"Quiet" - Lights

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"Quiet" - Lights

Sentado preguiçosamente eu aproveito a sombra oferecida pela marquise da pequena varanda da minha casa e a rara brisa que veio nos refrescar nesse entardecer. Aguardo ansioso para que aquelas delicadas e habilidosas mãos abram o embrulho que lhe dei. Não é o seu aniversário, tampouco outra dada comemorativa. A verdade é que preciso lhe contar algo que provavelmente a deixará melancólica, e a minha vida se resume em fazê-la sorrir aquele raro e estonteante sorriso que começa com um leve levantar dos seus lábios rosados sempre pelo lado direito, o qual se espalha timidamente até mostrar todos os seus dentes brancos como leite e levemente tortos, que lhe atribuem certo charme. Preciso ter a certeza que ficará bem antes da conversa que estou prestes a ter com ela.

Dandelion emana uma beleza natural deslumbrante e se não fosse a sua freqüente tentativa de se esconder atrás de roupas largas e diferentes tipos de chapéus que lhe cobrem o seu belo rosto, muitos garotos estariam batendo à sua porta implorando por alguma chance de ter sua companhia. Eu sou o único sortudo que consegue vê-la realmente como ela é, penetro a barreira que a faz afastar-se das pessoas e enxergo por detrás do seu disfarce. A incompreendida garota erma e estranha esconde uma tristeza profunda que vem se agravando com os anos, por isso me empenho cada vez mais para lhe proteger do caos que a cerca, se eu a encontro perdida na escuridão sou capaz de ir atrás das estrelas e dos sóis do universo só para lhe trazer de volta à luz. Como seu melhor amigo eu sempre quero o seu bem, quando a vi pela primeira vez sozinha e encolhida no corredor da escola quando tínhamos apenas seis anos, desde então tudo o que eu faço é por ela. Desde afastar os monstros em forma de crianças que a maltratavam na escola por conta do seu jeito incomum de ser, até mesmo em situações críticas como protegê-la toda vez que o seu pai chega bêbado e violento no pequeno trailer onde vivem. Por isso ela passa a maior parte do tempo na minha humilde casa, e por muitas vezes passa a noite escondida no meu quarto quando a situação fica muito perigosa.

─ Como... Como conseguiu comprar isso? ─ Ela me lança um olhar suspeito, mas seus olhos azuis profundos resplandecem com a alegria ali contida.

─ Eu sempre dou o meu jeito. ─ Encolho os ombros como se não tivesse sido nada demais juntar cada centavo que ganhei no trabalho durante os últimos meses, só para lhe entregar o estojo artístico de luxo, assim ela poderá se perder no seu mundo dos desenhos e explorar melhor o seu dom.

Desde que éramos pequenos a sua grande paixão é desenhar, como não tínhamos recursos a Dany arrumava algum jeito de rabiscar suas idéias em qualquer lugar. Às vezes com simples gravetos ela transformava o chão de terra em uma grande tela, passávamos horas juntos em silêncio, ela desenhando e eu a observando se soltar e penetrar em um mundo só seu. Aquela tristeza que rotineiramente a consumia, por alguns momentos se esvaía de dentro de si para o papel, ou para qualquer outra coisa que ela com sua criatividade tocasse. Percebendo que essa era a única forma em que Dandelion conseguia voltar para a superfície e respirar por conta própria sem o meu auxílio, como um tipo de terapia, eu passei a motivá-la e por isso não me importo de ter a sua companhia, ainda que em silêncio a maior parte do tempo, perdendo-se ou encontrando-se em seus esboços.

─ Você não deveria! ─ Dany nega com a cabeça ainda perplexa com o presente.

─ Você gostou ou não, Dany? Porque se não gostou eu vou ter de dar para outra pessoa...

Finjo querer arrancar o estojo de suas mãos e ela o retrai para perto, aconchegando o objeto de encontro ao seu peito.

─ É óbvio que eu gostei. Será que eu... Posso testar?

Eu rio com a sua expressão de súplica, como se eu fosse negar isso a ela.

─ Vá em frente, mas só se me prometer que irá me mostrar desta vez.

O mistério de Dandelion (Em Hiatus)Where stories live. Discover now