O encontro da menina e o vapor.

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Em um canto escuro, no meio de uma caverna de pedras azuis brilhantes, cobertas de musgo, à luz das sete luas que entrava pelas frestas das pedras, Sainima se encolhia agarrando o seu boomerangue, apertando-o contra o seu peito, arrepiando-se ao sentir o metal frio encostar em sua pele descoberta. Ela apertava os olhos com força, tentando acalmar-se para poder pensar em um plano, mas o seu coração batia tão forte que aquilo atrapalhava a sua capacidade de pensamento, trazendo para ela o medo das dúzias de haminos que cercavam à caverna em que ela se escondia à ouvissem só pelo palpitar de seu coração.

Jataqua era um planeta distante de tudo que se viu. Era tão longe de tudo e todos que ao redor do pequeno planeta, pelo menos ao raio de milhões de anos luz, não existia uma estrela sequer. Só Jataqua e suas sete luas, cada uma em um tom de azul diferente.

Os haminos, que eram criaturas quadrúpedes com órbitas oculares vazias e ocas, juntamente com suas patas tortuosas e compridas, com garras enormes que estilhaçariam uma pedra só ao toque, cercavam Sainima que se escondia em sua pequenina caverna. Sainima, a única de toda Jataqua com coragem para proteger todo o universo de Haminini do Feiticeiro Elóinamay, que queria extermínio daquele universo. E ele faria isso invocando a magia da Gota estrelar.

A Gota estrelar era composta de pó estelar. A única estrela que esteve perto de Jataqua- A estrela Escarídiava, do tamanho da mão de um gnomo das cascatas rochosas de Mederiwique - foi deteriorada por Elóinamay, e encantada para destruir todo o universo.

A Gota, foi roubada instantes atrás pela heroína Sainima. A luta necessária para conseguir tal proeza rendeu uma bela rachadura na gota, fazendo-a esvair magia por todos os cantos, tornando à sua procura muito menos demorada.

A história de Elóinamay era triste. Ele vinha de Kafata, um dos três universos de toda eternidade. Kafata foi exterminada em um fenômeno histórico, que só foi visto duas vezes em toda a existência de todos os universos. Um Blapat. Blapats são quando buracos negros encostam em algo encantado e por isso acabam crescendo tanto, que chegam ao ponto de engolir um universo inteiro.

Elóinamay estava em Haminini, o universo em que Jataqua se localizava, fazendo trabalhos para o governate de lá. Foi o único de sua raça (e de seu universo) que sobreviveu.

E por vingança, Elóinamay queria porque queria destruir Haminini.

Ele tinha enlouquecido de ódio.

E por tudo isso, Sainima estava ali, sendo perseguida por criaturas horrendas que à matariam.

A respiração pesada e rouca dos haminos ecoava nos ouvidos de Sainima, que já tinha lágrimas formadas em seus olhos, esperando a sua morte. A gota estrelar, encaixada no centro oco de seu boomerangue de bronze, tremia pois tinha sido partida durante o roubo que Sainima realizou, quase que sem sucesso. As mãos dela tremiam também e sem querer ela deixou escapar um suspiro, pois sua respiração estava presa por tanto tempo que seu rosto já estava perdendo a cor.

E um hamino à ouviu com suas orelhas compridas e finas, elevadas para o alto, com pequenas manchas verdes nas pontas.

O animal rosnou, o seu rosnado frio e metálico, rouco, sussurante, que cada vez mais se aproximava de Sainima, a garota de sombrancelhas e cabelos verdes, e pele acobreada. Ela tremeu muito mais do que tremia antes, e seu corpo gelou, fazendo cada fiapo de coragem que restava da menina se esvair de seu corpo pequeno.

Sua cabeça palpitava de agonia, tentando pensar em algo proveitoso para escapar. Ela só tinha seu boomerangue com uma faca embutida, e um punhal que estava guardado no bolso de sua blusa, nada que lhe ajudaria à lutar com haminos. Força física não bastaria, e não é como se aquilo fosse seu forte.

Porquê diabos escolhera aquela vida?

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Dragões não tem histórias empolgantes de vida.

Pelo menos não em Jataqua.

Yedof, o dragão de vapor, desconhecido, tão alheio ao seu próprio mundo, vagava pelas cascatas rochosas de Mederiwique, aonde as cobras voavam e a água era cor púrpura, e gotículas da mesma viajavam até o céu, passando pela fina atmosfera gravitacional do planeta, até chegarem ao infinito e vagarem eternamente (exatamente como Yedof fazia) por lá.

Dragões de vapor são como espíritos, fantasmas que vagam por todo o planeta, com suas enormes asas angelicais feitas de nuvens de fumaça de águas evaporadas. Os olhos (uma das poucas coisas que se pode ver em dragões de vapor) são azulados como o espírito de Tataima, a deusa do vapor e da água.

Ele flutuava, como o fantasma que era, uma coisa sem vida (ou com uma vida não vivida) que andava por um mundo que em momentos passados, quase perdeu a vida.

Então, ouviu-se um rosnado.

Um rosnado forte, alto, e ao mesmo tempo sussurante, igual aos seus gritos calados, os gritos surdos e mudos que todos moradores de Jataqua davam à noitinha, devido ao medo do fim.

Uma matilha de seres acinzentados, com pelos eriçados, como espetos de ferro, focinhos achatados e sem olhos, só cavidades, buracos, vazios, rondava uma caverna pequena, azulada, no fundo da àrvore rochosa de Tataima.

Yedof, o vapor dragão, que vagava por um mundo, sem rumo algum, sendo invisível aos olhos de haminos e quaisquer seres sem espírito, flutuou até a pequenina caverna, atravessando objetos e plantas, trazendo todo o calor que o envolvia (pois ele era feito de vapor) até o local.

E então, uma garota, de olhos grandes e negros como o infinito, com suas sombrancelhas grossas e cabelos curtos cacheados, ambos verdes, agarrada ao seu boomerangue, tentando arrumar a sua respiração descompassada, o viu.

Sainima já tinha visto dragões.

Muitos.

Seu pai à mostrara diversas vezes. Por isso não se assustou.

Sainima, tentando pensar rápido, imaginou seu pai conversando com ela sobre dragões. Dragões de vapor.

E nesse exato momento um hamino entrou na caverna.

A terra azul escura foi sendo estilhaçada, desmanchada e desarrumada pelas enormes garras do animal feroz, que andava sem pressa até a garota agarrada à sua espada.

A roupa de Sainima estava rasgada, mas a capa preta, herança de seu pai, que costurara para ela, continuava intacta. Ela se lembrava bem de seu bom e velho pai dizendo:

"Você vai ser uma heroína Saini. Vai ser. Vai proteger o céu e o infinito com seus próprios dentes, vai ser como um bravo dragão. Não importa se dizem que você é covarde. Pra ser herói não se prescisa só de coragem, prescisa de força. Não física, mas mental."

Esse era o pai dela à aconselhando e à consolando, ao Sainima dizer que não queria ser curandeira do rei como todas as meninas fragéis e pequenas de seu povo. Que queria ser heroína como o rapaz que salvou o terceiro universo de um Blapat.

Alheio aos pensamentos da menina, Yedof pensou que deveria fazer algo. Afinal, teria finalmente emoção em sua vida.

Sainima pensou, naqueles milésimos de segundos passados, imaginou-se jogando-se para cima do dragão à sua frente que iria (mesmo contra a vontade do próprio) envolvê-la em sua neblina. Talvez ele saisse pelas paredes da caverna, já que ao tocar nele faria parte do mesmo, podendo atravessar coisas. Imaginou-se chegando no esconderijo de Elóinamay, achando o livro de feitiços e e encantando a gota para ser prisão eterna do feiticeiro.

Agarrou a sua arma, e pulou em cima do dragão, agarrando-se ao pescoço e depois colocando impulso para se jogar para frente e cair de costas em seu lombo. A capa, amarrada por um fino cordão de prata em seu pescoço, caiu junto com a menina, mas em cima dela, de forma que o dragão demorou um pouco para entender o que tinha acontecido e quem tinha pulado ali.

Depois de segundos, ele compreendeu.

Yedof se assustou mas entendeu a linha de pensamento da garota. Atravessou rapidamente as pedras, e sumiu na escuridão do dia.

Gota De EstrelaWhere stories live. Discover now