Capítulo 33;

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POV Paki

- Dia da convenção –

Na minha humilde opinião, os filmes românticos sobrevalorizam constantemente a prática de dormir na praia: uma lareira acolhedora com chamas crepitantes a iluminar os rostos presentes, o som das ondas do mar a embalar como música de fundo, os cobertores desorganizadamente espalhados sobre dois corpos juntos, idealmente abraçados, debaixo de um manto infinito de estrelas brilhantes. Desenganem-se. Vou contar-vos o que realmente acontece quando dormem na praia:

a) Se for inverno, como é o caso, vão sentir frio em sítios tão improváveis como os cotovelos ou as pálpebras.

b) Fazer uma fogueira em areia húmida é ainda mais difícil do que dar comprimidos a gatos.

c) Há gaivotas curiosas a cercar-vos, cujas sombras na areia se assemelham a abutres do tamanho de arcas frigoríficas industriais.

d) Acordam com areia em todo o lado. Repito, em T-O-D-O o lado.

Esfreguei os olhos repetidas vezes, retirando dezenas de pedrinhas de areia alojadas nas minhas pestanas e levantei-me com alguma dificuldade. Dói-me o corpo e a cabeça, e uma série de espirros conclui o meu belo despertar desta manhã. Já em pé, estico os braços sobre a cabeça, espreguiçando-me durante longos minutos, e memórias da noite anterior começam a surgir com clareza na minha mente.

Falámos até quase de madrugada, tão próximos que quase não dava para perceber onde começava um e acabava o outro. Beijámo-nos algumas vezes, mas não muitas. Não as suficientes, do meu ponto de vista.

Não sei bem o que isto quer dizer, nem tampouco o que vai resultar daqui e para ser muito franco, isso incomoda-me profundamente. Por que razão me beijou? Correção, por que razão não me beijou mais? Não sei se isto é comum acontecer, mas é uma estreia para mim. Não o processo de beijar alguém, é claro, já beijei imensa gente antes... Ok, em contexto não-virtual apenas conto com uma situação experimental, e para ser sincero, não foi muito conclusiva. Tinha 15 anos quando conheci a Lea num salão de jogos e ela partilhava não só do meu físico imponente e desleixado, como da minha tacanhez no que diz respeito às relações interpessoais. Eu estava sozinho, ela estava sozinha, e ambos achávamos conveniente tirar proveito da nossa condição. Começamos a namorar a uma terça, demos o nosso primeiro beijo na sexta da semana seguinte, e concluímos no sábado que não éramos talhados para o compromisso. Continuámos a embrulhar-nos à grande e à francesa em cenários mais gráficos e interessantes do que a vida real, até aparecer a Luce.

Sim, porque depois há a Luce. Passe o tempo que passar, vai sempre haver a Luce.

A questão é que, no caso da Lea, eu sabia o que esperar. Eu beijei-a porque era minha namorada, ela beijou-me porque eu era namorado dela: simples, intuitivo, sem qualquer complexo emocional intrincado à mistura.

Agora com a Jubilee é tudo um mistério. Não sou tão ingénuo para acreditar que meia dúzia de beijos nos coloca numa posição de compromisso, mas também não sou liberal o suficiente para encarar isto como uma aventura sem próximos capítulos. Quando beijo alguém – e consigo ouvir uma vozinha do Harry a dizer que se trata de um evento milenar – faço-o com a convicção de que posso (e devo) criar expetativas. Se não, de outro modo, qual seria o propósito? Eu gosto de acreditar em propósitos. É confortável, é seguro...é o total oposto de dormir na praia.

E no entanto, será isso o que procuro? De todos os meus propósitos, será este que quero ver cumprido?

Os meus pensamentos resvalam rapidamente para a ideia difusa e incoerente que tenho da Luce, e o habitual desespero de lidar com emoções pouco claras começa a dar de si, acelerando-me a respiração. Antes de lhe dar oportunidade de me imobilizar por completo, com um tom de brincadeira nervosa à mistura, pergunto em voz alta:

(Un)forgettableWhere stories live. Discover now