O colar

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Quando despertei do meu estado de torpor, a manhã já se colocava alta. Consegui sentir o sol frio da manhã na minha pele e a sensação era boa.

A escuridão perdeu sua vez e não ganharia espaço até o final da tarde, quando do recanto das sombras, voltaria a tomar conta de tudo mais uma vez.

Engraçado isso, não? Como tudo tem um tempo certo para acontecer... Há o momento da luz, mas também da escuridão, da alegria e do sofrimento. E nós, nessa constante dicotomia, seguimos vivendo e sobrevivendo.

Com um pouco das minhas forças recuperadas, apoiei a mão esquerda no chão para pegar impulso e me ergui. Cambaleei um pouco no começo, mas consegui equilíbrio rapidamente.

Finalmente pude olhar para mim mesma de forma mais criteriosa. Agora, mais de perto, comecei a prestar atenção nos arranhões que marcavam toda a extensão dos meus braços. Depois comparei com os das pernas.

"Estranho..." Pensei. As marcas eram bem diferentes daquelas que adquirimos quando um gato de estimação nos arranha, por exemplo. Essas eram bem maiores em extensão e profundidade. Toquei-as para sentir se doíam, mas não. Nada. Apesar de estarem avermelhadas, eu não sentia dor.

Passei a examinar minhas roupas e me dei conta de que elas estavam rasgadas. Em frangalhos, na verdade. 

O que era a minha calça jeans surrada, não passava de um shorts meio desajeitado com pedaços de tecido ainda pendurados. Minha blusa, ou projeto de, tinha um rasgão transversal que ia do meu ombro esquerdo até a minha cintura, o que deixava parte da minha barriga, que não era nenhum tanquinho, à mostra.

"Que porra foi essa que aconteceu?!"

Tentando manter o foco em encontrar ajuda, rasguei os restos mortais da minha calça para que o shorts parecesse mais normal e tentei me recompor na medida do possível. Passei a mão nos cabelos, no intuito de alinhá-los um pouco, e comecei a caminhar.

Acredito ter andado cerca de meia hora sem avistar nada a não ser o muro cinzento que parecia não ter fim. Meus pés mal se mantinham um na frente do outro, mas mesmo assim continuei. Precisava prosseguir.

Depois de alguns metros, consegui avistar uma fresta à frente. Andei até alcançá-la e percebi que era uma viela. A saída, ao que parecia, dava acesso à uma rua.

Corri. Pelo menos foi o que eu pensei. A viela era muito estreita e o chão cheio de pedregulhos, mas minha alegria era tamanha que nem percebi a dor em meus pés.

Ao chegar ao final da viela estreita, dei de cara com a rua. Foi como reviver de novo!

Ver todas aquelas pessoas correndo em todas as direções, no ritmo agitado de suas rotinas, foi restaurador. Até sentir o cheiro de dióxido de carbono presente no ar com tantos automóveis em movimento me trouxe felicidade. Era como se, há muito tempo, eu não sentisse essa sensação de naturalidade, de pertencimento. Esse era o meu mundo, afinal.

Passei um bom tempo ali em pé. Apenas observando. 

As pessoas passavam por mim e pareciam não me perceber, tão focadas em seus compromissos, mexendo em seus celulares e correndo de um lado para o outro.

Eu precisava de ajuda! Fui em busca de alguém que pudesse me dar um pouco de atenção e comecei a abordar as pessoas.

Vi uma mulher elegante vestida de amarelo e tentei falar com ela, que chegou a me olhar, mas me ignorou e apressou os passos na direção oposta. De repente ela tinha receio de eu ser uma pedinte ou pior, uma assaltante. Sei lá!

Tentei mais algumas vezes, mas sem sucesso. Meus trajes, definitivamente, não ajudavam muito. Eu parecia mais uma figurante zumbi de The Walking Dead ou Guerra Z. 

Cansada, me dirigi até a calçada de uma mercearia. Fiquei lá por um tempo, tentando pensar em algo ou esperando por algum daqueles momentos "plim", nos quais as pessoas tinham ideias e soluções mirabolantes, mas nada me veio.

Coloquei a cabeça entre as mãos, me forçando a pensar em algo que fosse útil. Desisti. Remexi os bolsos do meu projeto de shorts e lá estava ele: o colar com o pingente. Remexi mais um pouco e nada."Droga! Nenhum real! Uma simples moeda, cadê?" A forme já apertava forte e me vi tão desolada que tive vontade de chorar.

Eu precisava comer. Precisava de roupas limpas e um lugar para ficar. Mas como conseguir tudo isso?

Havia uma pequena joalheria do outro lado da esquina. "Por que não?" Pensei. Me dirigi até lá. Iria me livrar daquele colar. De repente, eu poderia conseguir o suficiente para comprar uma refeição e comprar alguma roupa. 

Atravessei a rua e entrei. O lugar tinha cheiro de coisa velha. Observei os quadros e vi muitas quinquilharias. Apesar do nome "joalheria" na entrada, o estabelecimento parecia mais um antiquário falido. Enfim, arrisquei. Me dirigi até o balcão, onde não tinha ninguém, e chamei:

- Há alguém aí?

Silêncio.

- Por favor, preciso de ajuda. Há alguém ... Porra! Disse assustada, derrubando alguns itens de uma prateleira ao lado. 

Um senhor apareceu do nada debaixo do balcão. 

- Senhor, me desculpe! O senhor me assustou. Chamei por duas vezes e ninguém apareceu. O senhor veio de onde, hein? Isso foi muito indelicado! Não custava responder...

Falei ainda tentando me recuperar do susto.

Ele sorriu. Um sorriso meia boca que me deu calafrios.

Me olhou de cima a baixo quando falou:

- O que uma gracinha como você estava fazendo para ficar nesse estado? Tenho certeza de que posso lhe ajudar...

Arrg! Velho nojento! O olhar dele me dava asco. Procurei, então, ser bem direta para sair logo dali.

- Gostaria de penhorar um colar. Acredito que tenha um bom valor, pois é uma joia de família.

Joguei essa pra ele como se eu soubesse, mesmo não fazendo ideia sobre o que aquela joia pudesse ser ou de onde pudesse ter vindo.

 Ele pegou o colar em suas mãos, pegou uma lupa e começou a examinar o pingente. Levou segundos até ele se jogar para trás, como se algo o tivesse queimado, deixando o colar na mesa do balcão.

- O que foi? Peguntei.

- Onde você conseguiu isso? Você sabe de onde essa joia vem?

- Ah... na verdade não. Disse apenas que era de família porque foi a informação que recebi ao ganhar a joia de presente.

A incredulidade estava estampada em seus olhos. Ele se reaproximou do balcão, abriu a gaveta à sua esquerda e me deu R$ 200,00.

- Só isso? O colar deve valer bem mais!

- Tome! Ele me disse me entregando o colar. Não quero isso. Apenas saia daqui.

- Hey, mas por quê? Você sabe o que é esse colar? Por que está fazendo isso?

- Como você disse, é uma joia de família. (notei sua voz agora amarga e cheia de desprezo) Não posso pagar o preço que vale. Agora pegue o que eu lhe dei e saia. Você claramente está precisando.

- Mas...

- Saia! Ele gritou. 

Peguei o colar e o dinheiro e saí. Examinei o colar com mais atenção que da última vez. Nada conhecido. Mas aquela sensação...

Decidi comprar comida, uma roupa para vestir e pagar a estadia em um lugar barato mesmo. Apenas para que eu pudesse recompor minhas energias e voltar a ser mais eu mesma.

"Amanhã!" Eu disse para mim mesma. "Amanhã será o dia de correr atrás de respostas!" 

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⏰ Última actualización: May 02, 2016 ⏰

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