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No dia seguinte depois das aulas na faculdade em vez de ir para a biblioteca como de costume, evitando o apartamento de meus pais, me dirigi à Academia Mima Renard. Medeia me aguardava feliz nas escadas, se é que posso dizer que ela sorri, aliás, ela me passava um sentimento de intensa amargura, mas dava para perceber que estava satisfeita. A diretora trajava um tailleur preto de corte perfeito, sapatos Prada e um par de óculos de Sol retrô. Medeia me conduziu até o interior da mansão e me levou à enorme e moderna cozinha. Ela parecia ter saído de uma revista de decoração, com uma grande geladeira de inox duas portas, eletrodomésticos super-modernos e bancadas limpíssimas, como se tivessem sido recém-instaladas. Em um canto do cômodo, próximo à área de serviço, uma vassoura varria sozinha o piso de porcelanato com acabamento acetinado. Olhei para a caçarola sobre o fogão e percebi que uma colher de pau mexia vagarosamente a receita com autonomia.


- Já conhece Maria, Elisa?

- Sim diretora, ela foi a primeira pessoa que vi quando visitei a mansão pela primeira vez. Como vai, Maria?- Feliz em saber que se juntou a nós, Srta. Elisa.

- Então, deve ser difícil cozinhar e limpar para todos esses alunos, mas vejo que você tem ajuda. - Comentei, apontando divertidamente para a travessa que era preenchida com arroz, também por mãos invisíveis.

- Sim, não posso reclamar do serviço. - Disse Maria com um sorriso de gratidão.

Depois daquele momento fascinante na cozinha, Medeia me levou à sala de jantar, onde garotos e garotas almoçavam animadamente em uma comprida mesa de madeira maciça.

- Crianças, um minuto de silêncio, por favor?

- Quem morreu? - Perguntou um garoto loiro, com os cabelos bagunçados, devorando uma coxa de frango.

- Ninguém morreu engraçadinho, quero lhes apresentar nossa nova aluna, essa é Elisa. Elisa, esses são nossos alunos, todos de poderes excepcionais. A Srta. Elisa é capaz de - entre outros poderes - mover objetos com a força de seu pensamento.Hermes parou de comer, arregalou os olhos e escancarou a boca, ainda segurando a coxa de frango com as duas mãos.

- Ela é um Jedi?

Alexia revirou os olhos e mudou de posição na cadeira.

- Devemos cumprimentá-la como se estivéssemos em uma reunião dos Alcoólatras Anônimos? Oi Elisa! - Ironizou Alexia, cumprimentando-me como um Teletubbie. 

-Nossa, os seus alunos são excepcionais mesmo. Tipo retardados.

- Ah, eu sabia que ela era uma das nossas! - Disse o garoto loiro com comida na boca.

- Touché Elisa! Junte-se a nós. - Disse Alexia um pouco mais simpática puxando uma cadeira.Não muito confortável, sentei-me entre ela e Hermes, o garoto loiro comedor de frango metido a engraçado. 

Havia a maior variedade de pratos para todos aqueles alunos. Ainda bem que a cozinha literalmente se limpava sozinha! Medeia disse que me deixaria almoçar e viria me buscar para as atividades da tarde. Então ele entrou na sala.Seus cabelos castanhos lisos caíam suavemente sobre seus expressivos olhos verdes, tinha um sorriso de derreter e traços perfeitos. Era tão sexy que me lembrava Apollo, irmão de minha deusa de devoção. Lançara-me um olhar de aprovação que me fez estremecer. Vestia uma camisa verde musgo e jeans. Mesmo casual era de uma elegância ímpar, me parecia um misterioso lorde vitoriano.

- Lucca, esta é Elisa. Lucca é nosso professor de ocultismo. É a pessoa a nos proteger e instruir para que sobrevivamos fora desses muros.

Corei.

- Bem vinda, Elisa.

- Obrigada. - Respondi debilmente. Alexia me deu uma leve cotovelada. Que menina pentelha! 

- Adoro suas aulas professor. Elisa, você não sabe como o oculto pode ser sexy!

- Oferecida! - Disse Hermes em meio a um espirro forçado. Alexia retribuiu o elogio com um pescotapa.

O restante do almoço foi um pouco menos perturbador. O professor Lucca era um cavalheiro, muito diferente da maioria. Sentou-se conosco e disse que estava muito feliz por eu ter decidido me juntar a eles. Cada sorriso daquele rapaz me deixava arrepiada. 

- O que exatamente você leciona?

- Todas as forças invisíveis que os mortais temem. - Disse Lucca arregalando os olhos abrindo um sorriso quase infantil. - Magia negra, exorcismo, necromancia e mais um punhado de coisas mórbidas e apaixonantes. Você vai se interessar, tenho certeza. São aqueles assuntos que as pessoas repudiam, mas morrem de curiosidade. 

- Mal posso esperar. - Disse animada.

Ao término da hora de almoço a diretora me levou para conhecer alguns professores. Locusta, a professora de botânica me recebeu como se eu fosse a coisa mais maravilhosa do mundo depois da invenção do corretivo de olheiras. Meio riponga, com sua saia indiana super-estampada e um cabelo que não via pente há muito tempo, ela me perguntou com entusiasmo se eu já havia conhecido a estufa, se gostava de plantas, se gostava de Tarot, que poderia ler a minha mão e mais um monte de coisas estranhas. Ela também fora aluna da Academia e depois de formada na universidade, voltou para lecionar. Pasme, Medeia me disse que ela era uma mente brilhante e que se formara em química com louvor na melhor faculdade do país. Escolhera muito bem a carreira e foi capaz de encontrar um equilíbrio entre ciência e magia. Fazia as mais diversas poções, mas sua especialidade era o desenvolvimento de venenos.

A própria Medeia lecionava ética na feitiçaria (sim, isso mesmo) e história. Como ela havia me dito, nosso passado era de extrema importância para compreendermos nossos poderes e nosso futuro. Além dos professores, a Academia era assistida por uma psicóloga, que também partilhava nossos poderes, claro. Era muito raro alguém sem eles ter acesso à mansão. Uma exceção era Maria, a governanta que havia me recebido na primeira vez em que os visitei. Não chegava a ter nossos poderes, mas era uma médium de primeira, praticante da Umbanda. Eu adorava a miscigenação religiosa daquele lugar. Depois das apresentações, cheguei a assistir a uma aula.Nessa matéria, tínhamos como objetivo de estudo nós mesmos. A cada semana, um aluno relatava quais eram seus poderes e os demais aprendiam sobre eles e tentavam reproduzi-lo. Nem sempre deu certo. De qualquer forma tínhamos exemplos das mais diversas habilidades, tanto de alunos atuais quanto de casos históricos de ex. alunos. Alunos com dons em comum podiam partilhar experiências e apoiar uns aos outros, isso quando não saía competição e um transformava o outro em lesma, barata ou qualquer outra coisa nojenta.Ao ir embora, mais animada e ambientada, parei no saguão da entrada e enquanto Dédalo abria a porta, olhei de relance para a sala da lareira. Vi uma moça de longos cabelos soltos e camisola branca olhando para mim. O tecido estava sujo e encardido e a camisola parecia antiga. Pela sua fisionomia, parecia amargurada, como se quisesse me dizer algo. Desviei o olhar rapidamente e quando tornei a fitar a sala, a moça havia sumido.

- Dédalo, quem era aquela?

- Quem?

- Na sala da lareira. Uma garota que ainda não conheci. O engraçado é que ela não parece ser nem deste século.

- Ela não é uma das nossas alunas Elisa. Mas não se preocupe, você vai se acostumar com essas...visitas. Conversaremos melhor sobre elas.

Refúgio - Filha de ÁrtemisWhere stories live. Discover now