Capítulo 11

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        Uma chama fraca, um silêncio inquietante e muita dor. Foi só que  ouvi e senti quando abri os olhos depois de tudo. Minha cabeça rodava de forma enebriante, espasmos tomavam conta de meus músculos, e meu corpo estava tão fraco, pesava toneladas, então fiquei inerte  por debaixo de lençóis... lençóis? Olhei para o lado devagar e vi uma senhora molhando um pano numa bacia e passando cuidadosamente sobre uma prateleira empoeirada. Eu não a conhecia e nem fazia ideia de onde estava. O quarto  escuro era iluminado apenas por uma vela que faiscava já  perto de se acabar.  A mulher se virou e olhou surpresa  para mim parecendo feliz. Fiquei com medo dela, pensando na possibilidade dela ser mais uma vampira.  Só de pensar nisso, senti tanto medo  que comecei a tremer.
       - Calma, não vou te machucar. 
       - Saia de perto de mim!  - supreendir-me quando minha voz saiu fraca, quase num sussurro.
       - Sei que está assustada, mas não faça esforço, é para seu bem.
      - Como vim parar aqui? - sussurrei ouvindo minha voz débil.
      - Hoje pela manhã,  eu estava passando pela rua Sgrime, sempre passo lá bem cedo para catar papéis, para reciclagem sabe? E encontrei você jogada no chão, pensei que estivesse morta, mas cheguei perto e vi que suspirava lentamente, estava praticamente sem vida,  não sei como escapou. É um milagre. - ela deu uma pausa sorrindo timidamente, pela primeira vez notei o sotaque hispânico em sua voz - Chamei um jovem que sempre me ajuda no trabalho e nós te trouxemos para cá.
       - E eles? Os vampiros?
       - Não existe vampiros minha querida. - a senhora respondeu atordoada - Não se lembra de nada? 
       - Não.  - resolvi não contar, já sabia qual seria a reação, ia achar que eu estava louca e com certeza iria querer me mandar pra um hospício. Mas de uma coisa estava certa, vampiros existiam e não sei como, um deles matou minha mãe e tentou me matar. 
       - Fiquei com tanto medo. Você ali jogada no chão. Quem te atacou minha querida? - ela hesitou - Abusaram de você? Foi isso que  aconteceu? - ela mal deixou eu responder e voltou a falar - Nós pensamos em te levar ao pronto-socorro, mas pensei que se foi alguém poderoso que te atacou não seria uma boa idéia, portanto eu mesma cuidei de você. Minha mãe era uma velha curandeira, me ensinou tudo sobre ervas, acho que foi isso que te ajudou, o poder da natureza. - ele deu uma pausa e respirou calmamente - Quem fez uma coisa tão horrível assim com você? Quem te deixou jogada lá?
       - Não quero falar sobre isso, mas eu prometo, vou me vingar, se vou. - uma lágrima desceu, quente como fogo, cheia de fúria, de ódio, de desejo por vingança.
       - O rancor não leva a nada. O ódio é uma porta para solidão. Escute as palavras de uma velha que já viveu muito pra contar historias e vá à delegacia, denuncie esses miseráveis. - ela parecia tão boa e gentil, tinha um sorriso doce que enchia tudo de ternura - Agora a senhorita precisa se alimentar e depois vamos a um médico.
       - NÃO!!! Nada de médicos por favor! - segurei no seu pulso tentando impedi-la de chamar qualquer tipo de  assistência médica, ela pareceu assustada e depois fez uma cara feia como se estivesse sentido dor.
       - Tudo bem, agora por favor... solte meu braço, está me machucando.
       - Mas eu só estou segurando. - larguei seu pulso e fiquei horrorizada quando vi  a marca de meus dedos na carne frágil e enrugada dela, não acreditei que tinha feito aquilo sem qualquer esforço - Me desculpe, eu não queria... não quis machucá-la... perdão!
       - Não se preocupe. Você é bem forte, não parece ter tanta força.
       - E não tenho... - encarei seu olhar temeroso e  envergonhei-me.
       O resto da noite passou como um relâmpago. Não consegui dormi, meus olhos estavam secos. A senhora, que se chamava Ana cuidava de mim com bastante dedicação, era muito atenciosa, e pelas horas que se foram, para meu alivio, não perguntou nada de minha vida. À meia-noite, uma febre enlouquecente veio sobre mim, era alucinante, uma onda quente que penetrava minhas veias, ferindo-as de dentro para fora. A mulher colocava um pano molhado sobre minha testa a cada instante, mas estranhamente, ele secava  demasiado rápido.
       - O que é isso? Nunca vi uma febre assim, não é normal. - ela passou o pano pelo meu pescoço e vi de relance quando arregalou os olhos - O que são esses dois furinhos?
        - Não sei... - menti - por favor Ana, faz isso passar, por favor. Eu não estou aguentando  - falei quase enlouquecendo de dor - arde demais... eu não suporto isso.
       - Não sei o que fazer. Nunca vi uma coisa dessas antes. Tenho que levá-la ao hospital.
      - Me ajude... mas não me tire daqui, eu imploro.
      - Você pode morrer se continuar nesta cama. - Ela me olhou duvidosa e depois  concordou. - Se piorar, você não terá escolha entendeu?
       A noite foi um tormento sem fim. Pesadelos tomaram conta dos meus delírios e o rosto e a voz de Kian, não me deixaram em paz.
       Pela manhã, a luz do Sol fez meus olhos arderem mais que a febre, pedi a Ana que fechasse todas as janelas, não estava sendo capaz de me expor a qualquer tipo de clareza. Ela entrou no pequeno quarto trazendo uma bandeja de comida, era estranho, eu estava faminta, mas não tinha nenhum apetite para comer... aquilo.
       - Precisa se alimentar ou vai passar mal. Já basta a febre de ontem, não quero você desmaiando de fome também.
       - Não tenho fome.
       - Mas necessita comer. Vamos lá, só um pouco.
     Coloquei um pedaço de pão na boca e quase vomitei com o gosto horrível que possuía, era  intragante, impossível de se ingerir.
      - O que foi? Não gosta de pão?
       - Gosto, mas esse está com um sabor terrível. - ela comeu apurando o sabor e pareceu confusa.
       - Coma esta maçã, é docinha como mel.
       - Não quero.
       - Angel...
       Levei contrariada  a maçã aos lábios. O gosto era pior que o pão. Ana me obrigou a comer tudo, mas assim que terminei, coloquei pra fora. Não tinha condições de segurar nada, a refeição era seguida por vômito.
       O dia se passou e minha saúde só piorava. Estava  debilitada, não comia a um bom tempo, e inacreditavelmente estava emagrecendo em questão de horas, sentia um nó apertado na garganta que parecia que ia me matar. Algo estava acontecendo com meu corpo, um estranho mau-estar que jamais tinha sentido. Precisava de qualquer coisa  que me sustentasse. E a sensação de fome, estava me deixando louca, eu tinha que comer. Eu estava sendo vítima  de um tormento incompreensível, minha garganta queimava mais a cada hora que se passava. Sempre que me alimentava, vomitava em seguida e assim minha vitalidade se esvaia. Continuava enfurnada na cama, sem sair ao sol, sem ver o mundo, com medo de que Kian tentasse me matar novamente.
        Naquela noite, Ana e eu conversamos.  Bem, ela conversava, por que eu estava muito fraca para falar.
       - Você tem família? De onde vinha quando foi atacada?
       - Não tenho ninguém.
       - Não minta para mim Angel. As roupas que usava não são quaisquer, é roupa cara, de marca. Você deve ter alguém lá fora, não entendo porque não quer falar sobre.
       - Não quero que se machuquem, nem eles, nem a senhora, que está sendo tão boa comigo, tão generosa. Vou ser eternamente grata. - peguei sua mão e a beijei, pude ouvir o pulsar do sangue dela, calmo, confiante, minha audição estava ótima, então a afastei confusa - Quero que entenda, assim que eu ficar melhor vou embora me esconder, pelo menos até entender isso tudo. Existe muito perigo nesse mundo, coisas que eu nem imaginava, seres ocultos. Tenho que saber de tudo Ana. Acho que foi por esse motivo que sobrevivi, para descubrir  o segredo de minha família.
       - Então  você tem família?
       - Sim, mas nossas vidas foram tão marcadas por tragédias. Já sofri muito, e não quero que ninguém sofra por minha causa. Entende agora que é melhor que não saiba de nada?
       - Mas se você tem família, eles devem está procurando por ti.
       - Não importa. Vou explicar tudo depois.
       - É, mas se não melhorar, não vai viver muito tempo para isso, estou falando sério, você tem que ir a um médico.
       - Não, tudo menos isso.
       - Angel, sabe que não tenho dinheiro para tantas dispesas, sou uma simples catadora de papel. O que consigo, é o suficiente apenas para comer e quando dá, como vou te ajudar? Você precisa encontrar sua familia, pedir ajuda a eles, talvez possam pagar um médico especialista, alguém vai poder de ajudar.
       - Espere só mais um pouco, por favor.
       - Tudo bem, mas não quero carregar o peso de te ver morta. Sabe? Eu nunca tive filhos, meu marido me deixou viúva e sem nenhum descendente, você é como a filha que eu nunca tive, é estranho não é? Eu nem te conheço direito, porém, eu sei, que sua vida foi tão triste  como a minha, isso nos liga de alguma forma.
       Afirmei com a cabeça e fiquei feliz por ela ter concordado. Esconder minha origem era muito importante para ninguém se ferir.
        Mais uma noite chegou e com ela outra febre tenebrosa, cheia de ilusão, de êxtase e cenas de sangue.  Inusitadamente, eu cobicei beber aquilo de toda a alma, então ele se afastou, como se fosse sugado por um ralo, e me vi desesperada, na expectativa de tomar o líquido vermelho-vivo  de qualquer maneira, era como se ele fosse minha cura, a restauração da temperatura normal do meu ser e assim, com essas reproduções fantasmagóricas aquela noite de tortura e aflição se foram.
       No dia seguinte, Ana entrou no pequeno quarto trazendo uma caixinha dourada, sentou se na cama e disse:
        -Trouxe uma coisa para você.
       - Não acredito que gastou seu dinheiro comigo.
       - É só um surpresa. Deixa eu abrir. - ela rasgou a embalagem e tirou uma lata de doce de leite - Não é possível que você não goste. Vou pegar uma faca.
        Alegremente ela foi até a porta, e em segundos voltou com uma faca enorme na mão, tentou abrir a tampa, mas  estava emperrada.
       Não sei como aconteceu, foi tão rápido, tão ágil, que não consegui captar bem como se sucedeu aquilo. Ela estava lá, na minha frente, e de repente sangue começou a escorrer pelos seus dedos.
       - Me cortei. Estou ficando uma velha desastrada mesmo.
       Mal prestei atenção no que ela falava. Eu estava estupefata, fora de mim. O sangue, sua imagem, acendeu me um apetite incompreensível, uma tentação enigmática, sem explicação. Eu o queria,  precisava dele. Estava sem controle, fora de mim. Fui para cima de Ana com uma fúria que não sabia de onde vinha, senti minha pupila se dilatar, como a de Kian.  Naquele momento, ela era a caça e eu a caçadora. Segurei sua cabeça, vi a expressão de pavor no seu rosto bondoso e contra a minha vontade, presas cresceram com uma pontada de dor horrível e em seguida enfiei os dentes no pescoço já flácido dela.

    

  
 
      

SEGREDOS DE  UMA VAMPIRA      (Em Revisão)Where stories live. Discover now