A reconstrução permanente

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Desde muito pequenos nos perguntam o que vamos ser quando crescer. Mal saídos da adolescência, somos impelidos a escolher uma profissão para o resto da vida. Cursando uma faculdade ou mesmo adotando uma profissão que não requeira diploma, precisamos fazer uma opção. 

E se no passado havia menos opções, hoje o mundo especializado nos empurra para extremos. Assim, adotamos um rótulo que permanece colado na nossa personalidade pelos anos inteiros da existência. Mesmo se chegarmos à conclusão de que não fomos feitos para aquilo, julgamos ser tarde demais para mudar. 

Já ouvi centenas de pessoas dizerem umas às outras: "Você não é comerciante". "Você não sabe ensinar numa sala de aulas". "Você não é autora infantil". Como se cada um já nascesse com uma etiqueta pregada na testa, determinando nossa função para o resto dos nossos dias. 

Ora, ninguém é alguma coisa até decidir ser. Não se é um bom vendedor até o momento em que resolvamos tentar. É claro que a sociedade exige uma postura clara e no mundo globalizado as profissões requerem níveis de especialização cada vez maiores. 

Longe está a época dos homens e mulheres com formação humanista, detentores de um conhecimento geral que ia de noções da física ao latim, da medicina básica à astronomia, passando por rudimentos de grego, história dos povos e direito romano. 

Isso não significa que estamos condenados a nunca procurar adquirir outros saberes ou a se aventurar por caminhos ainda não trilhados. 

Apesar de tudo, é possível encontrar nas dobras do cotidiano um tempinho para exercer o dom da curiosidade. Não importa a idade, nunca é tarde para recomeçar. Mesmo que seja do zero, naquele campo em que não estava acostumada a transitar. Não me julgo velha demais pra isso ou aquilo. Pois é na maturidade que nos vêm as ideias mais bem acabadas, maior conhecimento e compreensão geral.

Quero voltar para a faculdade? Arriscar uma pós-graduação? Estou com uma vontade irresistível de escrever um romance? Escrevi, mas não tenho coragem de mostrar a ninguém por causa do meu senso crítico aguçado? Lembro-me do velho provérbio de que quem não arrisca, não petisca. Com esforço, empurro para longe a vergonha de me expor. 

De outra forma, o talento acaba morrendo de inanição, justamente porque faltou o gesto essencial. Como uma planta que precisa ser regada e adubada, ele também requer atenção e cuidado. O talento não vai sobreviver por si, independente do que fizermos. Muito pelo contrário, ele vai depender só da vontade de deslanchar e florescer. 

Nesse contexto, poderíamos lembrar uma série de citações. Cantarolo a canção sobre quem sabe faz a hora e não espera acontecer. Recordo Monteiro Lobato, para quem tudo é loucura ou sonho no começo. Mas tantos sonhos se realizaram, que não temos o direito de duvidar de mais nenhum, registrou certa vez o escritor.

Assim, se por medo de críticas não nos expomos, não ficaremos sequer sabendo se tínhamos ou não jeito para a coisa. Mesmo porque acontece de perdermos, nós mesmos, o distanciamento crítico, a capacidade de julgar se o que fizemos tem ou não tem valor. 

Mais vale a certeza de que tentamos e não deu certo, do que amargar para sempre a saudade do que poderia ter sido. E, no caso de conseguirmos chegar lá, existe algo melhor do que o orgulho da conquista após uma árdua batalha?

Porque quase nunca é sensato recuar ao primeiro "não". Sempre lembro que a autora da série bilionária Harry Potter teve os originais recusados sucessivamente por mais de uma dezena de editoras. A despeito das negativas, ela foi em frente. Bateu em inúmeras portas uma, duas, três, oito vezes, até atingir a pessoa certa. Dali em diante, o processo criou asas. 

O Sentido da VidaWhere stories live. Discover now