ensanguentadas, ela percorria o palco chamando pelo amor que havia partido. Sua voz demonstrava devoção, desespero e alucinação. Ia crescendo, crescendo até o ápice, até o derradeiro fim da personagem.

- Dio Santo, ela morreu! - exclamou Carla segurando minha mão com força, observando a cortina se fechar e a plateia rugir num aplauso ensurdecedor. Sorri para minha namorada, Fiorella conquista mais uma admiradora.



- Oh! Ai, está ele! – ela disse abrindo os braços quando eu e Carla entramos no camarim. Fiorella ainda tinha as vestes brancas e sujas de sangue de Lúcia, mas seu olhar era lúcido. – Bergamasco! - exclamou quando a envolvi num abraço. – Encontrou uma roupa decente e uma adorável companhia, pelo que vejo – disse dirigindo um olhar para Carla que parecia tímida diante da força que parecia emanar de Fiorella.

- Você não me deu muita opção, cara mia. – disse-lhe rindo. Parecia satisfeita consigo mesmo. Ela sempre dizia que aquela temporada na Itália havia feito isso com ela. A quem tinha visto ela cantar no funeral de sua avó e depois assistido a estreia no Scala poderia dizer que aquela mulher desa – Permita-me apresenta-la a Carla Franco, minha namorada. Carla, este doce de pessoa, é Fiorella Castromanni.

- É uma honra conhece-la, senhorita – adiantou-se Carla para mais perto de onde Fiorella e eu estávamos. – Marcello falou-me muito de você e eu fui arrebatada hoje pela sua apresentação.

- É um prazer, signorina Franco – Fiorella a cumprimentou envolvendo-a num abraço. Outra mulher não teria feito o mesmo com a namorada de seu antigo amante. – Marcello me falou sobre você. Ele só não me disse o quão bonita e adorável você é. – disse sorrindo de forma sincera. Olhando-as juntas vejo que são mulheres completamente diferentes. Enquanto Carla tinha uma figura mais tímida, observadora, doce, mas guardando dentro de si um gênio forte, Fiorella parecia uma força da natureza que exibia todos os tons de seu gênio para quem quisesse ver. – Trate-o com firmeza, querida. – ela deu uma piscadela para Carla como se ambas guardassem um tipo de segredo ancestral feminino.

- Não tenha dúvidas, signorina – ambas riram e senti que uma pequena, e perigosa coalizão feminina se formava contra mim.

- Se mamãe estivesse aqui, a Triplice Aliança estaria formada – me provoquei divertido.

- Certamente! – bravateou Fiorella exibindo um belo sorriso de mulher segura – Agora, vocês devem ir. Devem estar ansiosos para ficarem juntos – piscou matreiramente e a pele do rosto de Carla assumiu um tom ligeiramente vermelho com o comentário. - Obrigada por terem vindo nesta noite tão especial. – ela agradeceu depositando um beijo no rosto de cada um.

Antes de partir, permiti-me observar aquela mulher em seu habitat. Como da primeira vez que não havia nenhum tipo de ressentimento ou clima negativo em nosso relacionamento. Ela também me olhou. Em silêncio, agradecemos ao outro pelos momentos vividos e pela liberdade daquele pequeno caso.   

Primma DonnaWhere stories live. Discover now