As vezes, a natureza pode não ser uma amiga

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Campo I; Segunda-feira (doze anos antes); 14h00

No auge dos seis anos de idade, não entendia muito bem a função dos castigos; fazia algo julgado errado - sem querer, porque no seu ponto de vista, não havia nada errado em gritar de felicidade ao saber que seu pai estava em casa depois de longos três dias ausente. Não interrompeu a reunião propositalmente, ela simplesmente não sabia que estava tendo uma, como ela poderia saber se ninguém lhe havia dito? Ela só queria ver o pai, estava morrendo de saudades - pedia desculpas, e mesmo assim, mesmo depois de longas, belas, choradas e ensaiadas desculpas, ainda tinha de ser punida com um castigo de dois dias.

Apesar de não fazer pirraça ou contestar, Camila achava aquilo ridiculamente injusto. Ninguém devia ser castigado por simplesmente estar feliz, e sua interrupção não durou mais de cinco minutos, tinha certeza não havia feito muito mal, seu pai tinha até deixado escapar uma risada! Mesmo assim, sua mãe fez um escândalo, ralhando pela enésima vez a importância das boas maneiras, principalmente na presença ilustre dos Generais e Chefes Maiores do Exército.

Mas o castigo veio mais pela resistência do que pela interrupção. Agora, ponderando bem os pensamentos, a garotinha chegou na conclusão de que não deveria ter corrido de volta para a sala repleta de militares para gritar "Papai, eu te amo!" depois de sua mãe quase tê-la tirado de lá pelos cabelos alguns minutos antes. Realmente, não devia, mas agora já era, já o havia feito.

Então lá estava ela, encarando aquele lindo dia ensolarado da janela de seu quarto sem poder descer nem por cinco minutinhos.

Para o seu deleite de todos os dias, naquele período do ano os dias costumavam ser quentes e claros, para que só no fim da tarde garoasse fininho e molhasse todo o gramado. As gotas se acumulavam nas folhas das árvores e quando ela se pendurava e balançava, respingavam no seu rosto e ela ria sozinha, depois corria pelo gramado úmido, jogava bola e ficava toda suja, mas não ligava, não se importava, a sensação era tão boa que valia a pena todos os esfregões que teria de tomar no banho. E hoje, debruçada na janela de seu cárcere, lamentava silenciosamente não poder fazer nada disso justo naquele dia tão lindo.

E para piorar a situação, Annelise, sua babá e companheira fiel, havia lhe traído. Enquanto a garotinha tinha de passar o dia dentro de casa, distraindo-se com brinquedos chatos e filmes que já tinha visto, a loira de vez em quanto ia tomar uma brisa no quintal e nem se preocupava em esconder-se das vistas de Camila na janela. Era pra ela estar ali, junto da garotinha, mas toda hora ia lá fora esfregar-lhe o castigo na cara.

Camila soltou um bufo irritado, batendo leve e propositalmente a cabeça no batente da janela de tanto tédio que sentia.

Tudo que queria era estar lá fora e podia apostar que todas as outras crianças estavam felizes à vera naquela tarde enquanto ela era a única enclausurada naquele quarto sem graça envolto por paredes geladas e descoloridas demais para o seu gosto. Na verdade, todo aquele quarto era descolorido demais para o seu gosto. E isso acabara de lidar uma ideia para matar um pouco aquele tédio horroroso.

A garotinha levantou de seu encosto na janela e correu até a escrivaninha, pegou um chumaço de folhas e abriu a gaveta mais baixa, catando um punhado de lápis de cor em ordem aleatória, deixou que o acaso escolhesse suas cores e pegou um monte até não poder mais encher a mão, voltando com um sorriso para o seu lugar cativo no cantinho amaciado abaixo da janela. Camila ajoelhou no colchonete e apoiou as folhas no batente, sentindo-se bem como os famosos pintores que apoiavam suas telas nas varandas ou janelas para que pudessem se inspirar na paisagem.

De seu cativeiro, a garotinha conseguia enxergar todo o quintal até o muro que delimitava o espaço da casa, conseguia enxergar todo o jardim até a sua última árvore, a grande e majestosa macieira que ficava praticamente colada ao muro, rica numa folhagem esplendorosa e carregada de maçãs maduras; se Camila não estivesse de castigo, provavelmente já estaria ao pé da árvore com uma cesta para recolher todas elas. Aquela era a sua árvore preferida, na verdade, aquela parte do quintal, mais ao fundo, era a sua preferida, tanto pela grande macieira tanto quanto pelo canteiro de margaridas que ela tanto amava. Eram lindas, todas elas.

As Galáxias de UranoWhere stories live. Discover now