Enrico - Parte 2

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DIAS ATUAIS

"Au, au, au!"

Faísca late, e sei que algo está errado. Pego a bengala que está à minha direita e tateio ao meu redor. Um grasnado familiar ressoa quando sinto que estou cutucando algo. Maldito rato! Sem saber ao certo para que lado o rato poderia ter corrido, escolho o lado direito e mato com forma a bengala no chão. Um choro que parece o de um bebê foi o último que o roedor emitiu.

— Bom garoto! — digo, agradecendo ao Faísca pela ajuda. Ando cautelosamente até o armário, onde encontro um pote e o abro, agarrando um biscoito. Jogo para faísca, que lambe meu tornozelo em forma de agradecimento.

Faísca é um cão muito inteligente. Tenho que admitir que errei muito a respeito desse cão. Quando o João me disse que adotou um filhotinho de labrador, eu ri da cara dele. "Você está ficando mole", "Cachorros dão muito trabalho", "Vai ter que recolher cocô e pelos por todo apartamento", entre outras baboseiras sem sentido foram ditas por mim a ele. Mas ele era uma pessoa muito decidida. Quando encafifava com algo, não havia quem o fizesse mudar de ideia. Eu nunca havia limpado, até o acidente, uma sujeira sequer do Faísca. O João era o único responsável pelo animal. Quando voltei para casa, decidi procurar um abrigo para ele. Eu não era capaz de cuidar de um cachorro, eu pensei. Mas para tentar honrar a memória do meu grande amigo, decidi fazer uma tentativa. Confesso que eu não poderia estar mais correto: eu realmente não era capaz de cuidar de um cachorro. O que eu não esperava era que ele pudesse ser capaz de cuidar de mim.

O cachorro latia ate que eu me aproximasse da geladeira, e quando eu estava prestes a tombar, ele ficava em silêncio. Seu potinho de comida ele empurrava com a patinha e com o nariz até que ficasse próximo dos meus pés. Sim, eu podia ouví-lo empurrando. Essa foi a forma de ele demonstrar que estava com fome. Quando eu estava prestes a esbarrar em algo, ele se colocava entre o objeto e eu, e desta forma eu sabia que não poderia mais ir adiante. Nos meus dias mais ristes, mais difícieis, Faísca latia melancolicamente, fazendo companhia à minha solidão. Tirando o João, o cachorro havia sido o melhor amigo que eu já havia tido nessa vida.

O único problema é que agora ele estava doente. Eu o levei até a clínica veterinária mais próxima (ou seria melhor dizer: ele me levou?), e ele iniciou um tratamento contra a leucemia. Sim, cachorros também são sujeitos à essa horrível doença. Então todas as terças e sextas ele deve ir até a clínica para fazer uma transfusão de sangue e tomar sua medicação. Ainda sim, ele anda muito quieto, e essa é a forma que tenho para saber que ele ainda está muito mal. Hoje ele tem consulta, então eu me arrumo, pego sua coleira e minha bengala e vamos em direção à clínica.

— Bom dia, senhor Aguilero! — cumprimenta Aysha, a recepcionista.

— Bom dia! — respondo, sem dar sinal de que sei o seu nome. Não tenho o costume de dar liberdade para as pessoas.

— A doutora Paula irá atende-lo em alguns instantes. — ela diz e eu começo a me sentir nervoso. Eu não sei o que acontece comigo quando chego perto dessa mulher. Opa, não a Aysha, mas sim a doutora Paula. Paula Diniz. Ela é uma mulher que fala pelos cotovelos. Enquanto ela está falando, está tudo bem, mas quando começa a perguntar coisas pessoais, fico incomodado e me calo. Como ela sempre fala demais, e sempre pergunta coisas que não quero responder, o clima sempre fica tenso. Hoje decidi dizer a ela que cuide da sua própria vida. Sim, eu direi a ela.

Quando Aysha informa que posso entrar na sala da doutora, respiro profundamente e entro decidido, aguardando o bombardeamento de perguntas inadequadas. Ao invés disso, ela demora a se aproximar e sinto sua voz um pouco formal demais.

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⏰ Última atualização: Mar 14, 2016 ⏰

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